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quarta-feira, abril 27, 2022

Sangue frio - Editorial




Superação de tensões entre os Poderes depende de estratégia e decisões difíceis

Jair Bolsonaro (PL) deixou evidente nos últimos dias que pretende aproveitar todas as oportunidades que surgirem à sua frente para fustigar os ministros do Supremo Tribunal Federal e acirrar as tensões entre os Poderes.

A cinco meses da eleição presidencial, o mandatário volta a investir na bagunça, seja para manter aliados radicais mobilizados, seja para evitar discussões embaraçosas sobre os múltiplos fracassos de sua gestão.

Não foi outro o objetivo do decreto que concedeu perdão ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), o agitador bolsonarista condenado à prisão na semana passada por atacar o Supremo e fazer ameaças a seus integrantes.

O indulto faz parte das prerrogativas do chefe do Executivo, mas nesse caso não escapa a ninguém a motivação extravagante de quem se arvora em revisor das decisões da corte para assumir papel inexistente na ordem constitucional.

Caberá ao STF examinar a legalidade da medida. Se existem caminhos jurídicos consistentes para anular os efeitos da iniciativa do presidente, é claro que a decisão não é simples no contexto atual.

A revogação imediata do indulto, por este ter sido decretado antes mesmo do trânsito em julgado da condenação, não impediria um novo perdão mais à frente, quando de fato chegasse a hora do cumprimento da pena de prisão.

Uma possível alternativa, que preservasse o decreto e deixasse Silveira solto, mas impedido de concorrer no pleito que se avizinha, poderia deixar Bolsonaro à vontade para desafiar novamente o tribunal quando outro desordeiro se visse ameaçado.

Decerto não contribuem para esfriar a crise as declarações do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, que no domingo (24) afirmou que as Forças Armadas foram usadas para disseminar dúvidas sobre as urnas eletrônicas.

Mas foi exatamente o que Bolsonaro fez no início do ano, quando cobrou resposta do Tribunal Superior Eleitoral a questionamentos apresentados pelo representante do Exército numa comissão criada pelo TSE para verificar a segurança do processo eleitoral.

Como logo se viu, não havia nada de errado com as urnas. Ficou evidente que a cobrança era mais uma tentativa de Bolsonaro de espalhar mentiras sobre as máquinas e buscar elementos para contestar o resultado das eleições se lhe for desfavorável.

Num ambiente envenenado pela irresponsabilidade do presidente da República, que não cansa de exibir desprezo pelas instituições que refreiam seus instintos autoritários, será preciso ter sangue frio e estratégia para reafirmar os limites impostos ao seu poder.

Folha de São Paulo

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