Publicado em 9 de abril de 2022 por Tribuna da Internet
Augusto Tomazini
Aproveito a recente comemoração oficial do golpe de 1964 para resgatar aqui a invasão que se deu na Universidade de Brasília (UnB) nove dias depois daquela data vergonhosa. Tropas do Exército e forças auxiliares (vulgarmente chamadas de PMs) vieram de Minas Gerais em 14 ônibus, ocuparam o campus, revistaram centenas de pessoas e detiveram dezenas de professores e alunos para interrogatórios. Muitos foram humilhados e até agredidos, por não aceitarem a invasão do campus.
EDUCAÇÃO DE VANGUARDA – Foi o aborto de um projeto de educação de vanguarda que não passava despercebido à comunidade científica internacional. Darcy Ribeiro conta que antes do fatídico golpe, enquanto ainda discutiam o regulamento da Universidade, o próprio Robert Oppenheimer (conhecido como o pai da bomba atômica, mas que era um grande humanista) telefonou para opinar sobre um artigo do estatuto da UnB.
Além de violências e humilhações, houve várias demissões injustificadas, a começar pelo reitor Anísio Teixeira, um gênio da educação.
A UnB era um projeto que contara inclusive com apoio do papa João XXIII que intercedeu em um momento em que se discutia a escolha entre os projetos de educação pública ou privada, sob o governo de JK, e venceu o projeto da educação pública com a bênção papal.
VÁRIAS INVASÕES – Foi a primeira de várias invasões. O projeto original foi esvaziado e no ano seguinte, após a segunda invasão em 1965, houve pedidos de demissão em massa.
Não ocorreram mudanças significativas na estrutura física e organizacional no regime militar, com uma curiosa exceção: o Instituto de Teologia Católica, que foi suprimido e suas instalações até mesmo parcialmente destruídas. Curioso o medo que esses cristãos conscientes de seu dever social despertavam no regime militar.
A invasão mais violenta foi em 1968, com tiros e um estudante foi baleado na cabeça. Um dos aluno, Honestino Guimarães, foi morto na prisão e até hoje seu corpo não foi encontrado. Tudo por delito de opinião. Alguns que se opunham foram expulsos da vida acadêmica e empurrados para a clandestinidade, sofrendo até mesmo assédio contra suas famílias.
HAVIA DISSIDENTES – Esses fatos mancham indelevelmente nossas Forças Armadas, mas é preciso separar o joio do trigo.
Ocorre que também havia um expurgo dentro das próprias Forças Armadas, que nunca foram uma instituição homogênea, mas estavam momentaneamente sob o domínio de um círculo de pessoas doutrinadas na chamada Escola da Américas, do Departamento de Defesa dos Estados Unidos.
Sim, por trás das instituições temos circuitos de relações pessoais, em afronta ao princípio da impessoalidade, que deve nortear a administração pública.
LEI DA ANISTIA – Outra grande invasão foi em 1977 e elas só acabaram após a Lei da Anistia. Esse é o retrato dos regimes totalitários em que professores são cerceados por policiais e militares.
Qual será o nosso destino? Este tema do governo militar deveria ser um assunto já acabado. Mas de que maneira, se as autoridades de plantão defendem abertamente esse tipo de regime ditatorial e assassino? Difícil lidar com esse assunto sem um aperto no coração.
Assim, celebremos aqueles que defendem a construção de um saber comprometido com a sociedade como um todo, em que ciência e cidadania andam de mãos dadas.