Publicado em 2 de abril de 2022 por Tribuna da Internet
Igor Gielow
Folha
A jogada torta de João Doria e a desistência temporária de Sergio Moro de sua postulação presidencial deram à terceira via a busca de uma alternativa ao duopólio dos líderes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) na disputa pelo Planalto, num dia bem mais animado do que suas intenções de voto até aqui.
A manobra de Doria para tentar subjugar o PSDB, que não o aceita como presidenciável, acabou com o tucano voltando à estaca zero, retomando os planos originais de deixar o Governo de São Paulo para Rodrigo Garcia tentar a reeleição em outubro, sem necessariamente apaziguar o partido.
MUITA CONFUSÃO – Saem machucados do episódio Doria, o que sobra do PSDB e o próprio Rodrigo, que agora terá de convencer aliados de outras siglas de que os contratos firmados para a confecção de uma ampla aliança nos últimos meses são para valer.
O paulista trucou, como se diz no carteado: ameaçou ficar no cargo e desistir de tentar o Planalto. Por óbvio, tudo pode ter sido uma grande simulação, mas a crispação dos atores ao longo da madrugada e manhã desta quinta sugerem que a crise foi real. Doria foi duramente pressionado por aliados por sua decisão da véspera.
Eles dizem que Doria queria uma aclamação por parte do PSDB, mas não só isso. No plano original, a carta de reafirmação do resultado das prévias em que vencera Eduardo Leite (RS) em novembro pelo presidente da sigla, Bruno Araújo, seria engordada por um apoio mais ou menos explícito do MDB e do União Brasil — esta última sigla já reforçada pelo agora ex-presidenciável Sergio Moro.
O PROBLEMA DE MORO – A desistência momentânea de Moro, anunciada pouco antes do pronunciamento de Doria em São Paulo, em outros tempos seria o desenho sonhado pelo tucano para uma aliança de terceira via. O problema do ex-juiz é outro: ele não tem apoio partidário orgânico, seja no nanico Podemos, seja agora no poderoso União. Candidato a deputado, é um puxador formidável de voto, mas poucos no Congresso escondem sua ojeriza a Moro.
Só que não foi bem como o planejado, não menos porque há dois empecilhos à coligação que está sendo formada entre PSDB e os dois partidos: o próprio Doria. O líder de maior densidade do União, ACM Neto, não topa uma chapa com o tucano na cabeça, e o MDB segue reticente, com negociações paralelas inclusive com Leite.
Doria teve de se contentar com a formalidade de Araújo, que por sua vez ajoelhou no milho após dar declarações ambíguas a respeito da ressurreição da candidatura Eduardo Leite operada por Aécio Neves e outros caciques tucanos.
TRAIR E COÇAR… – Se traição é uma palavra tabu no Palácio dos Bandeirantes, por remeter à acusação feita por Geraldo Alckmin ao ex-aliado Doria em 2018, ela permeou todo o processo agora.
De fato, Doria vinha sendo traído pelo PSDB, sigla que tenta dominar, mas na qual nunca foi nunca foi majoritário. Se havia antes uma conspiração, contudo, agora ela deverá ganhar ares de revolta aberta, implodindo os cacos que nunca se juntaram desde que o partido esborrachou-se na campanha presidencial de Alckmin em 2018.
Mas traição também foi a palavra usada por aliados do próprio Doria, que se viram a pé na montagem do acerto da transferência de poder para Rodrigo — ele mesmo, tão traído na concepção do plano que pediu demissão do estratégico cargo de secretário de Governo, uma espécie de “primeiro-ministro” do estado.
DATENA CANDIDATO – Em público, dos aliados apenas José Luiz Datena (União) se manifestou nesses termos. Ele diz que seguirá como candidato ao Senado na chapa de Rodrigo, mas é parece impensável vê-lo pedindo voto para um Doria presidenciável agora.
Aos adversários internos e externos do tucano, restará a comemoração de mais uma trapalhada política percebida do rival. Se é verdade que operaram contra ele, é igualmente fato que Doria cometeu diversos erros, como a tentativa de tomar o controle do PSDB para si, revelada pela Folha no começo do ano passado.
O movimento do tucano, ao afetar a candidatura de Rodrigo em potencial, ameaçou 27 anos de domínio do PSDB em São Paulo. Simbolicamente, as fissuras já haviam sido explicitadas quando Alckmin deixou o partido e rumou para ser o vice de Luiz Inácio Lula da Silva, logo quem, pelo PSB.
COLIGAÇÃO ROBUSTA – Mesmo estando na casa dos 5%, Rodrigo reunia condições para deslanchar sua candidatura: relativamente desconhecido, com baixa rejeição e R$ 50 bilhões em obras para tocar. Tanto foi assim que montou, com apoio central do MDB e do União Brasil, uma coligação robusta.
Se não mantiver o estado, o oblívio desenhado em 2018, quando o PSDB teve menos de 5% dos votos no primeiro turno presidencial, poderá se tornar uma realidade.
Agora, caberá a Doria fazer o que não conseguiu até aqui, que é debelar as resistências de seus correligionários. Se caminhará com Moro, União Brasil e principalmente o MDB, é algo a ver. Fácil, não será.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – João Dória já conseguiu reverter duas situações difíceis e vencer as eleições que disputou, para prefeito e governador de São Paulo. Agora, a barra está bem mais pesada, devido à polarização Lula/Bolsonaro. Por isso, o quadro só vai clarear quando os partidos que negociam a candidatura única chegarem a uma conclusão, o que somente ocorrerá em junho. Até lá, teremos esse tiroteio de informações que não leva a nada, rigorosamente nada. (C.N.)