Eleitor terá de votar neste ano no modelo econômico que prefere para o Brasil nesta década
Por Pedro Cafardo (foto)
Ficou para trás o sofrido 2021, ano que a humanidade deveria esquecer, mas que jamais esquecerá. Assim, no Brasil, é hora de começar a organizar um pouco as ideias para o novo ano, quando a campanha eleitoral vai incendiar corações e mentes.
Mais do que na esquerda, no centro ou na direita, o eleitor terá de votar neste ano no modelo econômico que prefere para o Brasil nesta terceira década do século XXI. Claro que ao digitar seu voto o cidadão terá de levar em conta qualidades e defeitos do candidato e de seu grupo em diferentes áreas. Mas na da economia haverá basicamente duas opções nos programas de governo, embora com ênfases variáveis.
Não é preciso ser economista para entender as diferenças. Um contingente razoável de postulantes à Presidência manterá a defesa do pensamento ortodoxo neoliberal, teoricamente adotado sem sucesso no atual governo, dominante na condução das políticas econômicas globais a partir dos anos 1980 e que está sendo contestado em toda parte. Outro contingente, dos chamados progressistas ou heterodoxos, vai apostar em teses que podem ser chamadas de desenvolvimentistas.
Pelo menos no discurso, os neoliberais defenderão um projeto de país livre das amarras do Estado e conduzido pelas forças de mercado. Baseiam-se na crença de que a prosperidade de uma nação decorre da liberdade do empreendedor para investir e trabalhar sem muita interferência do Estado, a não ser como regulador.
Nessa linha, seria necessária apenas uma mínima participação do Estado para induzir o crescimento econômico e o desenvolvimento. Caberia ao Estado - na linha do quanto menor, melhor - apenas adotar um rigoroso controle de suas contas. Com essa austeridade fiscal, no longo prazo, os agentes econômicos tomariam decisões de investir no país e promoveriam a ascensão brasileira ao primeiro mundo.
A agenda econômica desse governo neoliberal, portanto, seria pautada por privatizações de estatais, desregulamentação do mercado financeiro e de trabalho, aprofundando a reforma trabalhista liberal do governo Temer, e redução de tarifas de importação.
Com o corte das despesas do governo seria possível reduzir impostos, o que estimularia ainda mais os investimentos, para gerar empregos e renda. Isso isentaria o Estado de sua atribuição de proporcionar bem-estar social aos cidadãos. No receituário neoliberal radical, também as ofertas de saúde, educação e outros benefícios ficariam a cargo do setor privado.
Esse neoliberalismo foi hegemônico no Ocidente desde os anos 1980, depois das eleições dos conservadores Ronald Reagan, nos EUA, e Margareth Thatcher, no Reino Unido. Segundo os críticos, entretanto, não teve os resultados esperados e ainda colaborou para a ascensão da China à posição de potência econômica global. Os países cresceram muito menos que no período do capitalismo social, do pós-guerra até 1975, e houve seguidas crises financeiras internacionais e concentração de renda. Até culminar com a grande crise do subprime, nos EUA, em 2008.
Alicerces abalados
A crise de 2008 abalou os alicerces das políticas neoliberais. Foi necessária forte intervenção do Estado americano para impedir uma catastrófica depressão global. O governo dos EUA investiu trilhões de dólares na tarefa de acalmar o mercado e voltou a intervir, com ênfase maior, para atenuar a recessão provocada pela pandemia da covid-19.
A proposta de volta dessa intervenção estatal na economia vai balizar a segunda opção a ser apresentada aos eleitores na campanha eleitoral deste ano, provavelmente por Lula e outros postulantes de esquerda à Presidência. A ênfase será variável, dependendo do grupo que vai assessorar os candidatos, mas o teor básico será desenvolvimentista.
Não se trata de prever para o Estado apenas a função de agente regulador, mas também uma tarefa importante no planejamento dos investimentos e na administração da demanda de bens no país, para que a economia trabalhe sempre próxima do pleno emprego.
Além disso, haverá, pelo menos no papel, promessas de relançamento ou reforço de programas sociais de renda, educação, saúde etc. O risco do abismo fiscal, tão difundido e assimilado pela opinião política, será deixado em segundo plano, embora deva prevalecer o discurso da responsabilidade fiscal. Os neoliberais chamarão essas propostas de populistas.
Tempos distintos
Em resumo, decifrando o economês, uma das diferenças entre as duas opções diz respeito a tempo, porque ambas almejam o desenvolvimento. Os neoliberais acreditam que a austeridade fiscal e o Estado mínimo, entre outras qualidades, podem criar ambiente favorável para os investimentos internos e externos, de forma a promover o desenvolvimento no longo prazo. Por isso, muitas vezes exageram no discurso sobre o risco fiscal e a trajetória da dívida pública, que chamam de “insustentável” no caso brasileiro.
Os desenvolvimentistas keynesianos são imediatistas. Acreditam que a mão pesada do Estado pode antecipar o desenvolvimento, agindo de forma contracíclica: injetando recursos na economia quando a atividade enfraquece e retirando-os quando ela se fortalece. As intervenções dos governos em todo o mundo durante a pandemia mostraram como a aplicação de recursos públicos pode ativar rapidamente a economia, embora isso tenha estimulado também a inflação.
Em brilhante artigo no Valor de 9 de novembro, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo contou que o historiador de Harvard Neill Ferguson, em debate com Paul Krugman, oito anos atrás, deu uma preconceituosa explicação para a famosa frase de John Maynard Keynes: “No longo prazo, estaremos todos mortos”. Keynes não se preocupava com o futuro, segundo Ferguson, porque era homossexual e não precisava pensar no destino de filhos, netos e bisnetos.
Valorizar o presente, porém, não significa, necessariamente, descuidar do futuro. Uma palavra-chave nessa conversa é “ênfase”, várias vezes repetida neste texto. O sucesso, em política econômica, como em quase tudo, não combina com radicalismos. O eleitor, portanto, terá de prestar atenção nas “ênfases” e isso em todas as áreas, não apenas na economia. Se tivesse feito isso em 2018, certamente o país não estaria hoje no buraco em que caiu. O eleitor terá uma nova chance no ano que está começando.
Valor Econômico