Bolsonaro perceberá uma verdade histórica: todos os governos que se fundaram em compra de apoio e proteção, tropas mercenárias no passado e políticos venais no presente, acabaram sendo abandonados por eles quando a derrota ficou evidente.
Por Carlos Fernando dos Santos Lima (foto)
Jair Messias Bolsonaro não será reeleito presidente da República em 2022. Se o final do ano é pleno de retrospectivas, o início exige dos comentaristas uma visão prospectiva, uma série de previsões sobre como a política, a economia e até os times de futebol irão se comportar neste ano. Qualquer previsão, por óbvio, é um risco, mas há aquelas que são muito mais seguras que outras. Assim, considerando a máxima do grande Barão de Itararé, “de onde menos se espera, daí que não sai nada”, é possível afirmar que o Brasil irá seguir mais um ano de péssimas notícias na economia e na política, pois nesses dois campos estamos presos às nossas péssimas escolhas do passado e à incapacidade como sociedade de tomarmos decisões difíceis, mas necessárias, e de as implementarmos efetivamente, doa a quem doer.
Entretanto, correndo o risco de parecer Cassandra, capaz de ver o futuro, mas amaldiçoada por ninguém acreditar em suas previsões, uma coisa me parece certa: Jair Bolsonaro não será reeleito. Essa tendência me parece inexorável, mesmo com todos os estelionatos fiscais promovidos pelo presidente e por seus correligionários e siglas mercenárias comandadas por Arthur Lira. Bolsonaro perceberá uma verdade histórica: todos os governos que se fundaram em compra de apoio e proteção, tropas mercenárias no passado e políticos venais no presente, acabaram sendo abandonados por eles quando a derrota ficou evidente. Assim será com o Centrão, que se encaminhará naturalmente para a candidatura de Lula, seu antigo mecenas, que já está ao menos no segundo turno das próximas eleições.
Bolsonaro corre ainda o risco de nem sequer chegar ao segundo turno, mas essa já é uma aposta mais arriscada. Certo é que a polarização com Lula lhe beneficia, ou melhor, beneficia a ambos, e a dificuldade da terceira via em falar a mesma língua desses dois populistas certamente será mais um obstáculo ao crescimento de um movimento ético e livre dessa polarização que nos mantém presos a ciclos de crescimento raquítico seguidos de longos períodos recessivos. Bolsonaro representa – infelizmente – uma parte de nossa população autoritária e pouco educada, e a única mensagem que compreendem é a do ódio ao que não entendem.
Assim como esse grupo de obscurantistas de direita, há também os equivocados de esquerda, que se apegam a Lula, último populista desse reduto ideológico, para voltarem ao poder. É muito triste que a esquerda ética da Nova República tenha se rebaixado ao proselitismo da corrupção no poder. De qualquer modo, Lula irá navegar nos erros de Bolsonaro – o que não será difícil, pois este último corresponde perfeitamente ao que popularmente é conhecido como “espírito de porco”, sempre disposto a criar cizânia e a impor sua visão preconceituosa e desagradável aos demais. Infelizmente estamos presos a essa roda de corrupção, preconceito e atraso com esses dois candidatos, mas a visão maniqueísta da política poderá nos impor ambos no segundo turno, o que me leva novamente a minha previsão inicial: Jair Messias Bolsonaro não será reeleito presidente da República em 2022.
Isso acontecerá seja pela humilhação de uma eleição de Lula já no primeiro turno – difícil de acontecer, mas não improvável – seja por nem sequer Bolsonaro chegar a esse, com a perda do segundo posto para um candidato da terceira via. Entretanto, mesmo na hipótese assustadora de ambos se enfrentarem em um segundo turno, Bolsonaro não terá – bem como Lula – o voto de parte significativa dos eleitores da terceira via. Isso porque o modelo do voto no “menos pior”, característica do sistema eleitoral de dois turnos, não irá prevalecer. Os eleitores conscientes vão optar pelo voto nulo – que será uma forma digna e honesta de negar apoio a esse atual estágio de nossa cleptoplutocracia, para usar um neologismo do falecido professor Luiz Flávio Gomes.
Assim, fica claro que Bolsonaro foi um soluço de uma direita autoritária e preconceituosa que se encontrava adormecida na Nova República, mas que acordou com o advento das redes sociais e a corrupção entranhada no modelo de presidencialismo de coalizão, exacerbada pelo apetite de poder do Partido dos Trabalhadores, o PT. O resultado, com uma diferença de pouco mais de 10% dos votos válidos, da eleição de Bolsonaro em 2018 contra um candidato fraco e desconhecido em pleno auge da operação Lava Jato demonstra que minha previsão de derrota de Bolsonaro é uma aposta confiável e factível. Qualquer um que insistir no atual presidente será apenas mais um fanático que pouco se importa com o futuro do país.
O que resta saber, portanto, é como impedir que a outra face do populismo e da corrupção volte ao poder. O desafio da terceira via é encontrar o tom certo do discurso que fará unir o centro democrático e o empresariado, prontos a aceitarem essa candidatura, com a população desejosa – e viciada – em líderes messiânicos. Ninguém se elege no Brasil sem propostas que sejam compreendidas pela população. Será preciso falar aos milhões de desempregados que perderam as esperanças, aos empreendedores amedrontados pelo espectro da inadimplência, às mulheres que veem a fome adentrar em suas casas, enfim, será preciso deixar claro que nenhum receituário liberal poderá colocar de lado as aflições e problemas reais e inadiáveis que a população brasileira enfrenta neste exato momento.
O desafio, portanto, da terceira via não é fácil. O derretimento de Bolsonaro é inevitável, mas a transferência de votos para Lula é um problema a ser solucionado. O quadro de candidatos ainda está indefinido, mas vem se cristalizando de uma maneira muito rápida. Após a derrota de Eduardo Leite para João Doria, o panorama parece ter se definido entre esse último e Sergio Moro, com Ciro Gomes correndo desesperadamente para não ser atropelado por Lula. No espectro da centro-direita a candidatura de Eduardo Leite era muito mais bem vinda que a de Doria, pois este último não possui a qualidade do “novo”, melhor representado pelo governador do Rio Grande do Sul.
Resta agora esperar que o tempo e o desenvolvimento das campanhas da terceira via mostrem competência para conquistarem os eleitores. Lula e Bolsonaro são conhecidos, para o bem e para o mal, e representam a manutenção das tensões sociais e econômicas no país. E é exatamente nisso que eles apostam. Com certeza, outra previsão fácil para este ano é a de que não será um período de paz e tranquilidade, seja pelo recrudescimento da Covid, seja pela péssima condução da economia, ou ainda pelas tensões naturais de uma disputa política. Mas nunca estivemos tão necessitados da superação desses problemas, e isso somente será possível fora do eixo autoritário-populista que Lula e Bolsonaro representam. Espero estar errado, mas estamos caminhando sobre o fio da navalha para evitarmos que projetos autoritários e equivocados conquistem o país – e não estou falando aqui de Jair Bolsonaro, pois este não ganhará as eleições.
Revista Crusoé