André de Souza e Carolina Brígido
O Globo
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta terça-feira o julgamento do pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro feito pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no caso do tríplex do Guarujá. Em seguida, Kassio Nunes Marques pediu vista, mas o julgamento prosseguiu. Ele ressaltou que seus colegas tiveram muitos meses para pensar o tema, enquanto ele, que tomou posse no STF em novembro passado, ainda não teve tempo suficiente para analisar o assunto. Ainda assim, o ministro Ricardo Lewandowski decidiu apresentar seu voto.
Edson Fachin e Cármen Lúcia já haviam decidido rejeitar o pedido da defesa do ex-presidente, antes de Gilmar pedir vista do processo e suspender o julgamento, em 2018. Os ministros, porém, ainda podem mudar o voto.
ANULAÇÃO – Na segunda-feira, o relator da Lava-Jato, Edson Fachin, anulou todas as decisões tomadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba, a partir do recebimento da denúncia, em quatro processos contra Lula. E por consequência, declarou a “perda de objeto” de 14 processos que tramitam no STF questionando se o ex-juiz Sergio Moro foi parcial na condução das ações contra o ex-presidente.
Mesmo assim, Gilmar Mendes colocou na pauta de hoje o julgamento do recurso que questiona a parcialidade de Moro no caso do tríplex. Por quatro votos a um, a Segunda Turma decidiu retomar o julgamento. Somente Fachin foi contra.
Assista a sessão ao vivo:
FALA GILMAR – Em seu voto, Gilmar Mendes voltou a criticar a Lava-Jato do Paraná e do Rio de Janeiro. Segundo ele, trata-se do maior escândalo judicial da história brasileira. Gilmar defendeu mudanças na estrutura da Justiça Federal. Ele lembrou o processo que está no STF questionando a criação do juiz de garantias, que dividiria as atribuições concentradas atualmente em apenas um juiz. A medida foi aprovada pelo Congresso, mas suspensa pelo ministro Luiz Fux, do STF, que ainda não levou o caso para análise do plenário da Corte.
“De fato a Justiça Federal tem que ser toda reformulada. E por isso talvez a oportunidade de votarmos o juiz de garantias. Talvez seja a salvação da Justiça Federal, que está vivendo uma imensa crise a partir desse fenômeno de Curitiba” — disse Gilmar.
TODOS FALHARAM? – Gilmar ainda afirmou que houve falhas em conter abusos de Moro: “Infelizmente os órgãos de controle da magistratura nacional falharam em conter os primeiros arroubos de abusos do magistrado”.
O ministro também criticou algumas decisões de Moro em que, segundo ele, houve excesso. Citou, por exemplo, a ampliação do uso de prisões preventivas, que serviriam como uma antecipação da pena. Também criticou as prorrogações sucessivas de interceptações telefônicas e grampo em escritório de advocacia.
Segundo Gilmar, Moro tinha um projeto de poder. “A opção por provocar e não esperar ser provocado garantia que o juiz estava na dianteira de uma narrativa que culminaria na consagração de um verdadeiro projeto de poder que passava pela deslegitimação política do Partido dos Trabalhadores, e em especial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a fim de afastá-lo do jogo eleitoral” — afirmou Gilmar.
PARCIALIDADE – Gilmar criticou o Pacote Anticrime de Moro e também apontou uma combinação prévia entre o juiz e o MPF, responsável pela acusação, para mostrar que Moro foi parcial contra Lula.
“A absoluta contaminação da sentença proferida pelo magistrado resta cristalina quando examinado o histórico de cooperação espúria entre o juiz e o órgão da acusação. Em fevereiro de 2016, quando o reclamante ainda estava sendo investigado, o ex-juiz Sergio Moro chegou a indagar ao procurador Deltan Dallagnol se já havia uma denúncia sólida ou suficiente. O procurador responde apresentando um verdadeiro resumo das razões acusatórias do Ministério Público, de modo a antecipar a apreciação do magistrado” — afirmou Gilmar.
Em um trecho do voto, Mendes afirmou que a interceptação telefônica de escritório de advocacia era típica de regime autoritário. Ao fundo, ouviu-se a voz da ministra Cármen Lúcia concordando: “Gravíssimo!.
MUDAR O VOTO – Vale lembrar que a ministra já votou neste processo, a favor de Moro. Para ela, o ex-juiz não foi parcial na condução dos processos contra Lula. Como o julgamento ainda está em andamento, qualquer um dos ministros pode alterar sua posição.
Gilmar Mendes votou pela anulação do processo do triplex desde o início. Ele esclareceu que a investigação pode ser iniciada novamente “com julgador efetivamente imparcial”.
O ministro Nunes Marques foi favorável a continuar o julgamento. Ele destacou que a decisão de Fachin anulando as condenações de Lula e finalizando a análise da suspeição de Moro não é uma decisão definitiva. Também lembrou que a análise da suspeição é importante para guiar os trabalhos da Justiça Federal do DF, que ficará responsável pelos processos de Lula que estavam em Curitiba, caso o Plenário confirme a decisão de Fachin. Mas fez o pedido de vista, adiando o final do julgamento da suspeição de Moro.
“Se eventualmente não for declarada a suspeição, aquele novo juízo [a Justiça Federal do DF] poderá inclusive proceder a um aproveitamento de todas as provas colhidas. Se, de forma contrária, esta Turma decidir pela suspeição do ex-juiz Sergio Moro, o novo juízo já procederá em nova instrução, já sabedor que não poderá proceder no aproveitamento das provas. Eu não vejo óbice nenhum para que prossigamos no julgamento — disse Nunes Marques.
No início da sessão, o subprocurador-geral da República Juliano Carvalho, em nome do Ministério Público Federal (MPF), pediu a suspensão do julgamento, dando tempo para a Procuradoria-Geral da República analisar melhor a questão.
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Gilmar Mendes e Ricardo Leewandowski se comportaram como se fosse advogados de Lula e demonstraram verdadeiro ódio por Sérgio Moro. Dizem que a inveja mata, mas não é verdade, pois, se isso acontecesse, Mendes e Lewandowski já estariam na terra dos pés juntos, como se dizia antigamente. E o neoministro Nunes Marques fez o dever de casa direitinho, ao interromper o julgamento, até porque o presidente Jair Bolsonaro ainda não se decidiu a respeito da possibilidade de inocentar Lula e enfrentá-lo nas urnas. E como diz o general-ministro Pazuello, nesse governo quando um manda o outro obedece. (C.N.)