Publicado em 7 de março de 2021 por Tribuna da Internet
Marcelo Copelli
Estadão
Em meio à pandemia de Covid-19, após quase um ano, o Brasil ainda se assemelha a um barco à deriva, sem a menor perspectiva de seu tão esperado resgate. Autoridades discutem até que ponto medidas restritivas podem ou devem ser tomadas, trazendo no bojo dos debates a prioridade entre a sobrevivência do indivíduo ou da economia, sem obrigatoriamente apresentarem alternativas minimamente conciliatórias.
Ao longo dos últimos meses, nos quais inúmeras fragilidades foram expostas, norteadas pela agonia e pelo desespero, o País sofreu com o desgoverno federal e ainda testemunha o exercício diário de uma necropolítica efetivada a cada declaração presidencial, que em momentos de inúmeras demandas, envereda pela desconstrução de valores, pela contramão fatal rumo ao caos e pela perseverante ideologia calcada em suposições que ameaçam o futuro.
CONFRONTO – Enquanto verdadeiros líderes buscam promover a coesão entre os seus, buscando respostas e lutando pela manutenção da vida, estarrecida, a sociedade brasileira curvada ainda assiste atônita os clamores já quase roucos da Ciência diante das indispostas recomendações e dos maus exemplos do presidente da República, incitando aglomerações sob a mira perversa e debochada de sua roleta russa e da rasa justificativa de que as máquinas não podem parar.
No leme da nação, o comandante eleito ratifica que nunca assumiu, de fato, o seu papel, conduzindo e buscando unir diferenças rumo à instauração de um horizonte seguro. Pelo contrário, demonstra que é capaz de rir diante do possível naufrágio da embarcação.
NEGACIONISMO – O mandatário apostou no negacionismo, na falida e gasta receita sem eficácia e na agenda da desinformação para ludibriar os que ainda sobrevivem. E suas moedas de jogo foram vidas. De forma insensível, permanece ignorando o sofrimento de famílias e minimiza milhares de óbitos, cujos atestados certamente estampam a sua rubrica, o seu sarcasmo e as lágrimas das vítimas.
“Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, antes o tumulto crescia, tomando água, lavou as mãos diante da multidão, dizendo: Estou inocente do sangue deste justo”. Mas, contrariando o governador da província romana da Judeia, no Brasil nem lavar as mãos o atual e ainda gestor assim faria, pois isso seria corroborar com as medidas de proteção recomendadas em tempos de pandemia. Perde-se a vida, mas não a razão, segundo a sua torta concepção.
Resta saber como chegou-se à beira deste precipício e quantos ainda terão que pular. Triste a constatação de que, para muitos, nem mesmo a pandemia foi capaz de ressignificar valores.