Carlos Newton
Aos poucos, a verdade vai surgindo sobre o rompimento das barragens da empresa Vale S/A em Brumadinho, cujo enredo é muito pior do que se imaginava e envolve a proteção ambiental do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça. Abrangendo áreas dos municípios de Belo Horizonte, Nova Lima, Ibirité e Brumadinho, é o terceiro maior parque em área urbana do país, abrigando mananciais que são indispensáveis ao abastecimento de água a Belo Horizonte e a municípios vizinhos.
A criminosa tragédia não ocorreu por mera coincidência e tudo começou no dia 19 de novembro, quando o Conselho Consultivo do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça se reuniu para decidir sobre licenciamento para atividades de mineração nessa importantíssima reserva ambiental. E adivinhem qual foi o resultado?…
APROVAÇÃO – Por expressiva maioria, o Conselho Consultivo votou a favor da operação de três mineradoras nessas áreas protegidas por legislação ambiental, na região de Casa Branca/Brumadinho. Duas solicitações se referiam a jazidas na chamada “zona de amortecimento do Parque” – as minas “Córrego do Feijão”, da Vale, e “Jangada”, também da Vale, em associação com a MBR (Minerações Brasileiras Reunidas). E a terceira licença era em pleno Parque Rola Moça – a mina “Casa Branca”, da MGB (Mineração Geral do Brasil).
Além de pretender minerar numa área de proteção ambiental, o projeto da MGB prevê a abertura de uma estrada, em meio ao parque, a fim de escoar sua produção, vejam a que ponto de desfaçatez empresarial chegamos…
REAÇÃO DO MP – Como era de se esperar, o Ministério Público de Minas Gerais, por meio da 1ª Promotoria de Justiça de Brumadinho e da Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente das Bacias dos Rios das Velhas e Paraopeba, recomendou ao diretor-geral do Instituto Estadual de Florestas (IEF), no dia 17 de dezembro, que não concedesse ou expedisse – ou que anulasse, caso já tivesse concedido ou expedido – qualquer autorização para atividades minerárias ou de transporte de minério projetadas para ocorrer dentro dos limites do Parque Estadual do Rola Moça, citando especificamente a empresa Mineração Geral do Brasil S/A.
Segundo a Recomendação, assinada pelos promotores de Justiça William Garcia Pinto Coelho e Francisco Chaves Generoso, o Parque Estadual da Serra do Rola Moça “consolida Unidade de Conservação de Proteção Integral, onde são possíveis apenas ações relacionadas a pesquisas científicas e ao desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico, não sendo permitidas atividades minerárias ou quaisquer outras que comprometam a integridade dos atributos que justificam a sua proteção”.
VALE DESCUMPRIU – A empresa Vale já tinha se adiantado e apresentara pedido de licença para reabrir a mineração no córrego do Feijão e reaproveitar os rejeitos do minério. E a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, no dia 11 de dezembro, aprovou a licença por 8 votos a 1., mas com reservas – a Vale não poderia reativar a mineração antes de resolver as pendências existentes.
É inacreditável, mas rigorosamente verdadeiro. Na certeza da impunidade, o presidente da empresa, Fábio Schartzman mandou reativar a mina antes de cumprir as exigências, embora o representante do Ibama na Secretaria do Meio Ambiente tivesse advertido para o altíssimo risco de rompimento da barragem.
Portanto, Schartzman está mentindo ao afirmar que a mina estava desativada. Ao contrário, na verdade a atividade de mineração tinha sido reativada, com centenas de trabalhadores atuando no local, e foi justamente isso que causou o rompimento da barragem, cujos rejeitos estavam sendo revolvidos para reaproveitamento do minério.
UM CRIMINOSO – Não resta dúvida de que o executivo Fábio Schartzman é um criminoso vulgar e merece ser preso, conforme sugere a advogada Rosângela Moro, mulher do ministro da Justiça. Se a mina estava desativada desde 2015, o que explicaria a presença de centenas de trabalhadores da Vale, inclusive terceirizados, e eram tantos que 300 deles estão desaparecidos? Se a mina estava desativada, como alega Schartzman, como justificar no local a presença de uma médica especializada em Medicina do Trabalho, a doutora Marcelle Porto Cangussu, a primeira vítima a ser identificada?
O presidente da Vale está mentindo para não se tornar réu confesso, porque a licença para retomar a atividade da mina ainda não estava valendo. E se Shartzman continuar impune, é sinal de que nada mudou, este país continua o mesmo e as promessas anunciadas por Jair Bolsonaro eram apenas mais uma farsa. E nós não merecemos isso. Exigimos ter um governo decente, do qual nos orgulhemos. É um direito da cidadania.