"O advento de grandes eventos internacionais como a Rio + 20, aa Copa de Mundo de 2012 e os Jogos Olímpicos de 2014 pode nos colocar na alça de mira pela repercussão espetacular que um atentado poderia obter no contexto de tamanha concentração de mídia. Estamos preparados para preveni-lo?"
A reunião reservada da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional por mim solicitada para ouvir representantes da Polícia Federal e da Abin sobre aquelas duas reportagens da Veja informando da presença de redes terroristas internacionais no Brasil não contribuiu para que tivéssemos uma quadro muito claro do nível de ameaça com que devemos lidar, mas ajudou a entender, pelo menos, como os órgãos responsáveis pela nossa segurança encaram o problema.
A posição deles é que “não existe nenhuma rede ativa de terrorismo internacional no Brasil”, e logo se percebe a posição oficial do governo brasileiro de só considerar como terroristas as organizações assim reconhecidas pela ONU o que, segundo a Abin, reduz o leque para duas: Al Qaeda e Taleban. Em relação às outras citadas pela reportagem da Veja, o Hezbollah e o Hamas não são considerados organizações terroristas mas movimentos políticos de massas, inclusive com participação governamental.
Não penso que em termos analíticos isso esteja tão errado assim. São atores políticos importantes, controlam território, integram governos e sua ação, tanto militar quanto terrorista, circunscreve-se, a princípio, à região de seu conflito com Israel e outros inimigos eventuais (sunitas, Fatah). Porém, no caso do Hezbollah, existe a exceção a essa regra que foram os odiosos atentados de Buenos Aires ao Consulado de Israel e à associação judaica AMIA com 114 mortos. Os atentados ocorridos em 1992 e 1994 são atribuídos pela justiça argentina e pelo seu governo a uma ação conjunta da organização xiita libanesa com seus patrocinadores da Guarda Republicana do Irã e levaram à ruptura de relações diplomáticas da Argentina com aquele país. Curiosamente, a Abin, na audiência, afirmou ter dúvidas sobre a autoria daqueles atentados oriundas de “fontes de inteligência”. Seu responsável não quis elaborar mais sobre essa informação que considerei a mais inédita (e desconcertante) da audiência. Também admitiu que o governo sabe de atividades de financiamento ao movimento por parte de libaneses aqui radicados, mas não pensa que deva interferir.
Não discordo da visão cautelosa do governo brasileiro de tratar esses dois movimentos de forma prioritariamente política. No entanto, sobretudo no caso do partido libanês, penso que deva haver vigilância em função do precedente de Buenos Aires. Há uns dois anos, o Mossad matou em Damasco o segundo homem do Hezbollah e o movimento xiita jurou retaliar, o que até hoje não aconteceu. Na época, observadores especularam que, para afastar a possibilidade de uma nova guerra com Israel, a retaliação seria feita no exterior. O Brasil não é um palco provável para tanto e serve mais como base de retaguarda para atividades logísticas, não seria portanto lógico que isso viesse a ocorrer aqui. Mas nem sempre a lógica é sagrada, é extremamente fácil operar aqui e podem surgir os chamados alvos de oportunidade.
A PF e a Abin deixaram claro que , por orientação do governo, não consideram as Farc colombianas como organização terrorist,a embora exerçam atividades de vigilância e, eventualmente, de repressão sobre elas. A explicação é de que o Brasil deva manter uma possibilidade de diálogo com esse grupo, atualmente enfraquecido, para negociar eventuais libertações de reféns e estimulá-lo a se desmobilizar enquanto organização armada. Não vi o Brasil jogando uma papel muito ativo na questão dos reféns dos quais a maioria dos mais importantes foi libertada naquela espetacular ação do exército colombiano, e não vejo motivo para essa concescendência com uma antiga guerrilha em degenerescência que mantém relações com traficantes brasileiros como Fernandinho Beira Mar. Na reunião, chamei a atenção para o fenômeno narco-terrrorista no tráfico de drogas quando, por exemplo, queima ônibus ou coloca bombas. Trata-se de um terrorismo de natureza política, sim, na medida em que objetiva finalidades políticas: no caso retaliar ou inibir a ação do Estado, embora não tenha motivações ideológicas senão econômicas e de estilo de vida. Percebi uma certa dificuldade dos nossos responsáveis anti-terroristas a assimilar adequadamente esse fenômeno pós-moderno em franca expansão. O narcoterrorismo do tipo Pablo Escobar, nos anos 90, e o que atualmente ameaça o México, será nos próximos anos a modalidade mais sangrenta, e o fato de não ter inspiração ideológica nem aspirar a conquista do poder central é um aspecto menos relevante. Não incorporar isso à análise do fenômeno me parece um grave erro conceitual.
No caso dos grupos que o governo brasileiro reconhece oficialmente como terroristas, fundamentalmente os vinculados à Al Qaeda, a situação de momento também não é muito diferente: está claro que o Brasil lhes serve como retaguarda logística e eventual refúgio. O Brasil nunca foi mencionado como alvo nas múltiplas declarações de Bin Laden e seus associados que costumam cantar a bola dos países que lhes servirão de alvo. Isso aconteceu, por exemplo, com a Espanha, que por ter feito parte, historicamente, do califado (Al Andalus) e mandado tropas ao Iraque, virou alvo e isso foi previamente comunicado pelo próprio Bin Laden em uma de suas fitas. De qualquer maneira, o advento de grandes eventos internacionais como a Rio + 20, com a presença de chefes de estado, da Copa de Mundo de 2012 e dos Jogos Olímpicos de 2014 pode nos colocar na alça de mira pela repercussão espetacular que um atentado poderia obter no contexto de tamanha concentração de mídia.
Estamos preparados para preveni-lo? Penso que cabem dúvidas. Os representantes da PF e da Abin reclamaram, me parece justificadamente, da falta de um marco legal e das dificuldades que têm no atual arcabouço jurídico para tipificar atividades preparatórias para o terrrismo e a própria figura de pertencimento a grupo, para grampear telefones e outras telecomunicações, para infiltrar agentes, para rastrear contas e cartões de crédito e também problemas de orçamento e de contingenciamento. São preocupações pertinentes. Cabe uma lei anti-terrorista que contemple essas preocupações. No caso das escutas e quebras de sigilo bancário e modalidades mais agressivas de monitoramente preventivo, penso que seja apropriado criar uma equipe especial de juizes que possa conceder essas autorizações de forma expedita e criteriosa, evitando a prática atual de ter que recorrer a juizes de plantão, em caso de urgência.
Há trabalho a ser feito, inclusive no Congresso Nacional, para melhorar a qualidade de nossa prevenção com vistas aos grandes eventos que deverão realizar-se nos próximos anos no Rio de Janeiro. Também é preciso aprofundar certas discussões e refinar certos conceitos no âmbito de nossa comunidade de inteligência para estarmos a altura dos novos desafios num contexto internacional e continental em constante mutação marcado pela imprevisibilidade e imponderabilidade.
* Deputado federal pelo Partido Verde (RJ), do qual é um dos fundadores, tem 60 anos, e foi secretário de Urbanismo e de Meio Ambiente da cidade do Rio de Janeiro e vereador. Jornalista e escritor, é autor de oito livros, dentre os quais Os carbonários (Premio Jabuti de 1981) e o recente Ecologia urbana de poder local. Foi um dos líderes do movimento estudantil secundarista, em 1968, e viveu no exílio durante oito anos.
Outros textos do colunista Alfredo Sirkis*