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quinta-feira, junho 23, 2011

Não vale o escrito

Sebastião Nery

14 de dezembro de 1968. O Brasil acordou com o AI-5 na cabeça e o ministro da Justiça Gama e Silva com a ressaca na boca. Iracema Silveira,mulher de Joel Silveira,telefonou cedo para Rubem Braga:

- Prenderam Joel. Cuide-se.

- Vou tomar uma providência.

E fugiu. Foi para a casa de Fernando Sabino. À tarde, ligou para a casa dele, em Ipanema, a empregada tinha notícias:

- Chegaram aqui dois homens de cabelinhos cortados, com um jipe lá embaixo, procurando o senhor.

***
ADONIAS

Fernando e Rubem telefonaram para o escritor Adonias Filho, amigo do general Sizeno Sarmento, rei da Vila Militar. Daí a pouco, Adonias, baiano solidário e eficiente, chamou:

- Falei com o Sizeno, ele disse para o Rubem ficar onde está e aguardar instruções.

Rubem ficou três dias onde estava: no uísque de Fernando. Adonias ligou de novo:

- Rubem, você vai ser ouvido, mas não vai ser preso. Será ouvido por um ex-colega seu da FEB, o coronel Andrada Serpa. Amanhã, 8 da manhã.

- Não pode ser às 10? 8 é muito cedo.

***
BRAGA

Rubem chegou ao quartel, o coronel Serpa o esperava:

- Dr. Rubem, bom-dia.

- Um momento, coronel. Se vai me tratar com cerimônia, me chame de embaixador e eu o chamo de coronel. Sem cerimônia, sou Rubem e você é Serpa, o Rubem e o Serpa da FEB lá na Itália.

Rubem depôs até às 9 da noite. As crônicas de Rubem estavam todas sobre a mesa do coronel, marcadas, grifadas em lápis vermelho forte. E o coronel investigando:

- O que é que você quis dizer com estas frases aqui, Rubem?

- Serpa, você conhece o “Constantino”, aquele jogo do bicho de Niterói? A pule diz assim: “Vale o escrito.” Minhas crônicas, Serpa, são como o “Constantino”. Valem o escrito.

E voltou para o uísque mineiro e generoso de Fernando Sabino.

***
DIRCEU E PALOCCI

Esse foi o problema do governo de Lula e é o do governo de Dilma : nunca vale o escrito. O PT não deixa. Para o PT, o escrito não vale nada. O ex- procurador-geral da Republica Fernando Souza acusou (e o Supremo Tribunal concordou, recebeu a denuncia e abriu o processo) que o Mensalão era “uma organização criminosa” e José Dirceu o “chefe da quadrilha”.

Lula defendeu Dirceu, dizendo que não houve mensalão, mas “só caixa dois, que todo mundo faz”. Não valia o escrito.

Palocci primeiro negou, depois foi obrigado a confessar que faturou R$ 20 milhões durante a campanha de Dilma, da qual era coordenador, e desses, R$ 10 milhões entre a vitória e a posse, quando era chefe da Comissão de Transição e já convidado para a Casa Civil.

Lula defendeu Palocci e foi ao palácio pressionar Dilma para não demiti-lo, porque “o que ele fez todo mundo faz”. Não valia o escrito.

É o catedrático da corrupção.

***
ALDO

O deputado Aldo Rebelo, do PCdoB, da base do governo, preparou, como relator, o projeto do Código Florestal. Na Câmara, o PT cruzou os braços e o PMDB votou contra, derrotando Dilma. Não valia o escrito.

O governo mandou para o Congresso estranha Medida Provisória modificando a Lei de Licitações, para manter sigilosas as contratações de obras da Copa e das Olimpíadas. Sarney aproveitou para vingar-se de Dilma, que nomeou presidente da Embratur seu adversário, o ex-deputado Flavio Dino, do PCdoB do Maranhão, vetado por ele. Sarney declarou que a MP não seria aprovada. O governo recuou. Não valia o escrito.

O governo também mandou para o Congresso projeto fixando tempo de sigilo para os documentos secretos do país. Os ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor discordaram por acharem que alguns precisavam ser resguardados indefinidamente. O Planalto recuou. Não valia o escrito.

***
SARNEY

Sarney gastou uma fortuna para a jornalista Regina Echeveria escrever e a editora portuguesa Leya publicar “Sarney, a Biografia”.

Terça-feira, no Globo, Ancelmo Gois o destruiu em duas frases:

- “Dos 50 municípios mais pobres do pais, 32 estão no Maranhão. Sai pesquisa entra pesquisa e uma coisa não muda no Brasil : o Maranhão de Sarney continua o mais pobre dos pobres”.

É um epitáfio.

Fonte: Tribuna da Imprensa

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