Carlos Chagas
Nada como buscar no passado episódios grotescos para justificar situações análogas no presente. Dividia-se radicalmente a população, na Espanha anterior ao golpe fascista do general Francisco Franco. As elites, os donos da terra, os militares e a própria Igreja organizavam-se para enfrentar a onda de reivindicações sociais que comunistas, socialistas, anarquistas e sindicalistas desencadeavam, muitas vezes com extrema violência. Foi quando surgiu, nos andares de cima, o diagnóstico fulminante para explicar a ebulição no porão: a culpa era do telefone, recém-implantado no país! A moderna tecnologia gerava a rebelião das massas, queixavam-se os privilegiados em seus convescotes, sermões e até órgãos de comunicação.
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Pois não é que entre nós a farsa se repete? Com o advento do telefone celular e sua utilização maciça pelas camadas menos favorecidas, aumentou o grau de consciência social do cidadão brasileiro. Ficou mais difícil enganar o povão com ilusões, mentiras, editoriais e falsa propaganda. O cidadão comum, em maioria pobre, carrega sua maquininha não apenas para buscar trabalho, biscates e oportunidades. Também aprendeu, com rara competência, a acionar sites e blogs que espalham notícias on-line, além de poder trocar opiniões variadas com o vizinho, o parente, o amigo e o companheiro de infortúnios. Recebe montanhas de informações e sente-se capaz de processá-las, acima e além dos pratos-feitos distribuídos pela mídia ortodoxa, pelos governantes e pela voz das elites. �
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Assim, está o trabalhador brasileiro consciente de que a realidade é bem diferente da ficção. Um salário-mínimo de 545 reais atropela qualquer propaganda de sermos o país-maravilha, sem desemprego, alçado ao patamar das grandes potências. “Não é nada disso”, ouvirão cruzar os ares, aos montes, os tecnocratas hoje empenhados em estabelecer a censura nos celulares. Se conseguirem, é claro. Quanto aos artífices da ilusão, depois que ela for desfeita só lhes restará repetir os espanhóis daqueles tempos: a culpa foi do telefone (celular)…
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UMA DISTÂNCIA IMENSA
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Elogios para a presidente Dilma Rouseff por dar prioridade às despesas com a recuperação da serra fluminense, inclusive adiando por um ano a aquisição dos 36 aviões de caça no mercado internacional. Claro que a Força Aérea necessita reequipar-se, mesmo sem nenhuma perspectiva de guerra com outras nações. Será preciso visualizar a compra dos aviões pelo ângulo das proporções. Um só porta-aviões dos Estados Unidos carrega 90 caças até mais sofisticados do que os 36 agora protelados. E aquele país dispõe de pelo menos onze navios-aeródromos, sem contar as dezenas de bases espalhadas em seu território e pelo mundo afora, com aeronaves ainda mais avançadas.
A distância é imensa, em termos bélicos. Mas socialmente, poderemos até estar na frente, se as vítimas e os efeitos da recente catástrofe forem melhor e mais rapidamente atendidos do que os infelizes habitantes de Nova Orleáns, ainda hoje de chapéu na mão. �
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A OUTRA INUNDAÇÃO
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A principal obrigação do jornalista é divulgar notícias, tanto faz se boas ou más. A tragédia da serra fluminense ocupou e mais ocupará, por muito tempo, as telinhas, os microfones e as páginas de jornais e revistas, sem falar nos sites e blogs e parafernálias on-line. É triste relatar desgraças como a que se abateu sobre o Rio de Janeiro, mas trata-se de nossa atividade.
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Feito o preâmbulo, vai o principal: estamos exagerando. Tanto na quantidade de notícias quanto no conteúdo. Nos dois casos registra-se uma inundação de informações muitas vezes repetitivas e, acima de tudo, sem respeitar o sofrimento alheio. É comum assistirmos repórteres entrevistando sobreviventes da catástrofe onde perderam filhos, pais e irmãos indagando qual o seu maior sofrimento, ou de quem sentirão mais falta. Convenhamos, jornalismo é notícia, antes de ser emoção e disputa por audiência.�
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EXAGEROS�
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Patriotismo é uma coisa, patriotada, outra bem diferente. O filme sobre a vida do Lula não conseguiu ser incluído na lista de películas estrangeiras que disputarão o Oscar, por uma razão muito simples: sua qualidade discutível, tanto no enredo quanto na técnica.
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Pois não é que um grupo de aloprados atribui a desclassificação ao fato de o governo Lula haver-se aproximado do Irã, rejeitando as exigências dos Estados Unidos?
Fonte: Tribuna da Imprensa