Carlos Chagas
Só falta mesmo o ex-presidente Fernando Henrique acusar o presidente Lula pelo apagão registrado na metade do país na noite de terça-feira e na madrugada da quarta. Esses acidentes, quando raros, fazem parte do inusitado da vida. Nos tempos do sociólogo, deveu-se à falta de chuva nas cabeceiras dos rios, provocando queda no volume dos reservatórios. Não se acusará o governo da época de imprevidência, incapacidade ou sucedâneo, apesar do sacrifício a que toda a população foi exposta, obrigada ao racionamento.
Agora, a falta de energia deveu-se à queda de uma torre de transmissão na saída de Itaipu. Teria sido o Lula culpado pela tempestade que derrubou a torre e gerou o efeito dominó no abastecimento dos estados do Sudeste e Centro-Oeste?
Assistimos hoje a um debate inócuo, insosso e inodoro, entre personagens do governo atual e do passado, com destaque para as principais figuras de um e de outro. Parece o bate-boca entre dona Mariquinhas e dona Maricota, na calçada do subúrbio de uma cidade qualquer. Coisa ridícula ficar comparando quem foi melhor e quem foi pior. Faz tempo que essa tertúlia caipira vem se registrando, mas avolumou-se com a recente intervenção de Fernando Henrique, em artigo de jornal. O presidente Lula pegou o peão na unha e delegou a Dilma Rousseff agilizar as farpas. Ela acaba de declarar que não desejava o confronto, mas agora “tudo o que quer é comparar, pois a atual administração dá de 400 a zero na anterior”. Pegou gosto, como acrescentou. O apagão desta semana é apenas um capítulo a mais nessa novela de pouca audiência.
Premonição?
Desde tempos imemoriais que se discute o dom da premonição entre bissextos personagens da História, de Nostradamus às ciganas leitoras de mão. Acredita quem quer, duvida quem pode.
Pois não é que o Banco do Brasil antecipou-se ao recente apagão da noite de terça-feira? Porque naquele dia, desde o meio-dia, mais de quatrocentas agências do BB saíram do ar, em todo o país. Apagaram, causando enorme transtorno aos clientes, impossibilitados de movimentar suas contas. Teria sido um aviso? A torre de transmissão de Itaipu ainda não tinha caído, os rotineiros temporais da época só chegaram no final da tarde, mas o nosso principal estabelecimento de crédito saiu na frente. Existirão culpados?
“Eu não disse?”
Coube ao competente Merval Pereira, ontem, em sua coluna diária, sinalizar aquilo que a imensa maioria da imprensa, dos partidos políticos, das associações de classe e dos sindicatos preferiram ignorar. O comentarista registrou diálogo entre o presidente Lula e o vice-presidente José Alencar, numa solenidade em São Paulo, aliás, mais um monólogo, porque apenas o chefe do governo falou. Seu substituto ouviu e no máximo passou a mão no rosto, não se sabe se para espantar uma mosca ou espantado mesmo. O problema é todo mundo também ouviu, com os microfones ligados.
Disse o Lula que a permanência dos dois, no poder, poderia ser maior, se eles quisessem. Só que “o pessoal não quer”, acrescentou o presidente, frisando que os dois agüentariam a batalha por mais cinco anos, ainda que “se encontrem quietinhos esperando que o jogo seja jogado”.
Faz mais de dois anos que vimos alertando para a possibilidade de um terceiro mandato. Jamais a probabilidade, porque as instituições democráticas, afinal, continuam prevalecendo. Do que sempre falamos foi da hipótese de o presidente Lula não conseguir emplacar uma candidatura capaz de vencer as eleições de 2010. Nesse caso, os companheiros entregariam o governo aos tucanos, dada a prevalência até hoje registrada nas pesquisas, de José Serra? Abririam mão de mais de 36 mil cargos federais comissionados, centenas de diretorias de empresas estatais, milhares de ONGs que apesar de não governamentais, são sustentadas pelos cofres públicos? Sem falar, é claro, nas divergências ideológicas entre os modelos neoliberal e estatizante hoje em discussão.
Parece pesadelo a mudança nas regras do jogo depois dele começado, mas essa moda é antiga. Que o diga Fernando Henrique Cardoso, eleito para quatro anos mas que ficou oito, impondo a reeleição ao Congresso.
Mil vezes o presidente Lula negou sua permanência no palácio do Planalto além dos dois mandatos, mas algumas vezes engrenou a marcha-a-ré, como agora. Permanece no ar, mesmo como brisa leve, a tempestade capaz de gerar imenso apagão democrático. Porque se depender da população, ninguém se iluda: mais de 80% dos brasileiros apoiarão o terceiro mandato, a prorrogação ou equivalente…
Quebrando preconceitos
Bem fez a direção da Uniban ao rever a expulsão da universitária Geizi Arruda por haver freqüentado aulas usando mini-saia, ainda que um tanto curta. O que não deu para aceitar foi a reação medieval de alguns alunos, que investiram sobre a moça como se estivesse contrariando antigos preceitos e costumes da discutível moral pública. Ainda bem que tudo se resolveu pela lógica.
A esse respeito, registre-se episódio igual ou mais explosivo, verificado no final dos anos setenta. No Congresso, as mulheres eram proibidas de usar calças compridas. Só vestidos, para transitar pelos corredores, gabinetes e plenários.
Uma jornalista, Leda Flora, decidiu reagir. Compareceu para a cobertura normal dos trabalhos usando um terninho, aliás de griffe, e foi barrada na portaria. Não teve dúvida: foi ao toillete, livrou-se da parte de baixo da roupa e apresentou-se com a parte de cima, por sinal de razoável comprimento, mas deixando expostas suas pernas bem torneadas. Era um vestido, para todos os efeitos. Resultado: caíram naquela tarde as muralhas do preconceito, as calças compridas são hoje uniformes para a imensa maioria das senhoras e senhoritas que trabalham no Legislativo. Até senadoras e deputadas…
Fonte: Tribuna da Imprensa
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