Josué Maranhão
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BOSTON – Alguém ainda tem alguma dúvida quanto ao destino da tão badalada “lei seca”? Da mesma forma como alguns dizem que as pessoas, quando nascem, já têm o destino traçado, todo o roteiro de sua existência desenhado e escrito, a nova lei que tenta coibir a prática, comum no Brasil, de motoristas embriagados dirigirem impunemente, matando e provocando danos, tem já perfeitamente delineada a sua trajetória. É mais uma lei que não vai pegar!E não pega, exatamente, por conta do seu defeito de fabricação. O legislador, sem dúvida, tentou, de boa fé, admito, criar regras que pudessem coibir os abusos cometidos pelos motoristas que ingerem bebidas alcoólicas e, sem problemas, assumem a direção de um veículo e saem por aí matando inocentes, deixando outros tetraplégicos e causando danos. É bastante lembrar o caso amplamente divulgado na televisão brasileira, no último final de semana, em que aparece, no início da reportagem, a carcaça retorcida de um automóvel e, bem próximo, o caminhão velho atravessado na pista. Adiante, a câmara enfoca, no xadrez, o motorista que dirigia o caminhão que literalmente passou por cima do automóvel e deixou uma família inteira morta. Visivelmente embriagado, dizia que reconhece que errou. Vai adiante, confessando: - “Tomei somente duas talagadas de cachaça!”. O acontecimento não é incomum, é corriqueiro. Fatos idênticos ocorrem diariamente brasis afora, não se sabendo o número exato de vítimas de acidentes provocados por motoristas embriagados. Sabe-se, com certeza, que a grande maioria dos acidentes, notadamente nas estradas, são decorrentes da ação de motoristas embriagados.Pergunta-se, então: por que a lei não vai pegar? “Elementar, meu caro Watson!”, diria o sempre presente Sherlock Holmes. A lei procurou impor um rigor excessivo. E, conforme a 3ª. Lei de Newton diz, "À toda ação corresponde uma reação de mesma intensidade, mesma direção e em sentido contrário"...Ora, levando-se em conta a cultura do brasileiro, é ilusão imaginar que seria eficaz uma lei, chamada de “tolerância zero”, que pune o motorista flagrado dirigindo veículo depois de ingerir qualquer quantidade de álcool, ou uma quantidade ínfima, admitidos somente 0,2 decigramas de álcool por litro de sangue.Mesmo para os padrões dos países mais rigorosos a respeito de beber e dirigir, como os países nórdicos, é de se convir que a lei brasileira é um padrão de rigor. Entende-se a intenção: certamente o propósito foi amedrontar, causar temor. Faltou-lhe, no entanto, o respaldo, o espeque que lhe desse sustentação diante de todo o arcabouço jurídico do país É bom esclarecer que eu não sou contrário à finalidade da lei. Mas reconheço que ainda vai demorar muito até se chegar lá. Sem ir mais fundo, surgem exemplos que revelam a impossibilidade de ser aplicada rigidamente a lei. Veja-se o exemplo que li: se ocorrer uma recepção em um tribunal, admitindo-se fosse o STF, e se for servido um coquetel e a maioria ingerir duas taças de vinho e depois sair dirigindo os seus automóveis, o que ocorreria? A rigor, conforme a lei, se a polícia estiver a postos na saída do estacionamento, não haverá xadrez suficiente para tantos presos. Há, por exemplo, a observação de uma autoridade policial paulista, o delegado diretor da Academia de Polícia que, em reunião em que deveriam ser traçadas regras uniformes de ação das polícias civil e militar, na aplicação da lei, abordou o tema , dizendo, em síntese, que: “o problema da lei é que o motorista não tem a obrigação de fazer o teste do bafômetro, nem o exame de sangue ou o teste clínico que pode determinar se ele consumiu álcool. O direito de não produzir provas contra si mesmo é assegurado pela Constituição Federal”. O imbróglio começa aí. Há mais, no entanto. O jurista Luiz Flávio Gomes, que honra Última Instância com a sua coluna semanal aí ao lado, nesta semana sob o título “Embriaguez ao volante: exigência de perigo concreto indeterminado”, que merece ser lido por todos que se interessem pelo tema, levanta importantes pontos, quanto ao aspecto estritamente jurídico, a respeito da lei, dizendo, por exemplo: “O artigo 306, também em sua primeira parte, destarte, não é um delito de perigo abstrato. Exige mais que uma condição (o estar bêbado), mais que isso, a comprovação de uma direção anormal (zig-zag, v.g.), que espelha o chamado perigo concreto indeterminado”. Inúmeros outros aspectos jurídicos são enfocados, mostrando a vulnerabilidade da lei, se e quando for questionada nos tribunais.Também em Última Instância’, em artigo subscrito por Daniani Ribeiro Pinto, consta: “Na prática, a eficácia da nova lei, fica parcialmente comprometida, na medida em que o motorista alcoolizado que se negar a fazer os testes de aferição de teor alcoólico poderá sofrer, de imediato, as sanções administrativas, mas em hipótese alguma, poderá ser preso”Mais uma vez o congressista, na ânsia de aparecer, apresenta projeto-de-lei de aplicabilidade inviável, o presidente da República sanciona o que o Congresso aprovou e, no final, o que se observa é que nasceu mais uma lei demagógica. O efeito negativo, sem dúvida, é marcante, uma vez que o povo, à primeira vista, acredita que a lei vai resolver um imenso problema e, na prática, comprova-se a sua inviabilidade.O que é mais grave: legislativo e executivo não deixam de apregoar que colocaram em vigor uma lei rigorosa e aparecem bem na foto. Mas,quanto ao poder judiciário, como sempre, vão dizer que anulou os seus efeitos, sem explicar que a lei nasceu morta. Sobrevêm a frustração, a revolta e o descrédito nos juízes e tribunais, forçados a determinar a compulsória invalidade dos dispositivos legais inaplicáveis.
Fonte: Última Instância
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