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domingo, outubro 31, 2021

Justiça de ocasião

 




TSE decidiu que Bolsonaro terá seu registro cassado e pode ser preso por disparo de mensagens em massa durante a campanha de 2022. Hoje, segue sendo presidente do Brasil

Por Ascânio Seleme (foto)

Três anos depois de receber a denúncia, o Tribunal Superior Eleitoral arquivou o pedido de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão por abuso de poder econômico no disparo de mensagens em massa. Todos os ministros concordaram que houve abuso, alguns foram mais enfáticos do que outros, mas cada um deles confirmou que viu, sim, indícios de crime eleitoral no episódio. Nenhum, contudo, condenou a chapa. Alegaram que não foram apresentadas provas de que houve benefício eleitoral para a dupla vencedora com os disparos em massa. Não precisa ser especialista para saber do poder e da eficiência das redes sociais em campanhas eleitorais. Desde a primeira eleição de Barack Obama, em 2008, é assim. No Brasil de 2018, foi escandaloso. Você sabe, eu sei, os ministros do TSE também sabem.

Alexandre de Moraes disse em seu voto que “a justiça é cega, mas não é tola”. O julgamento dos disparos em massa pelo TSE teve um inegável mérito, o de estabelecer parâmetros para a conduta eleitoral nas redes sociais daqui em diante. Por outro lado, significa que o que não foi crime hoje será crime amanhã. Se não há provas hoje para punir, elas serão desnecessárias em 2022. Pela tese aprovada pelos ministros, os simples disparos em massa com desinformação serão considerados abuso de poder. O tribunal decidiu que o abuso cometido hoje só será punido se for cometido de novo a partir das próximas eleições. Aparentemente, o TSE julgou olhando para o cenário político.

O país está calmo, o presidente obsceno está quieto e parou de ameaçar as instituições, por que então o TSE geraria turbulência no cenário pacificado, mesmo que artificialmente? Para aplicar a lei, talvez fosse a resposta mais apropriada. Outra pergunta, como seria este mesmo julgamento se Bolsonaro tivesse continuado em sua sanha golpista que quase explodiu no Sete de Setembro? Se o país estivesse contaminado pelo ódio bolsonarista e anti-institucional que se viu com a ameaça de invasão do Supremo, os senhores juízes votariam da mesma forma? Eu acho que não. Minha impressão é que, neste caso, teriam cassado a chapa e posto fim ao mandato e aos direitos políticos de Bolsonaro por oito anos.

Outra questão a ser considerada, se a Justiça for mesmo igual para todos, como reza a Constituição, é a cassação do deputado estadual Fernando Francischini. Seu crime foi muito menor e com impacto absolutamente insignificante diante do que representaram os disparos em massa mentirosos que desvirtuaram a eleição presidencial. No máximo, a mentira de Francischini elegeu Francischini. O crime da chapa de Bolsonaro pode ter mudado a História do país. Isso aqui não significa defesa de Francischini, obviamente não. Trata-se de um criminoso que deveria ser condenado e finalmente uma fake news está sendo punida com o rigor da lei. O fato é que a mesma lei deveria ter sido aplicada a Bolsonaro. É simples.

Há também a questão que o ministro Alexandre de Moraes chamou de “lapso temporal”. Trata-se do impacto sobre o resultado no julgamento da conhecida lentidão da Justiça. Faltando um ano para a eleição de 2022, cassar uma chapa e os direitos políticos de um dos candidatos representaria riscos institucionais. Pode ser. Mas, de outro modo, imaginem o prejuízo causado à Nação se o TSE tivesse encontrado provas do crime e os ministros fossem obrigados a cassar a chapa. A decisão seria correta, a justiça seria feita, mas não apagaria os quase três anos de mandato e as dezenas de crimes cometidos por Bolsonaro neste período. Nem ressuscitaria os milhares de mortos por Covid que acreditaram no charlatão. Como se vê, a morosidade da Justiça pode matar.

Finalmente, tem que se levar em conta os que entendem que o tribunal mandou um recado para os partidos e especialmente para o Gabinete do Ódio de Bolsonaro. Ao estabelecer regras para os próximos pleitos, o TSE fez o balizamento que limita o uso indevido das redes sociais por campanhas eleitorais. Foi mais do que um recado, foi uma medida que terá repercussões no futuro. A novidade impede o uso de uma das principais ferramentas do bolsonarismo e vai representar um grande prejuízo para a sua campanha em 2022. Pelo mesmo crime, no ano que vem, Bolsonaro terá seu registro cassado e pode ser preso. Hoje, segue sendo presidente do Brasil.

Espertalhão 1

Uma rápida pesquisada no perfil de Maurício Souza nas redes sociais e um único “Google” nas suas atividades bastam para saber que dali não podia se esperar muita coisa mesmo. Bolsonarista desavergonhado, acabou de chegar da Olimpíada de Tóquio (onde foi o pior jogador na derrota para a Argentina pelo bronze) e correu para o Palácio do Planalto para um beija-mão solitário. A reação homofóbica ao desenho super-homem bissexual não tinha sido sua primeira manifestação neste sentido. Foi a primeira notada. Ao ser obrigado a se desculpar, teve a simpatia do presidente, que pensa como ele. “Agora tudo é feminismo, tudo é homofobia”, disse sua excelência, o obtuso. Maurício acabou demitido por ser também espertalhão. Primeiro, pediu desculpas em perfil recém-criado, com pouco mais de 50 seguidores, depois, pediu perdão dizendo que apenas exercia sua liberdade de expressão. Com a demissão consumada, rasgou a fantasia e atacou Douglas, seu ex-colega de seleção assumidamente gay. Não passa de um ignorante que mereceu o destino que teve.

Exxon x Musk

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que em 30 anos a Petrobras não vai valer mais nada. Pode ser, já que o mundo corre por energia limpa e renovável como forma de garantir o seu próprio futuro. O G1 publicou esta semana que Elon Musk (US$ 289 bilhões), dono da Tesla, empresa de carros elétricos, vale mais do que a Exxon (US$ 272 bilhões), a maior petrolífera do mundo. Pena que, para o governo brasileiro, energia limpa, proteção ao meio ambiente, combate à queimadas e essas coisas todas sejam “mi-mi-mi de esquerdistas que não querem o desenvolvimento do país”. Tanto que mesmo estando na Europa, Bolsonaro não vai participar da reunião de líderes na COP- 26, em Glasgow, na Escócia. O ecocida preferiu fazer turismo na Itália.

Astronauta burro

Até Paulo Guedes, que não é esse gênio todo, muito pelo contrário, reconhece que não basta ser militar para ser eficiente ou inteligente. Guedes chamou de burro o tenente-coronel Marcos Pontes, o astronauta brasileiro que virou ministro da Ciência e Tecnologia de Bolsonaro. Pontes não conseguiu gastar dois terços do seu orçamento, e não por austeridade, mas por absoluta incompetência. Faltaram ideias, projetos, visões. Ou foi burrice mesmo, Guedes tem razão.

O escafandrista

Outra do Paulo Guedes foi o agradecimento choroso a Bolsonaro quando ganhou sobrevida na cadeira em que está agarrado. Encantado, disse que estava morrendo afogado quando o chefe apareceu para lhe dar a mão. Melhor usar um escafandro, ministro, vai haver ainda pela frente muita água profunda, escura e turbulenta para atravessar.

Espertalhão 2

Sabe o que significa a investigação preliminar determinada pelo procurador Augusto Aras sobre as denúncias da CPI da Covid? Nada. Significa nada. Apuração de crime só conta quando uma denúncia é oferecida pelo Ministério Público à Justiça. O que Aras fez foi ganhar tempo e posar de independente. E o tempo que ele ganhou é indeterminado, o mesmo prazo que deu para que as investigações preliminares sejam conduzidas. Cabe ao Observatório da Pandemia, criado pelo G7 da CPI, colocar fogo em Aras. Se deixar sem pressão, em um ou dois meses ele arquivará o documento de 1.288 páginas dizendo que não encontrou elementos para oferecimento da denúncia ou abertura de inquérito. Pensando melhor, acho que nem com pressão a coisa vai andar.

A turma do Lira

Arthur Lira não tem a menor vergonha em sempre se posicionar do lado errado. O ataque à CPI da Covid por ter pedido o indiciamento de deputados é o exemplo mais recente. Papa do fisiologismo, o presidente da Câmara golpeou a mais importante Comissão Parlamentar de Inquérito desde a do PC Farias alegando que ela não tem poder para indiciar parlamentar. Bobagem. Lira abriu a boca para defender os seus: Ricardo Barros (que responde na Justiça por chantagem, desvio de dinheiro público, fraudes em licitações e defesa de nepotismo, foi indiciado por seu envolvimento no esquema Covaxin-Precisa, incitação ao crime, advocacia administrativa, formação de organização criminosa e improbidade administrativa), Bia Kicis (acusada por racismo, divulgação de fake news, indiciada por incitação ao crime), Carla Zambelli (condenada por fake news, denunciada por falta de decoro, acusada de ter mentido ao afirmar ter se curado de Covid com hidroxicloroquina sem nunca ter sido acometida pela doença, indiciada por incitação ao crime ), Carlos Jordy (denunciado por campanha de difamação contra youtuber, ameaça a jornalista e fake news, indiciado por incitação ao crime), Osmar Terra (réu por improbidade administrativa, foi indiciado por incitação ao crime e por epidemia com resultado morte) e Eduardo Bolsonaro (denunciado por ameaça de agressão física a jornalista, ataques virtuais a desafetos, defesa do fechamento do STF e apoio à volta do AI-5, foi indiciado pela CPI por incitação ao crime charlatanismo). Esta é a turma que Lira defende.

E aí, Kajuru?

Na semana passada, o senador Jorge Kajuru denunciou o líder do governo no Senado, Eduardo Gomes, por ter lhe oferecido R$ 100 milhões em emendas se ele parasse de bater no governo. Quer dizer, em outras palavras, um enviado do presidente da República queria usar dinheiro público para comprar um parlamentar. Isso pode? Vai ficar por isso mesmo, Kajuru?

Dois sábados

Deixo os caros leitores em sossego pelos próximos dois sábados. Nos vemos de novo no dia 20 de novembro.

O Globo

Esquerda universitária

 



Campo político revela-se incapaz de decifrar suas derrotas

Por Demétrio Magnoli (foto)

A Câmara de Nova York removeu de suas instalações a estátua de Thomas Jefferson, sob a acusação de que o autor principal da Declaração de Independência era proprietário de escravos –como, aliás, 5 dos 7 "pais fundadores". O banimento derivou da pressão do grupo de legisladores negros e latinos, que pertencem ao Partido Democrata. O degredo de Jefferson explica a força política de Trump.

A revista The Economist (27.out) publicou um gráfico construído por Gethin et al. que sintetiza a mudança nos padrões de voto segundo o nível educacional dos eleitores entre 1950 e 2010.

Em 5 das 6 democracias analisadas (EUA, Reino Unido, Alemanha, França e Nova Zelândia), verifica-se uma tendência histórica implacável: o deslocamento para a esquerda dos mais escolarizados e um deslocamento simétrico dos menos escolarizados. O Canadá figura como exceção parcial à regra, mas apenas porque sua esquerda sempre teve sólidas bases na classe média urbana.

No passado, entre as décadas de 1950 e 1970, os partidos de esquerda e centro-esquerda controlavam majoritariamente o voto da população de menor nível educacional –ou seja, da classe trabalhadora.

Por outro lado, os partidos de centro-direita e direita venciam largamente entre as camadas de maior escolaridade –ou seja, na classe média e na elite. O padrão inverteu-se na década de 1990 e continua a infletir em curva acentuada: o diploma universitário tornou-se o maior indicador estatístico do voto à esquerda.

Marx revira-se, inquieto, no seu túmulo. Atualmente, os partidos à esquerda representam as classes médias urbanas, educadas e cosmopolitas, enquanto os partidos à direita assentam-se nos trabalhadores, na baixa classe média e nas pequenas cidades. O fenômeno ocorre, um pouco atenuado, até no Reino Unido, onde o Partido Trabalhista espelha as organizações sindicais.

Suspeito que a raiz da reversão encontre-se na resposta formulada pela esquerda à queda do Muro de Berlim. Confrontados com o avanço das políticas econômicas liberais, os partidos à esquerda fugiram do campo de batalha central, entrincheirando-se às suas margens, nas agendas identitárias e de valores.

Nos EUA, os democratas redefiniram-se como partido das minorias e adotaram as pautas identitárias oriundas do meio universitário. Na Europa, os social-democratas e seus concorrentes mais à esquerda concentraram-se em temas como os direitos das mulheres, da comunidade LGBT e dos imigrantes. As correntes populistas de direita aproveitaram a oportunidade histórica, apostando nos ressentimentos dos "órfãos da globalização".

A esquerda enxerga a política através das lentes de seus novos dogmas –e, nesse passo, revela-se incapaz de decifrar suas derrotas.

Trump não venceu por entoar o hino "God, guns, gays", mas por iludir os brancos sem diploma universitário com a canção de ninar do nacionalismo econômico.

A direita nacionalista europeia não se nutre de um suposto ódio atávico aos estrangeiros, mas da falsa conexão entre imigração e desemprego. "É a economia, estúpido!": o populismo de direita ocupou cidadelas desertas, abandonadas por uma esquerda que decidiu fechar-se num gueto, dialogando exclusivamente no interior de bolhas culturais.

O Brasil não se encaixa no gráfico dos deslocamentos eleitorais. O PT resistiu às intempéries porque –ao contrário do PSOL– só adotou as pautas identitárias como adereços secundários, usados em dias festivos.

Sob o timão de Lula, persistiu no discurso do Estado-Protetor, agarrando-se aos estandartes do populismo econômico. O lulopetismo nunca confessará, mas sabe que a derrota de 2018 derivou da recessão provocada pelo governo Dilma, não da "guerra cultural" primitiva deflagrada pelo olavo-bolsonarismo.

Os democratas exilaram a estátua de Jefferson. O PT ajoelha-se diante da estátua de Vargas.

Folha de São Paulo 

Bolsonaro destaca vacinação e “apoio popular muito grande” ao vender seu Governo no G20




Bolsonaro tira a máscara para posar ao lado de Mario Draghi na chegada à cúpula do G20, em Roma, neste sábado.

Enquanto segue semeando dúvidas sobre os imunizantes contra a covid-19 no Brasil, presidente celebra número de vacinados no país, diz que a Petrobras é “problema” e critica mercado “nervosinho”

Por Rodolfo Borges, Andrea RizziCarlos E. Cué e Daniel Verdú

São Paulo / Roma - Roma conheceu neste sábado ao menos dois Bolsonaros. Em sua versão oficial, o presidente brasileiro exaltou, durante discurso na cúpula do G20, a campanha de vacinação contra a covid-19 e disse que seu Governo está comprometido “com uma agenda de reformas estruturantes”. Nos bastidores do encontro e em entrevista a jornalistas, Jair Bolsonaro disse que a economia nacional está ”voltando bem forte”, que “a Petrobras é um problema” e que tem “um apoio popular muito grande”, além de criticar o mercado “nervosinho”, que estaria jogando contra o país. Mas muito pouco do que o presidente projetou sobre seu Governo na capital italiana se sustenta na realidade.

No discurso, Bolsonaro disse que ”o Brasil se comprometeu com um programa extensivo e eficiente de vacinação, em paralelo a uma agenda de auxílio emergencial e preservação do emprego para a proteção dos mais vulneráveis”. Não mencionou, contudo, a demora para o início da campanha nacional de vacinação ou o fato de que ele próprio não se vacinou e que segue semeando dúvidas sobre os imunizantes contra o coronavírus, algo que levou Facebook e YouTube a retirar do ar o vídeo de uma de suas lives. Os detalhes sobre os tortuosos caminhos do auxílio emergencial, cuja continuidade ameaça romper o teto de gastos, também não ajudariam o presidente a vender seu Governo no exterior, assim como as dificuldades para avançar no Congresso Nacional com qualquer das reformas estruturantes com as quais sua gestão se diz comprometida.

Um Bolsonaro bem mais próximo do real se revelou diante do presidente turco Recep Tayyip Erdogan. Em breve conversa informal, intermediada por tradutores e flagrada pelo colunista do EL PAÍS Jamil Chade, o brasileiro disse que a economia nacional está “voltando bem forte” —na verdade, começam a surgir projeções de recessão para 2022—, que a “Petrobras é um problema”, porque o Governo estaria enfrentando uma reação muito grande por quebrar seus monopólios, e que ele mantém “um apoio popular muito grande” —a aprovação de seu Governo não ultrapassa os 30% em nenhuma pesquisa de opinião. “Temos uma boa equipe de ministros. Não aceitei indicação de ninguém. Foi eu que botei todo mundo. Prestigiei as Forças Armadas. Um terço dos ministros [é de] militares profissionais. Não é fácil. Fazer as coisas certas é mais difícil”, finaliza o brasileiro.

Mais tarde, ao voltar para a embaixada brasileira em Roma, onde está hospedado, Bolsonaro desabafou contra o mercado financeiro, que tem punido com oscilações os descaminhos de seu Governo. “O mercado tem de entender que, se o Brasil for mal, eles vão se dar mal também. Nós estamos no mesmo time. O mercado, toda vez nervosinho, atrapalha em tudo o Brasil”, criticou o presidente diante dos microfones da imprensa, defendendo que não influenciou negativamente a economia brasileira e repetindo o discurso de que sempre foi contra o “fique em casa” durante a pandemia de covid-19.

Questionado sobre as propostas do Brasil para a COP26, a conferência mundial sobre mudanças climáticas que começa na segunda-feira, Bolsonaro disse que o país vai apresentar “uma posição surpreendentemente otimista”. E aproveitou para alfinetar os europeus, dizendo que, ao sobrevoar o continente, dificilmente se vê mata ciliar. “O Brasil preserva dois terços aproximadamente daquilo que recebemos em 1500. O Brasil é um exemplo para o mundo. Há uma campanha difamatória muito grande em cima do Brasil”, disse, acrescentando que o progresso do agronegócio brasileiro “incomoda muita gente”, assim como o estímulo que seu Governo estaria dando para os indígenas produzirem.

Ao contrário da maioria de seus pares do G20, Bolsonaro não vai para a COP26, que acontece em Glasgow, na Escócia. Preferiu agendar uma visita à pequena cidade italiana de Anguillana Veneta, de onde seus bisavós emigraram e cuja Câmara de Vereadores lhe concedeu o título de cidadão honorário. Antes de deixar a Itália, o brasileiro ainda passa por Pistoia, onde visita o cemitério que abriga 500 pracinhas mortos durante a Segunda Guerra Mundial. Na sexta-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão defendeu a decisão de Bolsonaro de não comparecer à COP26: “É aquela história: sabe que o presidente Bolsonaro sofre uma série de críticas, então ele vai chegar em um lugar em que todo mundo vai jogar pedra nele”, disse Mourão, destacando que “está uma equipe robusta lá, com capacidade para, vamos dizer, levar adiante a estratégia de negociação.”

Imposto corporativo

Neste sábado, os líderes do G20 deram um novo impulso ao imposto corporativo mínimo global de 15%. Os mandatários das maiores economias do mundo expressaram na primeira sessão do encontro um “apoio amplo e transversal” ao acordo alcançado no âmbito da mediação da OCDE e que cerca de 140 países assinaram. A mensagem das grandes economias do G20, que representam mais de 80% do PIB mundial, tem o valor de dar vigor político a um processo que, após o pacto, enfrenta um percurso complexo de implementação. O objetivo é ativar a nova arquitetura tributária, que também prevê medidas para tributar as grandes empresas digitais, em 2023.

O novo impulso dado pelo G20 atesta o sucesso de um acordo em que a OCDE vinha trabalhando há mais de sete anos, em um projeto conhecido como Marco Inclusivo sobre BEPS (erosão da base tributária e transferência de lucros), de que mais de 130 países participam, para que as grandes multinacionais paguem impostos onde fazem negócios e não onde é mais barato para elas. O impulso dado pela última cúpula do G7, realizada no início de junho em Londres, foi decisivo para se chegar a um acordo mínimo, assim como a liderança da nova administração dos Estados Unidos do presidente Joe Biden e sua secretária do Tesouro, Janet Yellen. Também contribuiu o encontro entre os ministros da Economia no âmbito da presidência do G20, realizado em Veneza, em julho passado.

Sobre esse assunto, o Bolsonaro oficial disse, durante o discurso deste sábado, que “o histórico acordo concluído pelo G20 e por outros países sobre tributação internacional, no âmbito da OCDE, é também uma contribuição significativa para a sustentabilidade fiscal e econômica”.

El País

Bolsonaro vai se encontrar com líder da extrema direita italiana




Salvini ocupou o cargo de ministro do Interior da Itália entre 2018 e 2019. No período, bloqueou navios com refugiados e aprovou medidas contra migrantes

Conhecido por posições xenófobas, Matteo Salvini deve se reunir com presidente brasileiro em Pistoia, durante homenagem aos pracinhas que morreram lutando contra o nazifascismo na Segunda Guerra Mundial.

O líder do partido italiano de extrema direita Liga Norte, Matteo Salvini, se reunirá com o presidente Jair Bolsonaro na próxima terça-feira (30/10), na cidade de Pistoia, região central da Itália.

Os dois vão participar de uma cerimônia em frente ao monumento erguido em memória dos quase 500 pracinhas brasileiros que morreram na Segunda Guerra Mundial.

O presidente brasileiro viajou a Roma neste final de semana para participar da cúpula do G20, que reúne as principais economias do mundo, e na próxima segunda seguirá para o vilarejo de Anguillara Veneta, em Pádua, onde nasceu um de seus bisavôs, Vittorio Bolzonaro.

"Estou feliz e orgulhoso de prestar homenagem aos brasileiros mortos durante a Segunda Guerra Mundial, na terça-feira, juntamente com o presidente Bolsonaro: eles deram uma contribuição importante para a libertação da ocupação nazifascista", afirmou Salvini.

Em agosto, subsecretário de Economia da Itália filiado à Liga, o partido de Salvini, renunciou após sugerir que um parque de sua cidade natal fosse renomeado em homenagem ao irmão do ditador fascista Benito Mussolini. A sugestão provocou uma onda de críticas.

O líder de ultradireita e ex-ministro do Interior italiano acrescentou que será "uma oportunidade para reafirmar a profunda amizade que une Itália e o Brasil". Ele ainda falou que agradecerá "o empenho e a seriedade que permitiram ao terrorista comunista Cesare Battisti voltar para a Itália em 2019" - embora Battisti tenha tido seu status de refúgio revogado durante o governo Michel Temer.

Atualmente, Salvini responde a uma ação judicial por ter impedido - na época em que ocupou o cargo de ministro do Interior - o desembarque de um navio com mais de 140 migrantes resgatados no mar Mediterrâneo por uma ONG.

Conhecido por suas posições xenófobas, Salvini já se referiu várias vezes a Jair Bolsonaro como "o meu amigo brasileiro". Ele também tem relações com Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente brasileiro, e já participou de lives com o deputado brasileiro. Salvini também já defendeu publicamente a forma como Jair Bolsonaro lidou com a pandemia, que deixou até o momento mais de 600 mil mortos no Brasil.

Isolado internacionalmente, Bolsonaro deve ter uma agenda magra em sua estada na Itália.

Na reunião do G20, sua programação incluiu até o momento apenas um encontro com o presidente italiano Sergio Mattarella - reunião foi uma mera formalidade já que a Itália sedia a cúpula - e uma reunião com o secretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Mathias Cormann.

Homenagem contestada

Na província de Pádua houve protestos de políticos e até da Diocese local sobre a atribuição do título de cidadão honorário a Bolsonaro, decidida por vereadores de Anguillara Veneta, uma cidadezinha de 4.000 habitantes. A homenagem que foi criticada por causa do histórico antiambiental e anti-direitos humanos do presidente brasileiro.

Um dos frades do convento de Santo Antônio de Pádua, que também visitará o presidente, disse sob anonimato ao jornal local Corriere del Veneto: "Estamos falando de uma pessoa que acaba de ser acusada por seu próprio país de crimes contra a humanidade. Uma pessoa que também, em várias ocasiões nos últimos anos, se confrontou seriamente com o papa Francisco devido ao desmatamento da Amazônia", disse.

Portanto, segundo o jornal, Bolsonaro chegará à Basílica de Santo Antônio apenas como mais um peregrino.

A Diocese de Pádua, na Itália, que engloba Anguillara Veneta, também divulgou na sexta-feira  nota afirmando que a concessão de uma homenagem pelo vilarejo Anguillara Veneta a Jair Bolsonaro é motivo de "grande constrangimento".

"Não é segredo que a concessão da cidadania honorária criou um grande constrangimento, ligado ao respeito pelo principal cargo no querido país brasileiro e as tantas e fortes vozes de sofrimento que sempre nos chegam, e não podemos ignorar, pois são gritadas por amigos, irmãos e irmãs", diz o comunicado oficial da Diocese de Pádua.

Deutsche Welle


Lei de Improbidade cria “bônus-corrupção” e vai gerar caos na Justiça, diz ministro do STJ




Por Felipe Bächtold

O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Herman Benjamin diz que a nova Lei de Improbidade Administrativa pode provocar um “caos judicial”, com uma série de pedidos de revisão de ações que tramitaram sob as regras anteriores.

A Lei de Improbidade foi flexibilizada na Câmara e no Senado, em tramitação encerrada no início do mês. O projeto foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro na terça-feira (26) e já entrou em vigor.

GRANDES CORRUPTORES – Benjamin, que é ministro da corte há 15 anos, participou de audiências nas duas Casas legislativas para discutir as mudanças. Crítico do texto aprovado, diz que as alterações vão blindar especialmente grandes corruptores, como empresas com contratos públicos.

Os apoiadores do projeto argumentaram ao longo da tramitação que era necessário mudar a lei para evitar abusos que recaíam principalmente sobre gestores de pequenos municípios, afastando da política quadros qualificados que tinham receio de processos.

Para o ministro do STJ, pegou-se carona nessa premissa para criar um conjunto de dispositivos que desmontam o alcance da legislação, criada em 1992. Em entrevista à Folha, ele não poupa palavras para definir as mudanças.

BÔNUS-CORRUPÇÃO – Chama um dos trechos de “bônus-corrupção”, afirma que alterações tornam o trabalho do Ministério Público em muitas situações uma “missão impossível” e diz que se abre caminho para a não punição por meio da lei, por exemplo, para a tortura policial.

Diferentemente do que ocorre na esfera penal, a Lei de Improbidade não prevê a possibilidade de prisão, mas sim de perda de função pública, suspensão de direitos políticos e de ressarcimento de prejuízos em casos de violação de princípios da administração pública.

Benjamin teve papel importante em desdobramento da Operação Lava Jato, ao relatar no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) processo sobre pagamentos de empreiteiras à chapa Dilma Rousseff-Michel Temer na campanha presidencial de 2014. Em 2017, essa ação foi julgada e rejeitada —o ministro foi um dos que votaram pela cassação do mandato.

COMBATE À CORRUPÇÃO – Hoje, diz que o combate à corrupção “ganhou uma notoriedade na sociedade brasileira que não pode ser ignorada”. Para ele, o combate deve ser feito sem exageros, sem estrelismo, sem personalismo, sem injustiça. “Mas também não pode ser feito com omissão, com medo.”

O projeto aprovado, patrocinado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que é condenado em segunda instância por improbidade, uniu diferentes correntes políticas, como bolsonaristas, petistas e tucanos.

“Duas coisas acontecem no dia em que qualquer lei é promulgada, por melhor redigida que seja: ela começa a envelhecer e começamos a descobrir defeitos, pontos que poderiam ser aperfeiçoados. É exatamente o caso da Lei de Improbidade”, diz o ministro.

ERA UM EXEMPLO – Mas, no geral, o balanço que se faz é que a lei, antes da modificação, foi realmente um marco divisor do nosso país. Tanto que é citada pelos organismos internacionais como um modelo para o mundo.

Espaço para reforma havia de sobra. Mas que tipo de reforma? Precisava de atualização, primeiro, para incorporar mecanismos de combate à corrupção sofisticada, hiperorganizada e globalizada. Segundo, para incorporar aspectos que foram incluídos pela jurisprudência, como nepotismo e ofensa aos direitos humanos. Terceiro, para corrigir imperfeições que levassem a injustiças, sobretudo em seu artigo 11, que precisava realmente de uma atualização para impedir que ilegalidades simples se transformassem em improbidade. Separar o joio do trigo.

Segundo o ministro Herman Benjamin, ocorreu o contrário e a blindagem de grandes empresas corruptoras e ímprobas é o que se observa em boa parte.

BLINDAGEM GERAL – Está dito o seguinte: “Sócios, cotistas, colaboradores de empresas não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos”.

“Imagine provar que um presidente de construtora teve benefícios diretos [com uma fraude]. Que benefícios tem? Nenhum. O salário dele continua o mesmo. Pode-se retirar a responsabilidade simplesmente porque não recebeu um benefício —que tem que ser direto”, salienta o ministro.

Nota do blog Tribuna da Internet – O pior é a transformação do Brasil em pária internacional. Nos demais países está ocorrendo exatamente o contrário – o avanço da “compliance”, com leis que determinam vigilância interna nas empresas, para evitar corrupção. De 2019 para cá, com o fim da prisão após segunda instância, novas leis e “interpretações” transformaram o Brasil no “País de Impunidade”. Apenas isso. (C.N.)

Folha de São Paulo / Tribuna da Internet

Interesses corporativos unem PT e bolsonaristas no Congresso

 



A votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que aumenta o poder do Congresso sobre o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), na semana passada, contou na Câmara com uma inusitada união entre o PT, maior partido da oposição, e aliados do presidente Jair Bolsonaro. Embora a proposta tenha sido rejeitada, não foi a primeira vez que os adversários se juntaram para apoiar medidas que beneficiam políticos e enfraquecem órgãos de controle. Levantamento da consultoria Inteligov, feito a pedido do Estadão, mostra que os petistas se alinharam ao líder do governo em uma a cada dez votações nominais, desde 2019.

Houve um casamento de interesses, por exemplo, no projeto que afrouxou a Lei de Improbidade Administrativa, sancionado nesta semana por Bolsonaro. O texto aprovado foi o do relator, Carlos Zarattini (PT-SP), com apoio do líder do governo, Ricardo Barros (Progressistas-PR), nome do Centrão. Os 52 deputados do PT foram a favor da medida, que dificulta a punição de políticos ao exigir a comprovação de "dolo específico", ou seja, a intenção de cometer irregularidade.

O PT e o governo também se aliaram quando estavam em jogo interesses partidários. Foi assim nas votações do novo Código Eleitoral, que fragiliza a fiscalização das contas de partidos; da proposta que permitia a volta das coligações - barrada no Senado -; e da que retoma a propaganda das legendas no rádio e na TV. Nos três casos, o PT votou 100% fechado com a orientação do Planalto.

O levantamento da Inteligov indica que esta situação ocorreu em 349 das 3.672 votações nominais realizadas na Câmara e no Senado desde que Bolsonaro tomou posse, em 2019. O cálculo leva em conta votações de projetos, PECs, medidas provisórias e requerimentos do Legislativo, como pedidos para retirar uma proposta da pauta.

‘SOBREVIVÊNCIA’. Para o cientista político Leandro Consentino, professor do Insper, há nessas alianças um instinto de sobrevivência da classe política. "No caso da PEC do CNMP e da Lei de Improbidade, há uma agenda de blindagem. O governo e o PT têm, hoje, claramente uma agenda contra esse tipo de medida, em que pese já terem ambos levantado a bandeira contra a corrupção."

"Todos estão olhando para o próprio umbigo e as bases eleitorais exigem recursos. Não há preocupação com a transparência", disse o analista do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) Neuriberg Dias.

Nos últimos anos, o Congresso aumentou as emendas parlamentares e passou a destinar recursos diretamente para Estados e municípios. Trata-se das chamadas "emendas cheque em branco". O modelo foi criado a partir de uma PEC da presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), mas encontrou maior adesão na base do governo. Em 2021, sete em cada dez deputados que usaram essas emendas votaram com o governo em 70% das ocasiões, apontou a Inteligov.

‘POLÍTICA’. "Esses são temas da política, não se trata de oposição e situação. Na Lei de Improbidade, temos o abuso do MP sobre o julgamento de pessoas que, por questões apenas administrativas, são retiradas da vida política. Outra questão é a vida do povo, e aí o Bolsonaro está fora da democracia", disse o líder do PT na Câmara, Bohn Gass (RS).

Mesmo na pauta econômica, porém, houve convergências, como na reforma do Imposto de Renda. A bancada petista votou em peso para aprovar a medida, que, além de reduzir impostos de empresas, cria uma cobrança sobre lucros e dividendos.

Estadão / Estado de Minas

Para evitar o pior




Por Carlos Alberto Sardenberg (foto)

Se o deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR) foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral por ter feito live em 2018 divulgando fake news sobre as urnas eletrônicas e atacando o sistema eleitoral, então o presidente Jair Bolsonaro também deveria ter sido punido. Não apenas o presidente atacou as urnas e o sistema quando ainda candidato, como continuou com esses ataques depois de eleito.

Considerando ainda o evidente disparo ilegal de fake news durante o processo eleitoral —que “todo mundo viu”, como disse o ministro do STF Alexandre de Moraes —, então a chapa Bolsonaro-Mourão deveria ter sido cassada duas vezes. E há mais tempo.

Mas não foi — e justamente pela lentidão da Justiça, que criou uma ameaça de grave instabilidade política.

Como Bolsonaro e Mourão já ultrapassaram dois anos de mandato, a substituição se daria assim, caso fossem cassados. O primeiro na linha de sucessão é o presidente da Câmara, Arthur Lira, que assumiria interinamente para convocar eleições em 30 dias. Atenção: eleição indireta, no Congresso Nacional.

Como Lira está enrolado em processos no STF, provavelmente não poderia assumir. A vaga então passaria para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, com a mesma função de chamar eleições indiretas em 30 dias.

Se Pacheco não pudesse assumir por alguma razão, o cargo, interino de novo, iria para o presidente do STF, Luiz Fux, também para chamar eleições indiretas.

Já pensaram a confusão? Já imaginaram as barganhas congressuais para escolher presidente e vice? A festa do Centrão?

O ambiente político e econômico já está comprometido pela desastrada gestão Bolsonaro e pela cumplicidade com o Centrão. Acrescentando uma esquisita sucessão no quadro, o dólar iria a quanto?

Quando se começa a ler os votos dos ministros do TSE, a percepção imediata é óbvia: vão cassar a chapa. Mas, nos parágrafos finais, sempre aparece uma justificativa, uma desculpa mesmo, para dizer que falta uma prova direta.

Merval Pereira lembrou outro dia o espetacular comentário do inesquecível Jorge Moreno sobre o julgamento da chapa Dilma-Temer, por abuso de poder econômico: absolvida por excesso de provas.

Acrescentou Merval: Bolsonaro e Mourão se livraram por excesso de indícios.

Assim, ficamos com um cadáver exposto em praça pública para servir de exemplo, o deputado cassado, e as advertências do TSE : daqui para frente, será tudo diferente. Cassação e cadeia, disse Alexandre de Moraes.

Tudo considerado, não é a melhor maneira para entrar no ano eleitoral — sim, estamos a 12 meses das eleições nacionais.

Na economia, teremos essa improvável combinação: juros altos, dólar caro e inflação subindo. Pelos manuais, se os juros estão elevados e subindo, o dólar deveria estar em queda. Investidores estrangeiros voltariam a uma velha prática — trazer dólares, que rendem muitos reais, e aplicá-los em títulos públicos, que rendem juros reais entre os maiores do mundo.

Com mais entrada de dólares, o valor da moeda americana deveria cair. Não cai pelo mau conjunto da obra de Bolsonaro-Guedes.

Por outro lado, se o Banco Central está em processo de elevação dos juros, a inflação deveria estar apontando para baixo. E não está. De novo, é a desconfiança gerada por uma política econômica que pretende tornar constitucional o crime de furar o teto e, pois, de irresponsabilidade fiscal.

O capital eleitoral de Bolsonaro está sendo consumido. E o de Lula? Ele se livrou das condenações nos altos escalões da Judiciário, mas o eleitorado, numa campanha, numa disputa, acreditará na sua inocência? Ou vai para a linha do rouba mas faz?

Há, portanto, espaço para a terceira via — um centro meio à esquerda, meio à direita —, mas com duas condições. A primeira: dois bons nomes na chapa presidencial, uma boa combinação de presidente e vice. A segunda condição é a construção de um discurso que anime e convença o eleitorado.

Não é fácil, mas o país merece escapar dessa desastrosa polarização Bolsonaro-Lula.

O Globo

Como Bolsonaro conseguiu mobilizar extrema esquerda e extrema direita na Itália




Bolsonaro em Roma; presidente receberá homenagens na Itália, ao mesmo tempo que é alvo de protestos

Por Matheus Magenta*, Enviado a Roma 

A concessão da cidadania honorária do vilarejo italiano de Anguillara Veneta ao presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, se tornou o mais recente símbolo da disputa histórica entre a extrema direita e a extrema esquerda na Itália. Manifestações foram marcadas para o mesmo dia (1º/11) em que o mandatário será homenageado, logo após o encontro do G20 (20 maiores economias do mundo) em Roma.

A prefeitura de Anguillara Veneta, comandada por políticos considerados de direita e de extrema direita, acabou depredada por um grupo ambientalista como "resposta" à homenagem a Bolsonaro, que conseguiu atrair críticas de diversos grupos de esquerda na Itália por outros motivos, como o desmatamento da Amazônia e as acusações da CPI da Covid contra sua gestão da pandemia, todas refutadas pelo presidente.

Mas o que Bolsonaro tem a ganhar com todo esse imbróglio? Segundo David Magalhães, professor de relações internacionais da PUC-SP e da Faap e coordenador do Observatório da Extrema Direita, "receber uma homenagem de uma liderança política conservadora, por menor que seja a importância, ajuda a energizar a base radical interna de Bolsonaro, que de tempos em tempos precisa de combustível para manter sua militância engajada, principalmente nas redes sociais, enquanto constrói-se uma narrativa de que o presidente não está isolado, que ele é admirado e que quem o rejeita é uma elite progressista nacional e internacional".

Para o cientista político italiano Fabio Gentile, professor da Universidade Federal do Ceará especializado em fascismo, a homenagem ao presidente brasileiro por causa de seu bisavô também é cercada de laços simbólicos e históricos relacionados a uma bandeira tradicional da direita e da extrema direita na Itália: a concessão de cidadania italiana a descendentes nascidos em outros países.

"Numa lógica de propaganda política, Bolsonaro seria o valor simbólico de uma italianidade no mundo, de um nacionalismo italiano que se espalhou há muitas décadas, e esse é um dos grandes temas da direita italiana. Tanto que ela criou há muitos anos as organizações dos italianos no mundo. Isso passa pela ideia de uma suposta raça italiana, como se eles tivessem herdado pelo sangue uma suposta raça italiana, seus valores e sua capacidade", afirma Gentile.

Segundo ele, não é uma coincidência que a prefeita que concedeu a homenagem, Alessandra Buoso, seja filiada ao partido Liga, liderado por Matteo Salvini, senador nacionalista de direita próximo da família Bolsonaro. Essa sigla herdou a bandeira política da italianidade sanguínea defendida por outros partidos de direita e de extrema direita a partir dos anos 1980, como o Movimento Social Italiano, fundado por ex-integrantes do regime fascista liderado por Benito Mussolini.

'Salvini é próximo da família Bolsonaro e está no mesmo partido de prefeita que concedeu homenagem ao presidente brasileiro'

A cidadania italiana é regulamentada por uma lei de 1992. Baseia-se no princípio do jus sanguinis - termo em latim para direito de sangue - e pode ser transmitida a todos que têm ascendência italiana em todas as gerações. Podem ser filhos, netos, bisnetos ou mesmo descendentes de gerações mais distantes.

Por outro lado, não há o princípio do jus soli, ou direito de solo, em que a nacionalidade é concedida de acordo com o lugar de nascimento. Filhos de estrangeiros que nasceram na Itália podem pedir cidadania após completarem 18 anos, mas precisam atender a diversos pré-requisitos. Em geral, são políticos de esquerda que defendem cidadania mais ampla para esses imigrantes, como o deputado ítalo-brasileiro Fausto Longo (Partido Democrático).

Gentile afirma que esses dois princípios de cidadania estão na raiz da relação entre o identitarismo racista dos últimos anos contra imigrantes (em especial da África e do Oriente Médio) e a defesa de uma suposta raça italiana se espalhando no mundo, mesmo que o povo italiano seja um dos mais miscigenados da Europa em sua origem.

Segundo o pesquisador, o partido nacionalista Liga, que chegou a adotar um lema de raiz fascista para se defender das críticas à sua posição anti-imigratória ("muitos inimigos, muita honra"), conseguiu mobilizar a seu favor a insatisfação racista de parte da população italiana contra o conflituoso processo de integração de cidadãos de ex-colônias, agravado pela recente crise dos refugiados.

Esse tema, aliás, foi tratado em encontro na Itália entre Salvini e o deputado federal Eduardo Bolsonaro. Questionado pelo filho do presidente sobre os dois princípios de cidadania, o italiano respondeu que os únicos imigrantes que interessam à Itália são os descendentes de italianos que vivem em outros países, como Brasil e Argentina.

Essa reunião foi intermediada pelo deputado ítalo-brasileiro Luis Roberto Lorenzato (Liga), que apoia o presidente Bolsonaro e a concessão do título de cidadão honorário a ele e critica o uso do termo "extrema direita" para caracterizar políticos de seu partido.

O parlamentar defende o direito de sangue e refuta o direito de solo porque "se nasce italiano".

"A verdadeira riqueza da Itália são os 60 milhões de italianos por direito de sangue (jus sanguinis), que vivem particularmente no Brasil, e são bem qualificados na classe média brasileira e que devem poder criar um verdadeiro relacionamento com a pátria mãe nossa Itália investindo, realizando negócios e até o sonho de ter a 'prima casa' na Itália e assim garantir de forma perene a identidade cultural e histórica do povo italiano", disse em sua campanha eleitoral.

Para se ter uma ideia, a grande imigração italiana no final do século 19 levou para o Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 1,2 milhão de pessoas no período de 1876 a 1920. Um deles foi Vittorio Bolzonaro, que nasceu em Anguillara Veneta e emigrou para o Brasil em abril de 1888, aos dez anos, na companhia do pai, da mãe e de outros dois irmãos.

Angelo, filho de Vittorio nascido no Brasil anos mais tarde, casou-se com uma brasileira descendente de alemães, e em 1927 o casal teve Percy Geraldo. Vinte e oito anos depois, nascia o terceiro dos seis filhos de Percy, Jair Messias Bolsonaro.

Protestos de movimentos de esquerda e extrema-esquerda ao título de Bolsonaro

A homenagem a Bolsonaro tem gerado fortes reações de grupos de esquerda e representantes da Igreja Católica desde que foi anunciada pela prefeita Alessandra Buoso e aprovada pela Câmara Municipal. A mandatária negou motivações políticas no ato, mas isso não foi suficiente para desmobilizar os opositores.

O episódio serviu de estopim para aglutinar diversos grupos de extrema esquerda críticos do presidente. Outros dois combustíveis para movimentos contra ele foram as acusações da CPI da Covid, que repercutiram muito na imprensa italiana, e a ausência de Bolsonaro na COP26, cúpula do clima na Escócia que discute medidas e metas concretas contra o aquecimento global.

"Sua presença nesta cidade é indesejável; basta lembrar a gestão criminosa da pandemia realizada pelas autoridades brasileiras, e a comissão parlamentar de inquérito que pediu que ele fosse julgado por crimes contra a humanidade. Nos últimos anos, Bolsonaro se tornou um dos principais baluartes da negação - tanto pandêmica quanto climática - do racismo mais vulgar, colonialismo e sexismo", afirma um grupo que convoca protestos contra Bolsonaro em Pádua e em Anguillara Veneta, no norte da Itália.

Segundo Luca Dall'Agnol, representante do sindicato ADL Cobas, sua entidade participará dos protestos contra Bolsonaro e a decisão da prefeitura de conceder o título honorário a ele como um ato de solidariedade a todos que tem se mobilizado no Brasil contra o presidente nos últimos anos. "Suas políticas levaram à aceleração do desmatamento da Amazônia e a uma escalada de ataques contra comunidades indígenas, e sua resposta negacionista à pandemia de covid-19 levou à perda de muitas vidas."

Para o sindicalista, Bolsonaro é um "fascista de nosso tempo". "Fica claro pelo seu desprezo pela democracia que a única coisa que o impede de assumir poderes autoritários é o equilíbrio social de poder existente hoje e a resistência que vem sendo feita pelos cidadãos brasileiros".

Fabio Gentile, da Universidade Federal do Ceará, afirma que o antifascismo permeia a Constituição italiana desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. "Existe uma cultura antifascista dentro da formação do Estado italiano republicano contemporâneo, que se tornou também uma rede de associações que, a partir das décadas de 1940, 1950, estão defendendo os valores antifascistas da Constituição italiana. A maior delas é a Anpi (Associação Nacional dos Partisans da Itália, que também protestará contra Bolsonaro)."

Segundo o pesquisador, a luta entre fascismo e antifascismo se arrasta há décadas no país, mas "é claro que existe um uso bastante ideológico desses conceitos, porque nem tudo que a extrema-esquerda está combatendo é fascismo".

De todo modo, Gentile avalia que os atos contra Bolsonaro também possam estar sendo usados como uma resposta desses movimentos à invasão da sede da Confederação-Geral Italiana do Trabalho, o principal sindicato italiano, no início de outubro.

O local foi invadido em ato liderado pelo partido de extrema direita Força Nova e por manifestantes antivacina, que criticavam o sindicato por não ter lutado contra a obrigatoriedade de vacina para todos os trabalhadores do país. "A meu ver, o que os movimentos antifascistas estão pensando? É realmente uma coisa absurda dar uma cidadania para um cara como Bolsonaro, que é contra vacina, associa vacina à Aids e fala outras coisas sem embasamento científico que acabam incentivando e mobilizando movimentos negacionistas e antivacinas."

Bolsonaro foi o único líder do G20 que declarou não ter se vacinado contra a covid-19.

*Com colaboração de Giovanni Bello, em Londres

BBC Brasil

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