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domingo, janeiro 05, 2025

É certo que um dia os oprimidos irão revidar contra a opressão

Publicado em 5 de janeiro de 2025 por Tribuna da Internet

Ao centro da imagem, o rosto de um homem  encara de frente. De cima para baixo, uma mancha branca retira a pintura feita em tons de cinza e, parte do rosto deste homem tem apenas contornos sem preenchimento e volume.

O revolucionário Fanon , retratado por Bruna Barros

Mario Sergio Conti
Folha

A vida errante e curta de Frantz Fanon foi de procura de uma identidade. Em seus documentos oficiais, ele era um homem francês de raiz que enfrentou os nazistas na Segunda Guerra Mundial, foi ferido em combate e ganhou a Cruz de Guerra.

Na prática, foi discriminado por ser negro e colonizado. Descendente de escravos, nasceu na Martinica, departamento francês no Caribe. No ultramar, pertencia a um grupo minoritário, a classe média negra; na metrópole, o racismo que sofreu o levou a jogar fora a Cruz de Guerra.

NA ARGÉLIA – Fanon estudou psiquiatria em Lyon, pegou o diploma e nunca mais voltou à França. Tampouco ficou na Martinica. Foi à Argélia ser um negro entre árabes, um ateu em meio a muçulmanos, um internacionalista entre nacionalistas.

Ficou pouco ali. Aderiu à Frente de Libertação Nacional, a FLN, e o governo colonial o expulsou. Exilou-se na Tunísia, vagou pela África e morreu de leucemia nos Estados Unidos —um “país de linchadores”, dizia.

A sua identidade final foi dada por “Os Condenados da Terra”, publicado pouco antes de ele morrer, aos 36 anos, em 1961. Assim que o livro saiu, o manifesto em prol da violência decolonial foi censurado na França por “atentar contra o Estado”.

HINO COMUNISTA – O título do livro cita a Internacional, o hino comunista: “de pé, malditos da Terra”, que no Brasil virou “de pé, ó vítimas da fome”. O renome do ensaio veio menos de Fanon —mais analítico que panfletário— e mais do autor do prefácio, Sartre —menos filósofo que militante.

É de Sartre a frase que marcou época: “Abater um europeu é matar dois coelhos com uma cajadada só, eliminar ao mesmo tempo um opressor e um oprimido: sobram um homem livre e um homem morto”. É uma sentença bem mais aguda que a de Fanon: “Todo espectador é um covarde ou um traidor”.

O psiquiatra conclamou os amaldiçoados a uma grande luta armada. A violência, disse-lhes, era “sine qua non” para expulsar os colonizadores das terras que eles lhes roubaram. E mais: a violência era terapêutica, desintoxicaria os argelinos do veneno colonial. Era imperativo categórico para a vitória material, cultural, até existencial. Por si só, a violência libertaria.

OS OPRESSORES – Já Sartre se dirigiu aos europeus. Argumentou que eram opressores irremediáveis porque, quisessem ou não, haviam se beneficiado das colônias “per omnia saecula saeculorum”. Porque, no presente, eles seguiam sugando o sangue dos colonizados, alienando-os, coisificando-os. Os europeus, pontificou, eram alvos válidos para a violência dos colonizados.

“Os Condenados da Terra” deixava implícito que a violência dos colonizados era tendencialmente generalizadora, poderia ser empregada não só contra gendarmes e guardiões das metrópoles.

 Sartre explicitou que todo e qualquer europeu, por ser europeu, poderia ser agredido. Trouxe o terrorismo para o primeiro plano, ainda que não tenha escrito a palavra.

LONGA CONVERSA – “A Clínica Rebelde”, a alentada biografia de Fanon de Adam Shatz publicada no fim do ano no Brasil, revela que o psiquiatra e o filósofo conversaram por três dias seguidos em Roma. O primeiro, admirador ardente do segundo, veio a pedir que fizesse o prefácio. Contudo, ao lê-lo, Fanon, um falador compulsivo, emudeceu. Saiu do longo silêncio para dizer a seu editor, François Maspero, que iria comentá-lo, mas morreu em seguida.

Com isso, a identidade final de Fanon foi de apóstolo da violência indiscriminada. Suas considerações culturais ficaram em segundo plano, enquanto a luta armada foi assimilada por grupos palestinos e pelos Panteras Negras americanos.

 Shatz diz que guerrilheiros latino-americanos também adotaram Fanon. É um exagero descabido. Sua influência, se é que ocorreu, foi anulada pelo impacto da revolução cubana e de Che Guevara nas esquerdas latino-americanas.

TERCEIRO MUNDO – Fanon partiu de um conceito que não existe mais, Terceiro Mundo, que reuniria os países explorados pelo Primeiro (Estados Unidos e Europa) e manipulados pelo Segundo Mundo (União Soviética e satélites).

O termo foi substituído pelo Sul Global, rubrica sem consistência política. Talvez o certo seja trocar Terceiro Mundo por “Estados Falidos”, os países absolutamente corrompidos, sem infraestrutura nem instituições perenes, controlados por milícias antagônicas ou gangues.

O mundo político mudou. O que persiste é a violência. Dos colonizadores contra os colonizados e vice-versa, num círculo infernal que erode o presente e inviabiliza o futuro. Não é preciso ler Fanon para constatar que, fatalmente, os oprimidos revidarão a opressão.


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