Publicado em 12 de dezembro de 2024 por Tribuna da Internet
Fabiano Lana
Estadão
No evento em que celebrou uma década de existência, a plataforma Jota trouxe para uma reflexão pública três dos mais importantes personagens que conduzem os caminhos e descaminhos atuais do País. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da Câmara, Arthur Lira.
Por trás das falas ponderadas e analíticas dessas autoridades poderosas e articuladas, é possível entender as divergências que paralisam algumas das medidas imprescindíveis à organização do Estado e da sociedade brasileira. Em resumo, ninguém quis expor ou discutir abertamente entraves que também são internos e preferiram, ao estilo do filósofo Jean-Paul Sartre, dizer que o inferno são os outros.
HADDAD E O DÉFICIT – Às voltas com o quebra-cabeça de peças desencaixadas do ajuste fiscal, o ministro Fernando Haddad evitou falar das questões internas do governo e de seu partido que impedem a apresentação de um pacote que convença de modo indubitável os agentes econômicos.
Preferiu lembrar que devido à falta de colaboração do Congresso, na prorrogação para ele injustificável do Programa de Retomada do Setor de Eventos (Perse), por exemplo, entre outras inações, o governo segue a apresentar déficits expressivos.
A culpa pelo vermelho das contas públicas, que gera tanta insegurança no mercado, portanto, não seria obra de um Executivo expansionista.
LIRA E A ARMADILHA – O presidente Da Câmara, por outro lado, avisou que o Executivo no máximo apresentou um projeto que torna um pouco mais lenta a expansão das contas públicas.
Reiterou a disposição de colaborar, mas apontou uma tentativa de colocá-los em uma armadilha. Por que, afinal, congressistas conservadores irão votar medidas duras e impopulares que seriam bombardeadas pela própria base ideológica do governo?
Lira também se virou para o Judiciário, quando o Poder interveio no procedimento de distribuição das emendas. Para o deputado, o modelo, na prática criado pelo próprio, que elevou de maneira expressiva (para outros de modo exagerado e inaceitável) o valor destinado às emendas orçamentárias, é um avanço.
SEM TOMA LÁ – Segundo ele, o que houve foi a criação de um mecanismo democrático que findou o famigerado “toma lá, dá cá” que marcava a relação entre governos e parlamentares por décadas.
Houve até um recado sobre certas investidas do Supremo na apresentação da tese de que o Parlamento legisla até quando não quer legislar. No sentido de quando o assunto ainda não está maduro para ser levado em votação – num local onde, na medida do possível, deve se buscar os consensos –, a questão deve continuar fora pauta.
Primeiro a falar, mas já consciente das críticas que receberia, o ministro Barroso negou que tenhamos um judiciário ativista. Preferiu colocar a responsabilidade na nossa vultuosa Constituição de 1988, que a despeito de ser uma carta “iluminista” e bem-intencionada, tende a destinar uma enxurrada de questões divisivas do País para o Supremo Tribunal Federal – tributárias, previdenciárias, criminais, dos direitos individuais, etc.
DIREÇÕES INDICADAS – O texto da própria Constituição, por sua vez, indica as direções da decisão, algo que, inevitavelmente, contraria a ala reacionária da nação (que o ministro, elegantemente, chamou de “conservadores”).
Ou seja, o Supremo seria obrigado a tomar a decisão final nas questões que polarizam o País e o manual de “como decidir” é progressista. De quebra, Barroso também apontou uma certa crise de representatividade do Parlamento, segundo ele por responsabilidade de um sistema eleitoral desastroso baseado em listas fechadas.
O que houve, então, por trás de falas afáveis, foi uma defesa enfática dos próprios pontos de vista das autoridades públicas. Na verdade, uma certa inflexibilidade em aceitar as críticas que chegam da própria sociedade em direção aos três poderes ali representados no evento.
PODIAM ALEGAR – “Veja, nós fazemos quase tudo certo, porém temos restrições de outras forças que não controlamos e que por acaso estão aqui também nesse evento”, poderiam ter dito em uníssono.
Ficamos mais ou menos assim: os congressistas, na visão deles, são colaborativos. Precisam ter recursos para destinar às bases e, além disso, não devem se debruçar no que não querem votar. O Judiciário, do próprio ponto de vista, precisa pontuar nas lacunas do Congresso. E o Executivo, por sua vez, considera que suas ações virtuosas são atenuadas pelas pressões contrárias que chegam seja dos congressistas, seja dos setores prejudicados com fortes interesses seja dentro do Parlamento, do mercado ou das corporações.
Líderes de Poderes não costumam expor publicamente as contradições e disputas internas que na prática paralisam certos aprimoramentos urgentes. O caminho mais fácil é dizer que o problema está em outro lugar, externo. Ou em outro Poder.