Publicado em 2 de julho de 2023 por Tribuna da Internet
Carlos Alberto Sardenberg
O Globo
O semestre termina melhor do que começou, tanto nos fatos correntes — inflação desacelerando e PIB acelerando — quanto nas expectativas para o restante do ano. Houve alguma ajuda externa — não veio a recessão esperada (temida) nos Estados Unidos —, mas um fator local foi essencial, especialmente para a melhora do ambiente: as coisas que o governo não fez.
Não foram poucas: o governo não reestatizou a Eletrobras, e Lula até parou de falar nisso; não reestatizou as empresas vendidas pela Petrobras; não conseguiu melar o Marco do Saneamento, embora tenha dado uma ajuda para estatais ineficientes; e, sobretudo, não aumentou as metas de inflação.
METAS DE INFLAÇÃO – Este último não movimento aconteceu nesta semana. O Conselho Monetário Nacional (CMN), onde o governo tem maioria, manteve as metas de inflação de 3,25% para este ano e fixou-as em 3% para os três anos seguintes. Parece burocrático, mas é importante. Basta lembrar que o presidente Lula falava em aumentar a meta para 4,5%, dizendo que isso — tolerar um pouco de inflação — era mais adequado para países em desenvolvimento.
Por trás dessa ideia — bastante comum entre economistas mais à esquerda —, estava a presunção equivocada de que a meta mais alta permitiria ao Banco Central reduzir mais depressa a taxa de juros.
Seria o contrário: uma elevação das metas simplesmente levaria à deterioração das expectativas, seguida de mais inflação e, claro, mais juros.
RECADO DO COPOM – Mais importante ainda, do ponto de vista das expectativas: na ata divulgada nesta semana, o Comitê de Política Monetária do BC (Copom) observou que a reafirmação de confiança nas metas de inflação ajudaria muito na redução da taxa básica de juros. (Não disse assim tão claramente, mas estava óbvio o recado para o CMN).
Funcionou, e com um fator positivo adicional: o Conselho mudou o sistema de metas. Em vez de definidas pelo calendário (um objetivo para cada ano), adotou-se o regime contínuo. A meta de 3% não precisa ser atingida num determinado dezembro, mas num período prolongado. Dito de outro modo: ela vale para sempre, e o Copom tem liberdade para buscá-la no prazo que julgar mais razoável.
Embora o ministro Haddad tenha apresentado a coisa como grande novidade deste governo, a verdade é que o Copom já vinha fazendo isso há tempos.
META PROTELADA – Quem lê os inúmeros e fartos documentos da autoridade monetária está careca de saber que a busca da meta vem sendo protelada seguidamente. Agora, estima que os 3% serão alcançados em algum momento de 2025.
Por que isso? Porque, para alcançar a meta de 3,5% deste ano, os juros teriam de subir para a Lua, destruindo a economia. O Copom tem buscado equilibrar a taxa básica de juros em nível alto suficiente para derrubar a inflação, mas não tão alto que sufoque a atividade econômica.
Claro que juro alto atrapalha. E claro que ninguém gosta disso. Mas a alternativa é mais inflação — e já vimos esse filme no Brasil. E estamos vendo na Argentina e Turquia. De maneira que ficou bom. Lula continua falando mal do presidente do BC, Roberto Campos Neto, parlamentares governistas falam energicamente em convocá-lo. Mas é para a torcida. Todo mundo sabe que faz parte do regime de metas, em toda parte, que o presidente do BC se apresente regularmente ao Congresso.
DUAS COISAS IMPORTANTES – Dirão: só isso? O governo não fez nada para ajudar o ambiente econômico? Está fazendo duas coisas importantes. Uma, o empenho na votação da reforma tributária. Outra, a apresentação do novo arcabouço fiscal. Ambas ainda no Congresso.
O arcabouço não é lá essas coisas, se o objetivo é reduzir o endividamento público. Tem ali mais uma licença para gastar, baseada na expectativa de um enorme ganho de arrecadação. Mas o mercado, sim, ele próprio, recebeu bem. Pela via do melhor isso que nada.
Fora isso, têm saído algumas políticas públicas à antiga — como redução de impostos para carros — e nada de moderno visando ao que o Brasil mais precisa: ganhos de produtividade no conjunto da economia.