Serviço de inteligência da Alemanha divulga conversa que confirma sinais de crimes de guerra cometidos na cidade de Bucha.
Por Vilma Gryzinski
Representantes do governo russo riram da cara de todo mundo ao dizer que as imagens das atrocidades vistas em Bucha tinham sido fabricadas pelos ucranianos.
Com a reconquista da cidade, repórteres e fotógrafos de vários países comprovaram a autenticidade das vítimas, que ainda estão sendo identificadas e enterradas.
É quase insuportável ver os corpos retorcidos, fuzilados, queimados, explodidos e torturados que aparecem cada vez que um saco preto é aberto.
É preciso ter mais evidências? O New York Times já mostrou uma: imagens de satélite comprovando que mortos largados numa rua de Bucha estavam lá bem antes da retirada russa, desconstruindo a cínica mentira de que tinham sido colocados pelos ucranianos para simular crimes de guerra.
Apareceu mais uma: o serviço alemão de inteligência externa, o impronunciável Bundesnachrichtendienst, o BND, deixou vir a público, através de relatos feitos a parlamentares reproduzidos pela revista Spiegel, conversas captadas em comunicações por rádio de tropas russas.
Numa delas, um militar russo diz que acabaram de matar uma pessoa de bicicleta. A conversa bate com uma das cenas que correram mundo de um ciclista morto no meio da rua.
Em outra comunicação interceptada, um russo diz: primeiro, vocês interrogam os soldados, depois matem.
Fontes que ouviram os áudios dizem que o assassinato de civis não foi aleatório, mas parte de um padrão destinado a aterrorizar a população para acabar com qualquer hipótese de resistência.
Também há indícios, segundo a Spiegel, que combatentes do Grupo Wagner, uma organização paramilitar que opera concomitantemente com forças russas regulares, participaram de atrocidades.
Moradores de Bucha dizem que “os piores” eram chechenos que substituíram a primeira leva de ocupantes, chamados de kadirovitas, por causa do líder Ramzan Kadirov.
Também circulou pelo Telegram um vídeo horripilante em que militares ucranianos e voluntários da Geórgia que estão combatendo do lado da Ucrânia executam um soldado russo ferido, no chão, com a cabeça coberta, mas ainda respirando. As cenas mostram mais três russos caídos em poças de sangue. Isso, obviamente, também é crime de guerra.
Embora seja remota a possibilidade de que qualquer acusado por crimes de guerra algum dia responda à justiça, investigações confiáveis contribuem para desmontar a farsa que o governo russo defende diariamente e também para os registros históricos.
Algum dia, russos comuns serão confrontados com estas investigações e podem concluir que foram enganados pela versão oficial que apresenta o governo ucraniano como neonazistas que precisam ser removidos para libertar a população.
A morte de jovens soldados também acabará provocando reações, embora ainda esteja muito, muito longe da revolta abafada que as baixas na invasão do Afeganistão causaram entre as décadas de oitenta e noventa na antiga União Soviética.
Em dez anos no Afeganistão, houve cerca de 15 mil mortos entre os soviéticos.
A guerra na Ucrânia está sendo muito mais letal. Embora não existam números confiáveis, fontes do governo americano falam em até sete mil mortos em menos de um mês e meio. A Ucrânia diz que foram 15.300.
Repórteres do New York Times ouviram reações diferentes de parentes de mortos na guerra. Alexander Chernikh, pai de Luka, morto aos 22 anos, demonstrou uma revolta que segue a linha oficial.
“Se a América não desse armas aos nazistas, nossos jovens não estariam sendo mortos. Na minha opinião, deveríamos arrasar a América com uma bomba nuclear e assim eles parariam de se meter nos assuntos de outros países”.
Alexander Kononov, irmão do tenente Ivan, morto aos 34 anos em Mariupol, reagiu de outra maneira.
“Se todos souberem de tudo, haverá protestos”, disse ele. “E isso seria bom porque esta guerra tem que acabar. Não deveria haver guerra nenhuma”.
Revista Veja