Carlos Newton
Nunca se viu nada igual no Brasil nem no mundo. Não mais que de repente, como diria Vinicius de Moraes, o atual presidente da República fez uma insinuação criminosa de que a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária estaria se portanto de maneira inadequada e recebeu, de pronto, uma resposta desconcertante e desmoralizadora.
Pagando com a mesma moeda a ofensa recebida, o diretor-presidente da Anvisa, contra-almirante Antonio Barra Torres, fez questão de responder publicamente às maledicências de Bolsonaro e lançou um torpedo diretamente no Palácio do Planalto, que atingiu em cheio o alvo, jogando pelos ares a suposta dignidade do diploma presidencial.
CONTRADIÇÕES – Neste episódio, o comportamento da grande imprensa foi contraditório. Enquanto o Jornal Nacional fazia o estardalhaço esperado para matéria de tamanha importância e repercussão, em que o presidente da República é frontalmente acusado de cometer crimes de injúria e difamação, ao divulgar falsas informações e classificar de “tarados por vacina” os técnicos altamente especializados da Anvisa, os sites dos maiores jornais do país tentaram esconder o vexame presidencial – acredite se quiser, diria o jornalista e ilustrador americano Robert Ripley.
Ficou parecendo que Folha, Globo e Estadão combinaram esconder a notícia, sem publicá-la no noticiário de Política, limitando-a às respectivas seções de Saúde, o que significa reduzir expressivamente a leitura e ocultar os fatos.
Jamais se viu nada igual. A explosiva notícia ficou mesmo confinada nas seções de Saúde, fazendo lembrar mais uma vez Machado de Assis: mudou o Natal, mudou o jornalismo ou mudou a política?
SILÊNCIO ABSURDO – Bem, isso ocorreu na sexta-feira à noite. Passou-se o sábado, depois lá se foi o domingo, sem que os jornalões levassem adiante o assunto, pareciam pretender sepultá-lo em cova rasa, sem choro nem vela, como dizia Noel Rosa.
E assim entramos na segunda-feira sem que o presidente da República se dignasse a defender a própria honra, emporcalhada pelas palavras duras e bem articuladas do dirigente da Anvisa, que falava em seu nome pessoal, mas representando a agência como um todo.
Ao exibir coragem e determinação, Barra Torres mostrou que ainda há chefes militares no Brasil, que sabem se comportar quando o chefe do governo se exibe de forma irresponsável e vergonhosa. E Barra Torres não é o único. As Forças Armadas já cansaram de aturar Bolsonaro.
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P.S. – Na mesma semana, Bolsonaro amargou duas derrotas terríveis no campo militar. Primeiro, tentou uma retratação do comandante do Exército, general Paulo Sérgio Oliveira, e recebeu um não como resposta. Depois, foi desafiado pelo comandante da Anvisa a provar suas denúncias ou se retratar, e ficou vexatoriamente inerte, incapaz e inútil. Deveria renunciar ao cargo, como Richard Nixon fez nos Estados Unidos, quando ficou provado que ele era um mentiroso no poder. (C.N.)