Economia precisa resistir a tentações populistas em 2022
Por Bruno Carazza* (foto)
Governos fracos são presas fáceis das tentações populistas, principalmente quando se encaminham para o final do mandato. Nas últimas semanas de 2021, vimos a popularidade do presidente sangrar, e na busca de aprovar medidas que revertam a má avaliação da sua gestão, grupos de interesses deram o bote e arrancaram nacos expressivos do orçamento público.
A última leva de pesquisas revela que a economia - mais especificamente o bolso e o estômago do cidadão - será o grande tema da disputa eleitoral deste ano.
O levantamento da CNT/MDA que saiu pouco antes do Natal revelou que 63,7% dos entrevistados avaliam que durante o governo Bolsonaro seu poder de compra encolheu. Entre os principais vilões da inflação estão os preços dos alimentos, seguidos de combustíveis, energia elétrica e moradia. Maior evidência de bem-estar alimentar, o consumo de carne caiu nos lares de 71,9% das pessoas que participaram da enquete.
Esse cenário econômico adverso, que por si só despertaria preocupações em qualquer governante interessado na sua própria reeleição, ganha proporções muito maiores quando seu principal rival desfruta de um lugar especial na memória do eleitor. Segundo a mesma pesquisa, 58,9% dos entrevistados consideram que, em toda a história recente, o poder de compra da sua família foi mais alto justamente no governo Lula (2003-2010).
Esses resultados são confirmados pela última pesquisa Datafolha, que mostra que a vantagem do petista reside justamente no segmento de renda mais baixo (até dois salários-mínimos), onde bate Bolsonaro pela expressiva diferença de 36 a 11 pontos percentuais. À medida em que se avança para as faixas de rendimentos mais altos, Bolsonaro cresce: encosta em Lula no segmento de 2 a 5 salários-mínimos (24% vs 29%), assume a dianteira no grupo de 5 a 10 (30% a 24%) e amplia a liderança entre aqueles que possuem renda familiar acima de 10 salários-mínimos (33% a 23%). Para recuperar as chances de ser agraciado com um novo mandato, portanto, Bolsonaro precisa agradar o cidadão de baixa renda.
Esses números explicam as principais medidas tomadas pelo governo no encerramento de 2021. O lançamento do Auxílio Brasil de R$ 400 mensais e a edição da medida provisória concedendo o perdão das dívidas do Fies são ações que têm como alvo justamente os grupos sociais que pior avaliam a atual gestão do país.
Passar essas propostas no Congresso, porém, tem um preço alto. Não se atropelam os pilares do teto de gastos ou se aprova um calote multibilionário nas dívidas judiciais do governo impunemente. A fatura já foi apresentada - e a diferença é que ela será paga por todos nós.
Os R$ 16 bilhões das emendas de relator (o famoso “orçamento secreto”) e os R$ 6 bilhões de fundos eleitoral e partidário para as eleições deste ano são apenas a parte mais visível do butim. No apagar das luzes de 2021, as edições do Diário Oficial da União vieram recheadas de benesses dadas como contrapartidas ao seu plano de ampliar as transferências de renda para as famílias mais pobres.
Ainda em novembro, Bolsonaro se reuniu com representantes dos 17 setores contemplados pela desoneração da folha de pagamentos e se comprometeu a prorrogar o benefício em troca de apoio político para a aprovação da PEC dos Precatórios. Promessa feita, promessa paga: no último dia do ano, o presidente sancionou a lei que estende sua vigência até 31/12/2023. Criado por Dilma em 2011 com a intenção de durar três anos, o agrado vem sendo prorrogado sucessivamente - só no governo Bolsonaro já é a segunda extensão de prazo.
No pacote de bondades de final de ano, houve ainda a ampliação do regime especial de Microempreendedor Individual (MEI) para os caminhoneiros que recebem até R$ 20.966,67 por mês, que pagarão apenas 12% do salário-mínimo como contribuição para a Previdência Social.
Taxistas e pessoas portadoras de deficiência também continuarão a gozar da possibilidade de adquirir automóveis novos, no valor até R$ 200 mil, com isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) até 31 de dezembro de 2026.
As empresas aéreas também conseguiram seu quinhão. A isenção do imposto de renda sobre operações de arrendamento mercantil de aeronaves e motores, que foi estabelecida em 2006 para ter duração de dois anos, foi expandida até o final de 2023.
O alargamento desses regimes especiais, além de ampliar as distorções de nosso sistema tributário, exigirá sua compensação futura, com alíquotas mais altas impostas, em geral, sobre produtos e serviços amplamente consumidos pela população - em outras palavras, todos pagarão pelas benesses de alguns.
O que se observou nas últimas semanas do ano passado pode ser uma pequena amostra do que nos reserva o ano de 2022. Com as eleições se aproximando a passos rápidos, Bolsonaro tentará de todas as formas impulsionar sua popularidade para chegar competitivo no pleito de 2 de outubro. No afã de reconquistar o apoio eleitoral, crescerão as demandas por maior crescimento econômico, ainda que a qualquer custo.
Com as previsões sinalizando um crescimento nulo ou até mesmo uma pequena recessão no ano que vem, Bolsonaro será tentado a lançar programas de estímulo à geração de renda e emprego no curtíssimo prazo - num filme semelhante ao que assistimos no governo Dilma. Para piorar a situação, no posto de responsável pela gestão econômica do país temos um Paulo Guedes cada vez mais fraco e subserviente às vontades do presidente.
Neste primeiro dia útil de 2022, desejo a todos os leitores uma postura crítica frente às tentações populistas que surgirão no debate eleitoral deste novo ano. Os desafios para colocar a economia brasileira nos eixos são imensos, e seremos bombardeados com propostas mirabolantes vindas de candidatos à direita e à esquerda. É bom duvidar de quem vier com soluções mágicas. Assim como em nossa vida cotidiana, precisamos de quem se comprometa com trabalho duro, suor e sacrifícios na administração do Brasil.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Valor Econômico