País repete erros de outras ondas da pandemia, sendo o mais grave o negacionismo federal
O Brasil enfrenta a sua terceira escalada de infecções pelo novo coronavírus mais protegido pela alta adesão popular às vacinas, mas lamentavelmente despreparado em quase todos os outros aspectos do controle da pandemia. A experiência acumulada não se traduz em aprendizado, o que é preocupante.
Esbugalhou-se o termômetro para detectar a marcha da virose —a contagem tempestiva de casos positivos. Não bastasse o baixo índice de exames, uma constante desde o início da crise, agora não se podem considerar as cifras oficiais porque o sistema federal entrou em colapso após sofrer ataque cibernético, há quase um mês.
Também o sequenciamento genético, importante para monitorar novas cepas como a ômicron, mal engatinha no Brasil. Decifram-se pouquíssimas amostras e com tanto atraso que seus resultados são pouco menos que inúteis para orientar reações sanitárias oportunas.
Enquanto outros países distribuem autotestes baratos nos sistemas públicos, nas farmácias ou até em domicílios, no Brasil essa opção óbvia para o cidadão saber depressa se está com Covid nem sequer existe. É preciso recorrer a profissionais de saúde, o que concorre para superlotar os serviços e promover aglomerações perigosas.
Também não deslancha a telemedicina, que a custos módicos poderia ser amplamente mobilizada para orientar as pessoas com suspeitas de infecção —a imensa maioria dos que contraíram o vírus jamais precisará de intervenção hospitalar para recuperar-se.
Por isso as estatísticas dos hospitais são as únicas a captar melhor, embora com defasagem de tempo, um pedaço da nova onda. Voltou a crescer aceleradamente o volume de internados em UTIs paulistas para Covid. Ainda num patamar relativamente baixo em relação à onda anterior, ele aumenta depressa, quase 2% ao dia.
O incremento do risco sanitário, que deveria ser combatido pela expansão da população vacinada, encontra o governo federal em novo pico de febre negacionista. Promoveu uma consulta pública às raias do inacreditável sobre imunização de crianças apenas para satisfazer às estultices de Jair Bolsonaro (PL).
Mais uma vez na mesma pandemia, o país vai deixar de proteger uma parcela significativa de sua população, a tempo de evitar internações e mortes, porque o presidente da República embota o processo por incompetência e com pretextos e ideias retirados do esgoto.
Diante de desafios raros e ciclópicos como a epidemia de coronavírus, é comum um país cometer erros. O incomum é não aprender com eles e repeti-los. Que o Brasil saiba absorver ao menos a lição eleitoral, diante de tamanhos e reiterados desmandos federais.
Folha de São Paulo