Uma importante Declaração Conjunta
POR SERGIO DUARTE*
Na véspera da abertura da Décima Conferência de Exame do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares [1], os cinco países reconhecidos por esse instrumento como possuidores de tais armas (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia) emitiram uma Declaração Conjunta na qual recordam a afirmação feita em 1987 por Ronald Reagan e Mikhail Gorbachov de que “uma guerra nuclear não terá vencedores e náo deve jamais ser travada”. Acrescentaram que as armas nucleares “devem servir a finalidades defensivas, impedir agressão e prevenir guerras”.
A Declaração parece ter tido o objetivo de responder à crescente insatisfação dos membros não nucleares do TNP pela ausência de medidas eficazes de desarmamento nuclear. A falta de tais medidas, 52 anos após a entrada em vigor do instrumento, tem acarretado grave deterioração da confiança e autoridade do Tratado. Nos últimos tempos, inúmeras manifestações de organizações da sociedade civil vinham reclamando cada vez mais veementemente o cumprimento das obrigações de desarmamento constantes do Artigo VI do TNP.
No final de janeiro corrente a Coalizão da Nova Agenda (NAC, na sigla em inglês), grupo informal de membros não nucleares do Tratado composto por Brasil, Egito, Irlanda, México, Nova Zelândia e África do Sul, emitiu nota em que enfatiza a necessidade de transformar aquela afirmação dos dois ex-presidentes em ações concretas para a eliminação do aramento nuclear. (Leia a nota na íntegra abaixo)
Além disso, a NAC considera que o esforço atual de “modernização”do arsenal nuclear, em que se encontram empenhados os cinco possuidores, prejudica o compromisso de desarmamento e aumenta o risco de uso de armas nucleares e de uma nova corrida armamentista.
Na Declaração Conjunta, os cinco possuidores expressam o desejo de “cooperar com os demais estados para a criação de condições mais conducentes a progressos em desarmamento com o objetivo final de um mundo livre de armas nucleares”’. Em sua manifestação, a NAC rejeita a ideia, implicita nessa afirmação, de que as obrigações de desarmamento estejam sujeitas a condicionalidades.
De fato, uma atitude construtiva de parte dos possuidores exigiria a definição do papel não ofensivo do armamento atömico e o reconhecimento da necessidade urgente de negociação e adoção de medidas urgentes diretamente voltadas para a eliminação desse armamento. A contínua existência de tais armas é obviamente incompatível com as aspirações da humanidade expressas em inúmeros documentos, acordos e tratados internacionais.
Uma das principais finalidades do TNP é evitar a proliferação de armas nucleares. Esse objetivo se aplica tanto ao surgimento de novos possuidores quanto à introdução de aperfeiçoamentos tecnológicos e expansão dos arsenais existentes.
A segurança é um bem público que pertence a todos e um mundo livre de armas nucleares resultará em aumento da segurança para todos. Ao comentar a Declaração Conjunta, o Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, reiterou a convicção de que a única maneira de eliminar os riscos nucleares é a eliminação do armamento nuclear. A ação decisiva e responsável dos cinco possuidores, em conformidade com os compromissos assumidos, seria uma contribuição inestimável para a consecução dessa aspiração comum. A comunidade internacional não espera menos
[1] A Conferência de Exame do TNP precisou ser adiada pala terceira vez, devido a Covid 19, e ainda não tem nova data.
Declaração da Coalizão da Nova Agenda — Brasil, Egito, Irlanda, México, Nova Zelândia e África do Sul
25 de janeiro de 2022
1 - A Coalizão da Nova Agenda (NAC) toma nota da 'Declaração conjunta sobre a prevenção da guerra nuclear e evitando corridas armamentistas' emitida pela China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos da América, em 3 de janeiro de 2022.
2 - O NAC também toma nota da ênfase da declaração conjunta na busca contínua de 'abordagens diplomáticas bilaterais e multilaterais para evitar confrontos militares, fortalecer a estabilidade e a previsibilidade, aumentar a confiança mútua e evitar uma corrida armamentista que não beneficiaria a ninguém e pôr em perigo todos.
3 - Em um momento de acirramento da tensão, o NAC vê a declaração conjunta como um esforço necessário para estabilizar as relações estratégicas e esperamos que sinalize o início de uma maior cooperação entre os Estados nucleares no cumprimento de suas obrigações de desarmamento nuclear. Em particular, a afirmação conjunta de que 'uma guerra nuclear não pode ser vencida e nunca deve ser travada' é um sinal importante, que deve agora ser traduzido em ações concretas para a eliminação total das armas nucleares.
4 - Embora a cooperação diplomática seja necessária e bem-vinda, o NAC está preocupado com as recentes declarações políticas dos Estados com armas nucleares relacionadas à modernização de seus programas de armas nucleares. Essas declarações minam seu compromisso com o desarmamento nuclear e aumentam o risco do uso de armas nucleares e de uma nova corrida anal. O desarmamento nuclear não é apenas uma obrigação legal internacional, é um imperativo humanitário e moral.
5 - O NAC é da opinião de que as armas nucleares e as políticas de segurança baseadas na dissuasão nuclear não podem fornecer estabilidade ou previsibilidade significativa e podem potencialmente encorajar a proliferação. A existência continuada de armas nucleares agrava ainda mais as tensões no ambiente de segurança internacional e representa uma grave ameaça à humanidade. Os esforços de estabilização não são suficientes por si só sem que cada um dos Estados com armas nucleares tome medidas tangíveis para diminuir a importância das armas nucleares em suas doutrinas estratégicas, levando à eliminação de seus arsenais nucleares. garantias de segurança negativas.
6 - O NAC apoia medidas destinadas a reduzir os riscos de guerra nuclear. Acreditamos que os esforços de redução de risco são soluções provisórias e que a eliminação total das armas nucleares é a única garantia contra seu uso ou ameaça de uso. Sem uma ligação direta com o objetivo final de um mundo livre de armas nucleares, medidas estratégicas e de redução de risco nuclear só contribuem para a ilusão de que podemos viver com armas nucleares indefinidamente. Enquanto as armas nucleares continuarem a existir, elas sempre representarão um risco inaceitável para a humanidade,
7 - A este respeito, o NAC recorda a expressão de profunda preocupação na Conferência de Revisão de 2010 do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) pelas consequências humanitárias catastróficas de qualquer uso de armas nucleares, e a sua determinação em procurar um mundo mais seguro para todos e alcançar a paz e a segurança de um mundo sem armas nucleares. A grave preocupação com o perigo para a humanidade representado pelas armas nucleares deve informar todas as deliberações, decisões e ações relacionadas ao desarmamento nuclear.
8 - O NAC salienta o compromisso inequívoco dos Estados com Armas Nucleares de realizar a eliminação total dos seus arsenais nucleares conducentes ao desarmamento nuclear, com o qual todos os Estados Partes se comprometem nos termos do artigo VI do TNP. O NAC rejeita a noção de que essas obrigações sejam condicionais, como sugerido na declaração dos Estados com armas nucleares. O atual ambiente de segurança global reforça a necessidade de urgência e determinação em sua implementação,
9 - O NAC defende a implementação de medida de desarmamento nuclear concreta, transparente, que se reforça mutuamente, verificável e irreversível. Apelamos também ao cumprimento urgente das obrigações e compromissos no âmbito do NFU, que permanecem válidos até à sua implementação.
10 - Por fim, o NAC está desapontado que, devido à pandemia de Covid-19, a Décima Conferência de Revisão do TNP, que deveria ocorrer em Nova York em janeiro de 2022, tenha sido adiada. No entanto, o adiamento agora oferece aos Estados com armas nucleares a oportunidade de reiterar publicamente e progredir na implementação completa de seu compromisso inequívoco. Tal reafirmação, acompanhada de medidas específicas e acionáveis, reforçaria o 'NM' e seu Processo de Revisão, e daria efeito adicional aos esforços mencionados pelos Estados com armas nucleares em sua declaração conjunta.
*Ex-Alto Representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento. Presidente das Conferências Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais.
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