Bolsonaro deixa de lado reforma do Estado, reduzindo potencial econômico do país
Não é simples fazer reformas no arcabouço institucional de nenhum país, e o elemento básico para a sua realização é força política. Não raro, mudanças mais complexas ocorrem em início de mandato, quando o titular do Executivo conta com o endosso da urna para negociar com os demais Poderes e representantes da sociedade.
Não há projeto que vingue se o chefe de governo não tem força para defendê-lo —ou não o deseja.
As reformas tributárias e administrativas passaram 2021 à deriva no Congresso Nacional. Quem acompanhou o andamento de ambas conta com listas de percalços para explicar a frustração de ver o ano terminar sem que nenhuma delas tenha se materializado.
Os textos já saíram do Ministério da Economia com problemas —houve desencontros entre área técnica e articuladores políticos. Governistas e oposição pesaram a mão nas reformulações. Câmara e Senado divergiram em diferentes momentos e até disputaram protagonismos no vaivém de propostas.
Os lobbies contrários, dentro e fora do Estado, atuaram com força. Mas tudo isso é do jogo. Ajustes e quedas de braço fazem parte da construção do consenso que culmina com a aprovação de novos pilares legais. O que fez a diferença foi a falta de empenho do presidente da República.
Não é segredo para ninguém em Brasília que Jair Bolsonaro nunca quis a reforma administrativa. Se agisse nesse terreno seria para preservar ou até ampliar benefícios de categorias que considera base de apoio para seu governo e sua reeleição —militares e policiais.
O mandatário tampouco tem senso de urgência em relação à reforma tributária. Seu interesse na matéria limita-se à correção da tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas, também por razões eleitorais.
Trata-se de promessa da campanha de 2018 que gostaria de apresentar na próxima disputa de 2022 como uma meta já cumprida.
Paulo Guedes, ministro da Economia e, em tese, o fiador das propostas, atuou sem amparo presidencial —e desistiu de defendê-las à medida que o governo perdeu o controle da tramitação dos textos.
Cumpre lembrar que a bem-sucedida reforma da Previdência, principal feito durante a atual gestão, teve um tratamento diferente. Bolsonaro articulou para resguardar benefícios às categorias que defende, mas não eximiu seu governo de outros debates.
Parece claro que a janela de oportunidade se fechou. Em 2022, ano eleitoral, dificilmente haverá energia política para alterações legislativas complexas. E o Brasil, cuja economia não decola há uma década, terá perdido mais tempo sem enfrentar as deficiências e distorções de seu poder público.
Folha de São Paulo