Com discurso e programa mais à esquerda, Ciro muda novamente de rota e tenta atrair jovens, mas carece de falta de apoio
Por Ricardo Corrêa
O ex-ministro e ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) lançou sua pré-candidatura na semana passada apresentando um programa bem à esquerda e um discurso alinhado a essa roupagem, que havia sido momentaneamente abandonada em meio a tratativas com partidos do outro campo ideológico. O pedetista, goste-se ou não dele (e economistas geralmente criticam suas propostas) é o único dos pré-candidatos a apresentar detalhadamente um programa de governo até aqui. Agora, precisou mais uma vez corrigir a rota após um congestionamento à direita, e parece ter encaixado um discurso mais ajustado à sua trajetória recente. Sofre, porém, com o mesmo problema de 2018: a falta de alianças e de espaço para construir sua candidatura.
Um observador pouco atento do cenário eleitoral pode estranhar ouvir alguém dizer que Ciro Gomes tem hoje uma proposta mais à esquerda do que a de Lula. Mas é exatamente isso que se pode depreender quando se compara seu projeto nacional de desenvolvimento com o governo feito pelos petistas quando estiveram no poder. Ciro propõe taxação de lucros e dividendos e de grandes fortunas, fim da paridade internacional dos preços de combustíveis, recompra de ações da Petrobras, reindustrialização do país, derrubada de isenções fiscais, renda mínima e programa de crédito para endividados. Um projeto que torna o estado maior, mais presente e interventivo do que foi no período lulista, o que chamou atenção até de membros do PSOL recentemente.
E o que explicaria mais uma mudança de rota de Ciro em seu discurso? O maior motivo hoje é o congestionamento na direita gerado pela chegada de Sergio Moro (Podemos) ao tabuleiro eleitoral. Com Jair Bolsonaro (PL), Moro e João Doria (PSDB) brigando por votos de um lado, Ciro parece ter enxergado que voltou a ser bom negócio tornar-se a segunda opção na esquerda, como foi em 2018. Naquela eleição, ele atingiu o dobro de votos do que tem de intenções hoje. Com Lula hoje forte na disputa, a saída encontrada nessa nova fase pode ser tentar ganhar espaço ainda mais à esquerda (em contraposição ao que está chamando de velha esquerda), captando os jovens (explica o discurso e a estética da rebeldia) tal como fez Gabriel Boric, recém-eleito no Chile.
A migração de volta para a esquerda, porém, não teria vingado se o pedetista tivesse conseguido viabilizar alguma aliança à direita, como tentou com o DEM, por exemplo. A negociação falhou, assim como também havia falhado a conversa de meses com o PSB que, no fim das contas, tal como em 2018, parece ter sido seduzido pela força eleitoral Lula e a capacidade que o PT tem de ajudar a eleger deputados em seu campo.
Restou a Ciro hoje, aparentemente, apenas a Rede de Marina Silva, que agrega pouco em termos de tempo de TV e fundo partidário, embora tenha importância simbólica inegável e também encarne conceitos importantes ao jovem como a pauta ambiental. A Ciro, além dela, só se uniu, até aqui, Cabo Daciolo, o camaleão que já se elegeu pelo PSOL, virou caricatura na eleição de 2018 ao ‘denunciar’ a tentativa de criar uma espécie de União Soviética na América Latina, e agora se une ao nome de esquerda dizendo simplesmente que ouviu essa ordem contraditória de Deus.
Parece naturalmente pouco para quem precisa de tempo e espaço para construir uma alternativa a uma polarização flagrante e a um início animador de Sergio Moro na luta para se tornar um nome da terceira via. Mas, rebelde, Ciro muda de novo, tal qual o jovem que ele quer atingir, e não aceita que se imponha que já está derrotado. Pode não conseguir sair do lugar, mas é inegável que está tentando de tudo para se viabilizar. Rebela-se contra a hegemonia petista na esquerda e na centro-esquerda. Tenta, como tentaram Eduardo Campos, morto antes de sabermos se conseguiria, ou a própria Marina, que quase conseguiu em 2014 mas foi atropelada na reta final pela propaganda criada justamente por João Santana, o responsável por fazer com que, agora, com Ciro, seja diferente.
O Tempo