Pedro do Coutto
Pesquisa do Datafolha publicada na edição desta segunda-feira, dia 22, na Folha de São Paulo, e comentada à noite por William Bonner e Renata Vasconscellos no JN, revelou que 64% da população brasileira acreditam que a corrupção vai prosseguir disparando na administração publica, digo eu, principalmente nas empresas estatais.
O título deste artigo está inspirado no famoso filme de René Clément, “O Sol por Testemunha”. No Brasil, tanto o sol quanto o povo são testemunhas de fato dos descalabros que a imprensa vem noticiando em torno das famosas comissões percentuais por contratos de obras públicas e fornecimento de materiais para máquina pública.
BELO MONTE – Acredito que, salvo mínimas situações, a percentagem transformou-se num item de despesa e receita. Preços disparam velozmente, como foi o caso da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, focalizado pela TV Globo no Fantástico de domingo.
A enorme obra teve seu custo previsto de R$ 21 bilhões e terminou custando R$ 42 bilhões. As investidas contra as finanças públicas nunca ficam caracterizadas nas concorrências originais. Procurar entre os editais de convocação não vai conduzir a nada. O ponto fundamental encontra-se nas páginas dos famosos termos aditivos.
FURNAS – O caso da Petrobras foi típico. O caso de Furnas, lembrado ontem por Marcelo Rocha na Folha de São Paulo, constitui outro exemplo. Mas no caso de Furnas, o deputado Aécio Neves foi inocentado pelo ministro Gilmar Mendes por falta de provas.
Falta de provas não quer dizer que fatos não tenham existido. Esta é a diferença que multiplicada por centenas de episódios semelhantes faz com que programas como os da Saúde e da Educação não obtenham o nível adequado para as suas expansões, notadamente do Ministério da Saúde no auge da Covid-19.
PANDEMIA – De passagem, em matéria de saúde, o ministério deveria estar atuando urgente e profundamente para enfrentar e conter o número de infectados, dos quais uma parcela mortal, encontrou-se praticamente por dez dias sem ministro algum. Até os presidentes do Senado e da Câmara, Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, eleitos por Bolsonaro, diante da omissão do governo passaram a exigir providências voltadas para conter o desastre, em grande parte decorrente da falta de comando administrativo.
Não sei como o médico Marcelo Queiroga não fez qualquer pronunciamento reclamando da falta de decisão e apoio do Palácio do Planalto. Tenho a impressão de que vai durar pouco no cargo. O presidente da República, em face da indecisão, está tratando Marcelo Queiroga com desconsideração absoluta.
De segunda para terça-feira foram contaminadas 55 mil pessoas, conforme publicou o Estado de São Paulo. Houve 1.570 mortos e a vacinação segue lenta, contida na escala de 6% da população do país.
ATAQUES – Há poucos dias, escrevi um artigo dizendo que o Governo Jair Bolsonaro estava balançando. Pela repercussão da crise geral que está se evidenciando, partes do arcabouço do poder começaram a apresentar fissuras. Os ataques são maciços, inclusive afetando a base do presidente no Congresso. Tem-se a impressão de que está surgindo uma onda cada vez mais generalizada. Os erros do presidente da República se acumulam especialmente na própria consciência do país.
As insatisfações são gerais. A desordem nos serviços também. Agora surgiu mais um capítulo para o descontentamento coletivo. Adriana Fernandes e Daniel Weterman, o Estado de São Paulo, com base no relatório apresentado pelo senador Márcio Bittar, o Orçamento para 2021, na casa de R$ 3,6 trilhões, destina recursos à aquisição de tanques blindados e materiais de conflito numa esfera muito mais alta do que a dos recursos para o Ministério da Saúde. Para o Ministério da Defesa, R$ 8,3 bilhões. Para o Ministério da Saúde R$ 1,9 bilhão.
REAJUSTES – Adriana Fernandes e Daniel Weterman, e também o senador Márcio Bittar, destacam que para os militares das três forças estão previstos reajustes salariais neste ano. Para o funcionalismo civil reajuste zero. Claro que tal contraste vai se refletir na popularidade do presidente da República, sobretudo no que se refere à disputa da reeleição no próximo ano.
Em seu artigo no O Globo de ontem, Míriam Leitão aponta como grave erro a omissão do ministro Paulo Guedes no início da pandemia no que refere à destinação de recursos para conter o coronavírus e salvar vidas humanas. Míriam Leitão diz que o ministro Paulo Guedes passou a revelar grande preocupação com a pandemia de umas semanas para cá, embora ela tenha se desencadeado há mais de 12 meses. Isso de um lado.
RESPONSABILIDADE – Por outro lado, digo eu, o ministro Paulo Guedes é o autor do projeto de Orçamento para 2021 que ainda não foi votado pelo Congresso. Portanto, é também responsável pela previsão de reajuste salarial para os integrantes das Forças Armadas e a omissão de qualquer reposição inflacionária para o funcionalismo civil.
E também tem posição favorável ao congelamento salarial de todos os trabalhadores e trabalhadoras. Eis aí uma resposta difícil a ser dada por Paulo Guedes, cujo fracasso a cada dia torna-se mais nítido para a mesma opinião pública que condena a omissão do Planalto na Saúde.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO – Finalmente, reportagem de Carolina Brígido, O Globo, dá grande destaque à provável decisão do Supremo Tribunal Federal que deve derrubar, segundo ministros falaram reservadamente, trechos da Lei de Segurança Nacional que atinge a liberdade de expressão e através dos quais o Ministério da Justiça tenta enquadrar pessoas que se responsabilizaram por críticas ao presidente da República, em particular, e ao governo de modo geral.
Carolina Brígido revela que o STF ainda não marcou o dia da decisão a respeito dos recursos. Provavelmente, para mim, para ganhar tempo e dissuadir Jair Bolsonaro de aceitar que o seu ministro da Justiça, André Mendonça, dê sequência a enquadramentos absurdos. Injúria é uma coisa, difamação outra, calúnia uma terceira quando se acusa alguém de um crime. Nenhuma das três figuras judiciais pode representar ameaça à Segurança Nacional.
Inseguros estão milhões de brasileiros e brasileiras, perplexos com a falta de rumo do Poder Executivo, que aliás contraditoriamente não está executando qualquer projeto de governo. Não há uma obra de grande porte em andamento no país.