Marcos Lisboa
Folha
O debate econômico no Brasil por vezes parece truque de prestidigitador. Acena-se com a mão esquerda enquanto a da direita discretamente move as cartas. As críticas às medidas para conter o crescimento do gasto público obrigatório são usualmente rebatidas com a lembrança dos nossos problemas sociais.
No fim do dia, contudo, a expansão permanente do governo termina sendo consumida por aumentos na despesa com servidores, com poucos avanços na qualidade da política pública.
ESTADOS E MUNICÍPIOS – Ano passado, estados e municípios pediram ajuda ao governo federal. Suas receitas haviam caído em razão da recessão. Com apoio do Supremo, deixaram de pagar suas dívidas com a União e ainda receberam quase R$ 100 bilhões, valor maior do que perderam de arrecadação.
Quais são as regras do governo para controlar o gasto público? Bem, a benevolência permitiu a complacência com o descontrole dos gastos com servidores em governos locais. Muitos têm remunerações acima do teto constitucional e regimes especiais de aposentadoria. Pouco se fala, contudo, da disparidade de renda entre os funcionários públicos e o restante da população.
Os recursos federais para o fundo da educação básica (Fundeb) mais do que dobrarão nos próximos anos, sendo que pelo menos 70% devem ser destinados a salários de servidores. A legislação, além disso, indexa a remuneração do magistério ao valor total dos recursos, dividido pelo total de alunos.
REMUNEAÇÃO AUMENTA – Com a transição demográfica, o número de estudantes vem caindo há anos. O resultado é que a remuneração de professores, incluindo aposentados, aumentou 54% acima da inflação entre 2009 e 2019, e vai subir mais com os recursos adicionais.
Aumentos salariais foram concedidos a outras corporações, como a de policiais, no começo da pandemia, enquanto boa parte dos trabalhadores estava desempregada.
Sindicatos de servidores públicos propõem novos tributos em razão da crise. Entretanto, limitar seus ganhos ao que determina a Constituição ou avaliar o seu desempenho, para melhorar a gestão da política social, são propostas rechaçadas como neoliberais.
ILUSÃO IDEOLÓGICA – A novidade é a tentativa de iludir com a mão direita quando quem opera é a esquerda. O governo, que se diz liberal na economia, já capitalizou uma empresa estatal para produzir embarcações, a Emgepron, e aumentou as distorções tarifárias, privilegiando a importação de armas e onerando a de alimentos.
O último truque foi a tentativa de beneficiar os caminhoneiros. Pelo visto, não havia técnicos para explicar os danos colaterais da intervenção. O câmbio se depreciou, o que pressiona ainda mais os preços dos combustíveis.
Confiantes no ilusionismo, os prestidigitadores não reconhecem seus próprios erros. O inferno sempre são os outros.