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terça-feira, março 23, 2021

A “inocentação” de Lula mergulha novamente a política brasileira nos extremos

Publicado em 23 de março de 2021 por Tribuna da Internet

Lula é inocente | VEJA

Para o PT, Lula é uma mistura de Fidel Castro com o Papa

J.R. Guzzo
Estadão

Há 40 anos, desde a sua fundação, o PT pensa, fala e vive como um partido único; não sabe, simplesmente, ser de outro jeito. É bem fácil de entender. Se o PT não é uma ditadura, por que o presidente do partido – oficial ou oculto, mas o único verdadeiro – é sempre o mesmo desde 1982? O PT, na verdade, não tem um presidente. Tem uma autoridade máxima – uma mistura de Fidel Castro, ou algo parecido, com o papa, no tempo em que o papa mandava em alguma coisa.

O comandante nunca permitiu, e continua a não permitir, que qualquer outro nome possa disputar um mínimo de espaço com ele dentro do partido. Todos os que tentaram, de Luiza Erundina a Marta Suplicy, passando por Deus e todo o mundo, acabaram postos para fora.

NÃO DARÁ CERTO – Há 40 anos, apesar de nada disso ser nenhum segredo, os políticos brasileiros que imaginam ser do centro-equilibrado-democrático-civilizado-asseado-de meia esquerda-preocupado com o “social” e amigo das crianças acreditam que Lula possa, um dia, abrir mão de seus interesses pessoais e aliar-se para valer com algum deles. Jamais deu certo, é claro, e não vai dar certo nunca.

O ex-governador Ciro Gomes, por exemplo, já está ali pela décima tentativa; até outro dia continuava tentando. Os últimos a acreditar foram os pré-candidatos – ou melhor, a essa altura, ex-pré-candidatos – à sucessão do presidente Jair Bolsonaro. Tiveram uma miragem, durante dois anos: acharam que podiam ficar amigos de Lula, do PT e da esquerda. Levaram um belo somebody love, como se diz, e hoje estão a pé.

EFEITO FACHIN – A decisão do ministro Edson Fachin de anular as quatro ações penais que Lula tinha nas costas, incluindo sua condenação em terceira e última instância por corrupção e lavagem de dinheiro – com sentenças de nove juízes diferentes – anulou, ao mesmo tempo, as candidaturas que tentavam disputar o espaço entre Bolsonaro e o “campo progressista”. Foi um efeito inesperado.

Ao declarar que a ficha suja de Lula não vale mais, o STF, tão louvado por todos os que não querem a reeleição do presidente da República, decidiu qual é a candidatura de oposição que vai existir na vida real.

O prejuízo, em consequência, é de todas as outras – os que esperavam o apoio de Lula terão de se contentar, agora, em esperar que o ex-presidente lhes dê alguma sobra e a permissão de apoiar a sua campanha. É o avesso do avesso.

COMPOR A CHAPA… – A fila é grande: empresários com “agendas sociais”, gente do mundo dos auditórios, generais da reserva e uma porção de etcéteras se aglomeram na lista de espera, rezando por um chamado do alto para “compor a chapa”.

No fim, pode não ser nenhum desses; Lula tem lá as suas próprias ideias a respeito do assunto e, de qualquer forma, ainda falta muito tempo até a eleição de 2022. O certo é que o “espaço vazio” que se imaginava existir para a sucessão presidencial não existe mais – nesse espaço há um Lula, outra vez, querendo ser presidente.

O STF devia ter ajudado, claro, mas o que se esperava era outra coisa. O conveniente seria ficar expedindo liminares, agravos e embargos contra Bolsonaro e o seu governo, só isso; não era para ressuscitar Lula. Agora está assim.

DOIS EXTREMOS – O resultado é que o horizonte do Brasil, até prova em contrário, é de extremo contra extremo. O centro sumiu.

Lula não precisa dizer nada de diferente daquilo que tem dito a vida inteira para garantir seu apoio: quem está com ele não quer ouvir nada que já não tenha ouvido. O mesmo acontece com Bolsonaro: seus admiradores não estão interessados em escutar outra voz.

Quem está no meio encontra-se sem escolha, sem nomes e sem um programa alternativo. Não há muita coisa boa que possa vir disso aí.

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