Paulo Roberto Netto, Rayssa Motta, Fausto Macedo e Rafael Moraes Moura
Estadão
Estadão
O ministro Alexandre de Moraes afirmou que investigações da Procuradoria-Geral da República (PGR) apontam a ‘real possibilidade’ de atuação de associação criminosa voltada para a ‘desestabilização do regime democrático’ com o objetivo de obter ganhos econômicos e políticos. A observação consta em decisão de quebra de sigilo decretada pelo ministro no inquérito que apura o financiamento de atos antidemocráticos.
“Os indícios apresentados na manifestação apresentada pela Procuradoria-Geral da República confirmam a real possibilidade de existência de uma associação criminosa”, escreveu Moraes, em decisão que autorizou buscas e apreensões contra apoiadores do governo na semana passada. O sigilo bancário de dez deputados e um senador, todos bolsonaristas, foi quebrado.
NÚCLEOS DO CRIME – A PGR identificou vários núcleos ligados à associação criminosa, sendo eles ‘organizadores e movimentos’, ‘influenciadores digitais e hashtags’, ‘monetização’ e ‘conexão com parlamentares’. Na avaliação da Procuradoria, os parlamentares ajudariam na expressão e formulação de mensagens, além de contribuir com sua propagação, visibilidade e financiamento.
“Os frequentes entrelaçamentos dos membros de cada um dos núcleos descritos acima indiciam a potencial existência de uma rede integralmente estruturada de comunicação virtual voltada tanto à sectarização da política quanto à desestabilização do regime democrático para auferir ganhos econômicos diretos e políticos indiretos”, apontou trecho da manifestação da PGR reproduzida por Moraes.
ABUSOS E CRIMES – A Procuradoria destacou a existência de ‘abusos e crimes que precisam ser apurados’ no caso. A PGR afirma que foi identificado o funcionamento ‘estruturado e economicamente rentável’ de uma associação que buscava ‘provocar as Forças Armadas’ para a execução de ações contra a ordem constitucional. Mensagens e publicações de teor antidemocrático também eram compartilhadas nas redes para ampliar o alcance e tráfego de usuários, assim obtendo a renda.
“As chamadas redes sociais não são apenas espaço de liberdade de expressão. Os usuários das redes sociais com muitos seguidores podem auferir renda das próprias plataformas a partir de seguidores que arrebanham, o universo de pessoas que alcançam com suas mensagens, a sua capacidade de influenciar seus seguidores”, explica a Procuradoria.
RENDA – O financiamento, de acordo com o vice-procurador-geral Humberto Jacques, teria beneficiado ao menos dois canais pró-governo no Youtube: Folha Política e Foco do Brasil. Ambos podem ter embolsado até R$ 157 milhões com transmissões dos discursos de Bolsonaro nos protestos recentes. A arrecadação também viria de parcerias, assinaturas, eventuais compras de produtos vendidos nos canais e anúncios pagos por empresas e órgãos públicos.
“Com o objetivo de lucrar, estes canais, que alcançam um universo de milhões de pessoas, potencializam ao máximo a retórica da distinção amigo-inimigo, dando impulso, assim, a insurgências que acabam efetivamente se materializando na vida real, e alimentando novamente toda a cadeia de mensagens e obtenção de recursos financeiros”, diz Jacques em uma das peças do inquérito.
FATURAMENTO – O vice-procurador cita dados de relatórios de uma empresa especializada em análises estatísticas de páginas do YouTube, segundo os quais, a Folha Política, por exemplo, pode ter faturado entre US$ 6 mil e US$ 11 mil com a live do presidente do dia 3 de maio em frente ao Palácio do Planalto.
Já o vídeo da participação de Bolsonaro no ato de 19 de abril, dia do Exército, pode ter rendido ao Foco do Brasil, segundo a PGR, entre US$ 7,55 mil e US$ 18 mil. A manifestação em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, que pedia intervenção militar e o fechamento do Congresso e do STF, foi o ponto de partida para a abertura do inquérito que apura a organização e o financiamento de manifestações contra a democracia.