EMENTA: JULGAMENTO DAS CONTAS DE EX-PREFEITO MUNICIPAL. PODER DE CONTROLE E
DE FISCALIZAÇÃO DA CÂMARA
DE VEREADORES (CF, ART. 31). PROCEDIMENTO DE CARÁTER POLÍTICO-ADMINISTRATIVO.
NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA
DA CLÁUSULA DA PLENITUDE DE DEFESA
E DO CONTRADITÓRIO (CF, ART. 5º, LV). DOUTRINA.
PRECEDENTES. TRANSGRESSÃO,
NO CASO, PELA CÂMARA DE VEREADORES, DESSAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. SITUAÇÃO
DE ILICITUDE CARACTERIZADA. CONSEQUENTE INVALIDAÇÃO
DA DELIBERAÇÃO
PARLAMENTAR CONSUBSTANCIADA EM
DECRETO LEGISLATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO
CONHECIDO E PROVIDO.
- O controle externo
das contas municipais, especialmente
daquelas pertinentes ao Chefe do Poder Executivo local, representa uma das mais expressivas
prerrogativas institucionais da Câmara de Vereadores, que o exercerá com o auxílio do Tribunal de
Contas (CF, art. 31).
Essa fiscalização
institucional não pode ser
exercida, de modo abusivo
e arbitrário, pela Câmara de Vereadores, eis que – devendo efetivar-se
no contexto de procedimento revestido
de caráter político- -administrativo – está
subordinada à necessária observância, pelo Poder Legislativo local, dos
postulados constitucionais que
asseguram, ao Prefeito
Municipal, a prerrogativa
da plenitude de defesa e do
contraditório.
- A deliberação
da Câmara de Vereadores sobre as
contas do Chefe do Poder Executivo local há
de respeitar o princípio constitucional do devido processo legal, sob pena de a resolução legislativa importar em transgressão ao sistema de garantias consagrado pela Lei
Fundamental da República.
DECISÃO:
O presente recurso extraordinário
foi interposto por ex-Prefeito Municipal que se insurge contra acórdão emanado do E.
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que lhe negou o direito de ver respeitadas, pelo Poder Legislativo local, em sede de julgamento de contas pela
Câmara Municipal de Santos, as garantias
constitucionais do contraditório e
da ampla defesa.
O
aspecto central da decisão em
referência, objeto do presente
recurso extraordinário, acha-se consubstanciado
em acórdão assim ementado (fls. 1.786):
“Ação
anulatória – Município – pedido de
anulação de decisão
do Tribunal de Contas – rejeição das
contas do ex-Prefeito
de Santos do exercício de 2002 – oportunidade
de defesa conferida ao autor
pelo órgão vistor – desnecessidade de abertura de prazo para
defesa na Câmara Municipal – edilidade
que acolheu o parecer – verba honorária reduzida.” (grifei)
A
parte ora recorrente, ao deduzir o presente apelo extremo, sustentou que a decisão
questionada teria transgredido os preceitos inscritos no art. 5º, incisos LIV e LV, e no art. 93, inciso IX, ambos da Constituição Federal.
O Ministério Público Federal, em fundamentada manifestação da lavra
do eminente Subprocurador-Geral da República Dr. RODRIGO JANOT MONTEIRO DE
BARROS, ao opinar pelo conhecimento e provimento do presente recurso
extraordinário, formulou parecer
que contém a seguinte ementa (fls. 1.948):
“RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. APRECIAÇÃO DAS CONTAS DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. PROCEDIMENTO DE CARÁTER
POLÍTICO- -ADMINISTRATIVO. INDISPENSABILIDADE DA PLENITUDE DE DEFESA E DO
CONTRADITÓRIO. CF, ARTS. 5º, LV E
31, § 2º.
…...................................................................................................
3. Reafirmação da
orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal no sentido da indispensabilidade da
observância da garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório no
procedimento político-administrativo de controle parlamentar das contas do
Chefe do Poder Executivo local. CF,
arts. 5º, LV, e 31, § 2º.”
(grifei)
Sendo
esse o contexto, passo a apreciar
o presente recurso extraordinário. E, ao fazê-lo,
entendo assistir plena razão à douta Procuradoria-Geral da República, cujo parecer bem demonstra que o
acórdão ora questionado diverge
do entendimento que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em exame.
O controle externo
das contas municipais, especialmente
daquelas pertinentes ao Chefe do Poder Executivo local, representa uma das mais expressivas
prerrogativas institucionais da Câmara de Vereadores, que o exercerá com o auxílio do Tribunal de
Contas (CF, art. 31).
Essa fiscalização
institucional, por sua vez, é desempenhada pelo Poder Legislativo do Município no âmbito de procedimento
revestido de caráter
político-administrativo, tal como
acentuado, em preciso
magistério, pelo saudoso e eminente HELY LOPES MEIRELLES (“Direito Municipal Brasileiro”, p. 608,
15ª ed., São Paulo, 2006, Malheiros Editores):
“A
função de controle e fiscalização da Câmara sobre a conduta do Executivo tem
caráter político-administrativo e se expressa em decretos legislativos e
resoluções do plenário, alcançando unicamente os atos e agentes que a
Constituição Federal, em seus arts. 70-71, por simetria, e a lei orgânica
municipal, de forma expressa, submetem à sua apreciação, fiscalização e
julgamento. No nosso regime municipal, o controle político-administrativo da
Câmara compreende a fiscalização
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, através do julgamento das contas do
prefeito e de suas infrações político-administrativas sancionadas com cassação
do mandato.” (grifei)
Esse entendimento doutrinário – que enfatiza
a imprescindibilidade da
observância da garantia
constitucional da plenitude de defesa e
do contraditório (CF, art.
5º, LV) – reflete-se na autorizada lição
de JOSÉ NILO DE CASTRO (“Julgamento das
Contas Municipais”, p. 25/43, itens ns. 1-2, 3ª ed., 2003, Del Rey), que também adverte,
a propósito do procedimento político-administrativo de controle parlamentar das contas do Prefeito Municipal, que a deliberação da Câmara de Vereadores sobre as contas
do Chefe do Poder Executivo local, além
de supor o necessário
respeito ao postulado constitucional da ampla defesa, há de ser fundamentada,
sob pena de a resolução legislativa importar
em inaceitável transgressão ao sistema de garantias
consagrado pela Constituição da República.
Cabe referir
que essa mesma percepção
do tema é revelada,
em substancioso estudo, pelo eminente Professor EDUARDO BOTTALLO (“Julgamento de Contas de Prefeito e
Princípio da Ampla Defesa”, “in”
“Direito Administrativo e Constitucional
– Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba”, vol. 2/334-338, 1997,
Malheiros), cujo magistério, no tema, assim foi por ele exposto:
“a) a
apreciação das contas de Prefeito,
prevista no art. 31, § 2º, da Constituição da República, é tarefa que não se contém no âmbito do ‘processo legislativo’ de competência das Câmaras Municipais; trata-se, ao revés, de julgamento proferido dentro de
processo regular, cuja condução demanda
obediência às exigências constitucionais pertinentes à espécie;
b)
não é correto o
entendimento de que, no caso
de apreciação de contas de Prefeito, o
exercício do direito de defesa se dá apenas
perante o Tribunal de Contas durante
a fase de elaboração do parecer prévio, e
isto porque esta instituição não julga, atuando apenas como órgão auxiliar
do Poder Legislativo Municipal a quem cabe tal competência;
c)
o julgamento das contas
de Prefeito pela Câmara Municipal deve
observar os preceitos emergentes do art. 5º, LV, da
Constituição da República, sob pena
de nulidade.” (grifei)
Não se pode perder de
perspectiva, neste
ponto, considerada a essencialidade da
garantia constitucional da plenitude de defesa e do contraditório, que a
Constituição da República estabelece
que ninguém pode ser
privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem
a observância do devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se estabelece uma relação de
polaridade conflitante entre
o Estado, de um lado, e o indivíduo, de outro.
Cumpre ter presente,
bem por isso, que o Estado, em tema
de restrição à esfera jurídica de qualquer cidadão (titular,
ou não, de cargo público), não pode exercer a sua
autoridade de maneira abusiva ou arbitrária,
desconsiderando, no exercício
de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois – cabe enfatizar – o reconhecimento da
legitimidade ético-jurídica de qualquer
medida imposta pelo Poder Público, de que resultem, como no caso, consequências
gravosas no plano dos direitos e
garantias individuais, exige a
fiel observância do princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LV), consoante adverte autorizado magistério doutrinário (MANOEL
GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de
1988”, vol. 1/68-69, 1990, Saraiva; PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”,
vol. 1/176 e 180, 1989, Saraiva;
JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR, “O Direito
à Defesa na Constituição de 1988”, p. 71/73, item n. 17, 1991, Renovar;
EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, “O Direito
à Defesa na Constituição”, p. 47/49, 1994, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários à Constituição do Brasil”,
vol. 2/268-269, 1989, Saraiva; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, p. 686/688, 25ª ed., 2012, Atlas;
LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de
Direito Administrativo”, p. 444/446, 9ª ed., 2008, Malheiros; HELY LOPES
MEIRELLES, “Direito Administrativo
Brasileiro”, p. 107/108
e 755/756, 38ª ed., 2011,
Malheiros, v.g.).
A jurisprudência
dos Tribunais, notadamente
a do Supremo Tribunal Federal, tem
reafirmado a essencialidade
desse princípio, nele
reconhecendo uma insuprimível
garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege
e condiciona o
exercício, pelo Poder Público, de sua
atividade, ainda que em sede materialmente
administrativa ou no âmbito político-administrativo,
sob pena de nulidade
da própria medida restritiva de
direitos, revestida, ou não, de caráter punitivo (RDA 97/110 – RDA
114/142 – RDA 118/99 – RTJ 163/790, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 306.626/MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in”
Informativo/STF nº 253/2002 – RE
140.195/SC, Rel. Min. ILMAR
GALVÃO – RE 191.480/SC,
Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RE 199.800/SP,
Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.):
“RESTRIÇÃO
DE DIREITOS E GARANTIA DO ‘DUE
PROCESS OF LAW’.
- O
Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a
direitos, qualquer que seja o
destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua
autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado
da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal - que importe em punição
disciplinar ou em limitação de
direitos - exige, ainda que se cuide
de procedimento meramente
administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido
processo legal.
A
jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal tem reafirmado a
essencialidade desse princípio, nele
reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa
ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente
administrativa, sob pena de nulidade do
próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina.”
(RTJ 183/371-372, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Isso significa,
portanto, que assiste, ao
cidadão, mesmo em
procedimentos de índole administrativa ou
de caráter
político-administrativo, a
prerrogativa indisponível do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes, consoante prescreve a Constituição da
República em seu art. 5º inciso LV.
O respeito efetivo à garantia constitucional do “due process of law”, ainda
que se trate de procedimento político-administrativo (como no caso), condiciona,
de modo estrito, o exercício dos poderes de que se acha investida a Pública Administração (a Câmara de Vereadores, na espécie), sob pena de descaracterizar-se, com ofensa aos postulados que informam a própria
concepção do Estado democrático de Direito, a legitimidade jurídica dos atos e resoluções
emanados do Estado, especialmente
quando tais deliberações importarem
em graves restrições à esfera jurídica do cidadão.
Esse
entendimento – que
valoriza a perspectiva constitucional que deve orientar
o exame do tema em causa – tem o
beneplácito de autorizado magistério doutrinário, tal como aquele
expendido pela eminente Professora ADA PELLEGRINI GRINOVER (“O Processo em Evolução”, p. 82/85,
itens ns. 1.3, 1.4, 2.1 e 2.2, 2ª ed., 1998, Forense Universitária):
“O
coroamento do caminho evolutivo da interpretação da cláusula do
‘devido processo legal’ ocorreu, no Brasil, com a Constituição de 1988, pelo art.
5º, inc. LV, que reza:
‘Art.
5°, LV. Aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.’
Assim,
as garantias do contraditório e da ampla
defesa desdobram-se hoje em três planos: a) no plano jurisdicional, em
que elas passam a ser expressamente reconhecidas, diretamente como tais, para o
processo penal e para o não-penal; b)
no plano das acusações em geral, em que a garantia explicitamente abrange as
pessoas objeto de acusação; c)
no processo administrativo sempre que haja litigantes. (...)
É esta a grande inovação
da Constituição de 1988.
Com efeito,
as garantias do contraditório e da
ampla defesa, para o processo não-penal e para os acusados em geral, em
processos administrativos, já eram extraídas, pela doutrina e pela
jurisprudência, dos textos constitucionais anteriores, tendo a explicitação da Lei Maior em vigor
natureza didática, afeiçoada à boa técnica, sem apresentar conteúdo inovador. Mas agora a Constituição também resguarda
as referidas garantias aos litigantes, em processo administrativo.
E isso não é casual nem aleatório, mas obedece à profunda
transformação que a Constituição operou no tocante à função da administração
pública.
Acolhendo
as tendências contemporâneas do direito
administrativo, tanto em sua
finalidade de limitação ao poder e garantia dos direitos individuais
perante o poder, como na assimilação
da nova realidade do relacionamento Estado-sociedade e de abertura para o
cenário sociopolítico-econômico em que se situa, a Constituição pátria de 1988 trata de parte considerável da atividade
administrativa, no pressuposto de que o
caráter democrático do Estado deve
influir na configuração da administração, pois
os princípios da democracia não podem
se limitar a reger as funções legislativa e jurisdicional, mas devem também informar a função administrativa.
Nessa linha,
dá-se grande ênfase, no direito administrativo contemporâneo, à nova concepção da
processualidade no
âmbito da função administrativa, seja
para transpor para a
atuação administrativa os princípios do ‘devido processo legal’, seja para fixar imposições
mínimas quanto ao modo de atuar da administração.
Na concepção mais recente
sobre a processualidade administrativa, firma-se
o princípio de que a extensão das formas processuais ao
exercício da função administrativa está
de acordo com a mais alta concepção da administração: o agir a serviço da
comunidade. O procedimento administrativo configura,
assim, meio de atendimento a requisitos da validade do ato administrativo. Propicia o conhecimento do que
ocorre antes que o ato faça
repercutir seus efeitos sobre os indivíduos, e permite verificar como se realiza a tomada de decisões.
Assim,
o caráter processual da formação do ato administrativo contrapõe-se a operações internas e secretas, à concepção dos ‘arcana imperii’ dominantes nos governos
absolutos e lembrados por Bobbio ao discorrer sobre a publicidade e o poder
invisível, considerando essencial à democracia um grau elevado de visibilidade
do poder.
.......................................................................................................
Assim, a Constituição não mais limita
o contraditório e a ampla defesa aos processos administrativos
(punitivos) em que haja acusados, mas estende
as garantias a todos os processos administrativos, não-punitivos e punitivos,
ainda que neles não haja acusados, mas simplesmente litigantes.
Litigantes
existem sempre que, num procedimento
qualquer, surja um conflito de interesses. Não é preciso que o conflito seja
qualificado pela pretensão resistida, pois neste caso surgirão a lide e o
processo jurisdicional. Basta que
os partícipes do processo administrativo se anteponham face a face, numa posição contraposta. Litígio equivale a controvérsia,
a contenda, e não a lide. Pode haver litigantes – e os há – sem acusação alguma, em qualquer lide.” (grifei)
Não foi por
outra razão que a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal – ao examinar
a questão da aplicabilidade e da
extensão da garantia do “due process of
law” aos processos de natureza administrativa – proferiu julgamento, que, consubstanciado em acórdão assim
ementado, reflete a
orientação que ora exponho na presente decisão:
“Ato
administrativo – Repercussões – Presunção de
legitimidade – Situação constituída
– Interesses contrapostos
– anulação – Contraditório. Tratando-se da anulação de ato administrativo cuja
formalização haja repercutido no
campo de interesses individuais, a
anulação não prescinde da observância do
contraditório, ou seja,
da instauração de processo administrativo que enseje a audição daqueles que terão modificada situação
já alcançada. (...).”
(RTJ 156/1042, Rel. Min.
MARCO AURÉLIO – grifei)
Cumpre salientar,
ainda, que a colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, ao julgar o
RE 261.885/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, que versava matéria idêntica
à que ora se examina, decidiu
nos mesmos termos ora expostos no presente
ato decisório:
“PREFEITO
MUNICIPAL. CONTAS REJEITADAS PELA CÂMARA DE
VEREADORES. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DO DIREITO DE
DEFESA (INC. LV DO ART. 5º DA CF).
Sendo o julgamento
das contas do recorrente, como ex-Chefe do Executivo Municipal,
realizado pela Câmara de Vereadores mediante
parecer prévio do Tribunal de Contas, que
poderá deixar de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Casa
Legislativa (arts. 31, § 1º, e 71 c/c o 75 da CF), é fora de dúvida que, no presente caso,
em que o parecer
foi pela rejeição das contas, não poderia
ele, em face da norma constitucional sob referência, ter sido aprovado, sem
que se houvesse propiciado ao interessado
a oportunidade de opor-se ao referido
pronunciamento técnico, de maneira ampla, perante o órgão legislativo, com vista à sua almejada
reversão.
Recurso conhecido e provido.” (grifei)
Impende ressaltar,
por necessário, que essa orientação vem sendo observada em sucessivas decisões
– monocráticas e colegiadas – proferidas,
no âmbito
desta Suprema Corte, a propósito da mesma controvérsia suscitada nesta causa
(AC 2.085-MC/MG, Rel. Min. MENEZES DIREITO – RE 235.593/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RE 313.545/MG, Rel. Min.
GILMAR MENDES – RE 394.634/MG,
Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RE 367.562/MG,
Rel. Min. DIAS TOFFOLI – RE 447.555/MG,
Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 459.740/RS,
Rel. Min. AYRES BRITTO – RE 583.539/SP, Rel. Min.
ELLEN GRACIE, v.g.):
“AGRAVO
REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREFEITO MUNICIPAL. CONTAS REJEITADAS
PELA CÂMARA MUNICIPAL. DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. PRECEDENTES.
1. É pacífica
a jurisprudência desta nossa Casa
de Justiça no sentido de
que é de ser assegurado a ex-prefeito o direito de defesa quando da
deliberação da Câmara Municipal
sobre suas contas.
2. Agravo regimental desprovido. ”
(RE 414.908-AgR/MG, Rel.
Min. AYRES BRITTO – grifei)
A análise da
presente causa evidencia que
se negou, à parte ora
recorrente, o exercício
do direito de defesa, não obstante
se cuidasse de procedimento de índole
político-administrativa em
cujo âmbito foi proferida decisão impregnada de nítido caráter restritivo, apta a afetar a situação jurídica
titularizada pelo ex-Prefeito Municipal.
O
fato irrecusável é que a supressão da garantia do contraditório e o consequente desrespeito
à cláusula constitucional pertinente
ao direito de defesa, quando ocorrentes
(tal como sucedeu na
espécie), culminam por
fazer instaurar uma típica situação de ilicitude
constitucional, apta a invalidar a deliberação estatal (a resolução da Câmara Municipal, no
caso) que venha a ser proferida em
desconformidade com tais parâmetros.
Sendo assim,
e tendo em consideração as razões
expostas, conheço do presente
recurso extraordinário, para dar-lhe
provimento (CPC,
art. 557, § 1º - A), em ordem
a julgar procedente, em parte, a “ação ordinária
anulatória” ajuizada por Paulo
Roberto Gomes Mansur, observados,
para tanto, os estritos limites que a própria parte ora recorrente delineou em seu pedido (fls. 1.845), invertidos os ônus da
sucumbência.
Publique-se.
Brasília, 08 de junho de 2012.
Ministro CELSO DE
MELLO
Relator