Dora Kramer
Tem alguma coisa fora do lugar nessa história de dossiês e espionagens envolvendo as candidaturas presidenciais do governo e da oposição.
O que se diz hoje não bate com o que se falou ontem, os atos não correspondem aos discursos e o caso virou um emaranhado de insinuações e acréscimos de versões desordenadas.
Começou, no relato da revista Veja na semana passada, como a reação de um grupo do comando da campanha de Dilma Rousseff à descoberta de um esquema paralelo de produção de dossiês contra adversários (internos e externos).
Foi afastado o profissional (Luiz Lanzetta) apontado como executor das contratações dos serviços e providenciou-se uma reorganização de comando interno em conformidade com o que tinha a aparência de uma nova – e saudável – filosofia vigente.
O assunto parecia encerrado.
A oposição, porém, não entendeu assim. Considerou que a existência do grupo e o fato de circularem entre integrantes da campanha papéis com informações financeiras sobre antigos colaboradores e da filha do candidato do PSDB, José Serra, já caracterizavam má-fé.
Além disso, havia o histórico: a tentativa de compra de um dossiê contra ele mesmo na campanha ao governo de São Paulo, em 2006, por um grupo de petistas flagrados pela Polícia Federal com o dinheiro da transação em um hotel perto do Aeroporto de Congonhas, foi um caso.
O outro, o dossiê sobre os gastos da Presidência da República à época do governo Fernando Henrique, preparado na Casa Civil para ser usado como arma de intimidação aos oposicionistas na CPI dos Cartões Corporativos. Depois de muitas negativas, um subordinado a Erenice Guerra, braço direito de Dilma na Casa Civil, assumiu a autoria e foi afastado.
Com base nesse conjunto, José Serra responsabilizou Dilma Rousseff pela circulação de dossiês no comitê de campanha.
Isso na terça-feira. Na quarta, Dilma cancelou entrevista coletiva numa visita a Goiânia para não precisar falar no assunto, José Dirceu foi chamado a Brasília para administrar a “crise” no partido.
No fim daquele mesmo dia Dilma falou com a imprensa para dizer que a acusação de Serra é uma “falsidade” e, no dia seguinte, o presidente do PT anuncia a decisão de interpelar o tucano na Justiça para que ele prove “quem fez, como fez o dossiê, com qual objetivo e dinheiro”.
Pois, se a história do dossiê é uma “falsidade”, o PT age como se fosse de enorme gravidade. Afastou um contratado, mandou que se suspendesse um tipo de atividade, convocou um antigo presidente para administrar crise interna, sentiu necessidade de preservar a candidata durante um dia inteiro para que não abordasse o tema e anunciou ação na Justiça sabendo de sua inutilidade.
Evidente, pois se o terreno do dossiê é o da clandestinidade ninguém consegue provar nada. A Polícia Federal até hoje não mostrou de onde veio o dinheiro dos aloprados. Isso a despeito de ter posto as mãos nas notas e nos personagens.
Essa ação na Justiça é um gesto vazio e não ajuda a esclarecer coisa alguma.
Tampouco as insinuações sobre “a verdadeira origem do dossiê”. Qual? Ninguém assume. No máximo há uma pista em frase do presidente do PT, José Eduardo Dutra, apontando “disputas internas da oposição” ao reclamar que atribuam ao partido dele a confecção de dossiês.
Antes de se perder o fio da meada, foi o PT que havia descoberto um esquema clandestino na própria campanha, mandado suspender os trabalhos, afastado o contratado para executar o serviço e administrado uma crise interna de poder.
De uma hora para outra o caso derivou para as “disputas internas da oposição” sem que se diga exatamente do que se trata, embora a insinuação aponte obviamente na direção de Minas e São Paulo.
Se o PT tem informação relevante de interesse público a respeito, diga do que se trata. Se não tem, faz feio entregando-se à perfídia.
O dossiê é um dos mais velhos e também dos mais repulsivos personagens da política. Contra ele a luta é sempre desigual, porque vive no subterrâneo, se alimenta de lama e só briga no escuro.
Se forem em frente nesse campo, PT e PSDB têm tudo a perder.
Fonte: Gazeta do Povo