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sexta-feira, outubro 01, 2021

Jogando na confusão

 




Por Malu Gaspar 

Enquanto parte do país oscilava entre o estarrecimento com as revelações do caso Prevent Senior e a irritação com as cenas patéticas do depoimento de Luciano Hang, os dois principais postulantes à Presidência da República em 2022 passaram bem longe da CPI da Covid e voltaram suas baterias para a alta dos combustíveis.

Jair Bolsonaro põe a culpa no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e quer que o Congresso aprove uma lei estabelecendo alíquota fixa e uniforme em todo o país para o imposto, que hoje varia de estado para estado.

"Peço a Deus para que ilumine os parlamentares durante a semana para que aprovem esse projeto na Câmara e depois no Senado. Esse é o problema do dia", afirmou o presidente num palanque do Nordeste.

Estava com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que fez coro. "O Brasil não pode tolerar gasolina a quase R$ 7 e o gás a R$ 120".

Lula recorreu à parábola do gringo que leva as nossas riquezas. "O que está acontecendo é que a Petrobras está acumulando verba para pagar acionista americano", disse a uma rádio de Cuiabá.

Para o petista, “só teria explicação subordinar o preço nacional ao internacional se o Brasil fosse importador de petróleo, mas o Brasil é autossuficiente”.

Tanto Lula quanto Bolsonaro sabem estar oferecendo soluções simplistas para um problema complexo. O presidente da República vem há meses tentando emplacar a narrativa de que, por estar ligada a um imposto estadual, a alta dos combustíveis é culpa dos governadores. Não tem tido sucesso. Primeiro porque, embora o ICMS realmente seja pesado (varia em torno dos 30%), ele não aumenta há anos.

Além disso, o imposto é parte do valor do produto e varia de acordo com ele. Portanto, mesmo que fosse reduzido a zero, o que é virtualmente impossível, os preços continuariam aumentando de acordo com a cotação do barril de petróleo e com o câmbio.

Lula, como ex-presidente, está cansado de saber que 57,8% dos dividendos da Petrobras ficam com brasileiros, incluindo pequenos poupadores que usaram seu Fundo de Garantia para investir na empresa. E que, do total, 36,7% vão para os cofres da própria União. Lula sabe também que há diversas razões para que a fórmula de preços da Petrobras seja ancorada no dólar.

Uma é que a moeda americana é a referência para todas as transações do mercado de petróleo no mundo. Outra: embora seja autossuficiente em volumes, a empresa ainda importa grandes quantidades de petróleo leve e outros derivados do petróleo para produzir os combustíveis entregues ao consumidor final, pagando o preço internacional, em dólar. Sempre que vende abaixo do valor de mercado, toma prejuízo.

Da última vez que ignorou essa equação, no governo Dilma Rousseff, a Petrobras acumulou um rombo de US$ 40 bilhões — uma das razões por que teve de ir tomando empréstimos até chegar à maior dívida corporativa do planeta e ao status de companhia à beira da falência. Quem pagou a conta, obviamente, fomos nós, contribuintes e maiores acionistas da empresa.

Lula e Bolsonaro decidiram falar do assunto porque suas sondagens indicaram que esse é o tema que mais afeta o debate eleitoral no momento. Pesquisas internas de consultorias privadas mostram que a aprovação de Bolsonaro vem caindo significativamente em regiões onde ele costumava ter bases firmes, como Sul e Centro-Oeste, justamente por causa da inflação dos combustíveis e da energia.

Soluções de palanque e fórmulas gastas não resolverão o problema. Lembremos que o próprio Bolsonaro trocou o presidente da Petrobras no início do ano, zerou os impostos federais sobre o diesel e o gás e prometeu outras tantas providências — como uma bolsa-caminhoneiro — que nunca foram adotadas.

Se voltamos ao mesmo ponto, agora, é porque esse nó, assim como tantos outros que precisamos desatar, demanda políticas públicas consequentes e de longo prazo, que certamente trarão algum sacrifício e que, por isso mesmo, têm de ser fruto de um debate amplo e responsável. Mudanças profundas nos modais de transporte e na configuração das grandes cidades, investimento em transporte de massa e em tecnologia são planos possíveis.

Mas nada disso tem feito parte do debate público. Estamos presos a um longo dia da marmota, com políticos que repetem sempre as mesmas propostas inócuas, enquanto problemas cruciais se arrastam indefinidamente. Nada está tão ruim que não possa piorar, disse outro dia o presidente Bolsonaro. Vendo a forma como os dois principais candidatos à Presidência da República tratam questões vitais para o país, só é possível concordar.

O Globo

Nunca foi tão bom

 




Por William Waack (foto)

Em 2005 o então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (1930-2020), insistia com a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, para que ela realizasse uma promessa feita pelo presidente Lula. “O que o presidente me ofereceu foi aquela diretoria que fura poço e acha petróleo. É essa que eu quero”, foi a célebre frase de Severino, empenhado em colocar um afilhado na Petrobras.

Para os herdeiros políticos de Severino Cavalcanti o mundo melhorou muito nesses últimos 16 anos. Depois de um mensalão, uma Lava Jato, um impeachment e uma onda disruptiva (com a promessa de que tudo ia mudar), o cargo de presidente da Câmara que ele ocupou equivale hoje ao de um primeiro-ministro. Com poderes para vociferar, ao mesmo tempo, contra a Petrobras, os governadores e mantendo a faca no pescoço do presidente da República.

Foi o caso no “show” armado pelo atual presidente da Câmara, Arthur Lira, em torno da política de preços da Petrobras. Não se tratou apenas do costumeiro espetáculo eleitoreiro de políticos preocupados com o efeito corrosivo do formidável aumento dos preços de combustíveis sobre a popularidade de quem disputa votos. Foi uma manifestação eloquente de como as forças unidas do Centrão ditam hoje a agenda política, além de mandar no Orçamento.

No caso da estatal do petróleo, Lira fala por uma espécie de “consenso” de amplo espectro, nacional-desenvolvimentista/varguista/petista ou o que seja, segundo o qual empresas públicas devem refrescar a vida de consumidores, servir de “ferramentas de desenvolvimento” (não importa a definição), “garantir a soberania” nacional (outro conceito elástico) e proporcionar empregos diretos e indiretos. Só pode ser piada a promessa de Paulo Guedes de privatizar a Petrobras nos próximos dez anos.

Lira, como herdeiro de Severino, fala também por um consenso político amplo quando comemora a aprovação da reforma administrativa e da mexida no IR. Afinal, privilégios de corporações existem para serem mantidos – objetivo atingido na reforma administrativa. E renúncias fiscais para serem preservadas, missão cumprida em relação ao cipoal tributário, que ficou ainda mais intrincado, mas garantiu muitos interesses setoriais.

Seria uma injustiça, porém, designar Lira e o Centrão como “forças do atraso”. Recente levantamento das elites parlamentares feito pela consultoria Arko Advice menciona um total de 124 deputados e senadores. A maioria dessas lideranças vem do Sul e Sudeste (juntos, superam o Nordeste) e mais da sua metade está dividida entre partidos “grandes”: PT, PSD, MDB e DEM – embora seja relevante notar que outros 20 partidos ostentam integrantes nessa “elite parlamentar”.

São personalidades políticas em parte muito diversas, comandando blocos fracionados de votos em função de serem articuladores, ou detentores de cargos formais, ou representando setores, ou grupos religiosos, ou de pressão, ou tudo junto. Note-se que nessa “tipologia de liderança” não surgem categorias políticas “clássicas”, como a afiliação ideológica ou programática do integrante da elite do Congresso.

Governar com o Centrão foi imperativo para todos os presidentes até aqui, dadas as perversas características do sistema de governo brasileiro, mas é com Bolsonaro que o Brasil passou a ter um governo do e para o Centrão. Tem suas inegáveis vantagens imediatas, considerando os acontecimentos em torno do último 7 de setembro: o Centrão, ao qual bagunça é o que pouco interessa, foi uma das forças eficazes em frear a maluquice presidencial.

Visto de forma mais abrangente, porém, o governo do Centrão da era Bolsonaro é a expressão da paralisia política, da falta de projeto de país, da estagnação da produtividade, da incapacidade de se combater desigualdade e injustiça sociais. Essas forças diversas ocuparam o natural espaço deixado pela falta de lideranças políticas abrangentes e com visão. Não estão interessadas em grandes alterações, apenas em equilibrar seus interesses.

Para quem está preocupado em conseguir diretorias que furam poço, nunca foi tão bom.

É com Bolsonaro que o Brasil passou a ter um governo do e para o Centrão

O Estado de São Paulo

Fragmentação da terceira via dificulta a candidatura de Moro




Segundo interlocutores do ex-ministro, a divisão da terceira via é uma das dificuldades para Moro aceitar concorrer. 

De volta ao Brasil, o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro iniciou uma rodada de conversas para avaliar a possibilidade de concorrer ao Planalto em 2022. Um dos fatores que podem dificultar sua presença na corrida eleitoral é a fragmentação das pré-candidaturas da chamada terceira via.

Desde o início do ano, Moro vem dialogando com defensores de uma chapa com perfil de centro, que seja uma alternativa aos nomes de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas a divisão do grupo já é vista por aliados do ex-ministro como um complicador para sua decisão.

Desde seu retorno ao País, na semana passada, Moro já tem conversado pessoalmente ou trocado mensagens com outros possíveis candidatos da terceira via, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, por exemplo, para avaliar o cenário eleitoral. No sábado, também se reuniu com a cúpula do Podemos na casa do senador Oriovisto Guimarães (PR). O partido já lhe ofereceu o espaço para concorrer à Presidência e Moro pediu para decidir até novembro.

Segundo interlocutores do ex-ministro, a divisão da terceira via é uma das dificuldades para Moro aceitar concorrer. Hoje, o PSDB passa por um processo de intensa disputa interna com a realização de prévias eleitorais, opondo Doria e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. DEM e PSL, que indicavam sua disposição de lançar uma candidatura presidencial, estão em plena fase de fusão no que deverá se transformar no maior partido do Congresso, e isso pode mudar seu peso no debate pela sucessão.

Além disso, outros nomes ainda se colocam como pré-candidatos do grupo, como a senadora Simone Tebet (MDB-MS) e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Ainda existe a possibilidade real de o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), trocar o DEM pelo PSD para entrar na disputa de 2022. Com tantas indefinições, existe a dúvida entre os aliados de Moro se será possível organizar essas forças de centro e centro-direita em torno de um projeto presidencial comum.

Independentemente de ser candidato ou não no próximo ano, Moro não pretende abrir mão de ser uma força influenciadora na campanha, apoiando algum candidato que abrace sua bandeira de combate à corrupção. O ex-juiz tem lamentado publicamente, por exemplo, a possibilidade de o Congresso reduzir o alcance da lei de improbidade administrativa. Assim, se decidir não concorrer ao Planalto, Moro poderá optar pelo alinhamento a um candidato que se posicione contra ações como essa.

Moro decidiu esperar até novembro, quando seu contrato de consultor com a Alvarez & Marsal completará um ano. Ele tem trabalhado como diretor-executivo do escritório da empresa em Washington na área de compliance. Assim, ele decidirá se renovará o contrato ou migrará para a arena eleitoral.

O Estado de São Paulo

O ‘pato manco’




Por Merval Pereira (foto)

O presidente Bolsonaro já não governa mais. Os vetos derrubados nos últimos dias o consolidam na posição de presidente mais derrotado pelo Congresso nos últimos 20 anos. Na questão dos preços da Petrobras para gasolina, óleo diesel e gás, Bolsonaro tenta há meses encontrar uma maneira de reduzir os aumentos constantes. E agora tem de enfrentar o general Silva e Luna, colocado por ele na presidência da estatal no lugar de Roberto Castello Branco justamente para estancar a alta dos preços.

O general interventor assumiu completamente a tese técnica da Petrobras e, apesar das reclamações de Bolsonaro, anunciou nos últimos dias mais aumentos, na mesma direção da diretoria anterior. A autonomia do Banco Central foi outra “derrota” do governo, embora tenha sido dele a proposta. O presidente Roberto Campos Neto, usando a liberdade que lhe deu a legislação, ficou mais à vontade para criticar a política econômica do governo. Como quando, recentemente, disse que se percebe “o aumento da incerteza do momento presente”, referindo-se à crise deflagrada pelo presidente nos atos de 7 de setembro.

O acordo feito pelo presidente Bolsonaro com o Centrão, se lhe trouxe a segurança de que os pedidos de impeachment continuarão na gaveta do presidente da Câmara, Arthur Lira, também tirou-lhe o controle do Congresso, que passou integralmente para os partidos que formam a maioria. A base governista está disposta a superar a impopularidade crescente de Bolsonaro em ano eleitoral aprovando medidas que desarranjam o equilíbrio fiscal ou o jogo eleitoral. O valor e a abrangência do novo Bolsa Família deverão ser bem maiores do que o equilíbrio fiscal recomenda, mas os efeitos eleitorais serão grandes.

Não há ideologia predominante na derrubada de vetos, tanto quando os congressistas votam a seu favor, como no caso das federações partidárias que preservarão pequenos partidos diante da cláusula de barreiras, quanto no caso da Lei de Abuso de Autoridade, em que o Congresso recuperou medidas importantes que haviam sido cortadas pelo presidente, como “constranger presos a produzir provas contrárias a si mesmo” ou “negar acesso aos autos da investigação ou ao inquérito”.

Nos dois casos, houve ideologia por parte do presidente Bolsonaro, que vetou as federações “para derrotar os comunistas”, como explicou o deputado Eduardo Bolsonaro, e trechos da Lei de Abuso de Autoridade a pedido de policiais.

A indicação do “terrivelmente evangélico” André Mendonça para a vaga de Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal (STF) é outro exemplo de como Bolsonaro está enfraquecido no Congresso. Apenas um senador, Davi Alcolumbre, presidente da Comissão de Constituição e Justiça, trava a sabatina há meses, fazendo campanha aberta contra o nomeado.

A tentativa é fazer com que Bolsonaro retire a indicação de Mendonça para escolher outro nome, do agrado de seu grupo político, como o procurador-geral da República, Augusto Aras — cuja sabatina Alcolumbre foi rápido em marcar —, ou o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, que, aliás, é evangélico. Ao afirmar, dias atrás, que nomearia outro evangélico se Mendonça fosse recusado, o presidente fortaleceu a esperança de que possa nomear Martins para a vaga, o que só reforçou a manobra de Alcolumbre.

Além das dificuldades normais da indicação, Martins tem uma que pode ser definitiva: teria de ser indicado e sabatinado até 7 de outubro, quando faz 65 anos, idade-limite para assumir o cargo. Alcolumbre, aliás, está sofrendo um desgaste pessoal grande por não ter nenhum motivo relevante para adiar a sabatina, apenas seu desejo pessoal.

A situação está tão confusa que um dos argumentos mais usados contra André Mendonça é que ele levará de volta ao plenário do Supremo a maioria de apoiadores da Operação Lava-Jato, pois teria boa relação com os procuradores de Curitiba. Bolsonaro, que é mais de falar que de trabalhar, tornou-se um “pato manco” em exercício, como se chama, em linguagem política, quem tem a expectativa cada vez menor de poder futuro.
 
O Globo

1 Acusado de financiar fake news, Fakhoury deu dinheiro a ONG dos Weintraub e Força Brasil




O empresário Otávio Fakhoury

O empresário bolsonarista Otávio Fakhoury, investigado em inquéritos no STF, falou à Pública antes de seu depoimento hoje na CPI da Pandemia

Por Alice Maciel, Ana Beatriz e Anjos Ethel Rudnitzki

Suspeito de ser um dos principais financiadores da máquina de ódio e notícias falsas que alimenta a militância bolsonarista, o presidente do diretório estadual do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em São Paulo, Otávio Fakhoury, repassou R$ 310 mil para o Instituto Força Brasil, conforme informações que chegaram à CPI da Pandemia no Senado. A entidade é alvo de investigação por ter participado das negociações paralelas de vacinas junto ao Ministério da Saúde e por ter disseminado notícias falsas sobre vacinação, uso de máscaras e “tratamento precoce” contra a covid-19. 

Dados obtidos pela Agência Pública junto à CPI mostram que ele também desembolsou R$ 50 mil para o Centro de Estudos da Liberdade, ou Farol da Liberdade, idealizado pelos irmãos Abraham e Arthur Weintraub —ex-ministro da Educação e ex-assessor da Presidência, respectivamente—, e doou R$ 65 mil para o Instituto Conservador Liberal, fundado pelo deputado federal e filho 03 do presidente da República, Eduardo Bolsonaro (PSC-SP). 

Fiel aliado de Jair Bolsonaro, o empresário se tornou alvo de dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), no ano passado, que atingiram em cheio a tropa de choque do mandatário: o das fake news e o dos atos antidemocráticos —o último arquivado no mês de julho, após pedido do Procurador-Geral da República Augusto Aras. O ministro Alexandre de Moraes, no entanto, abriu nova linha de apuração para verificar a existência de uma organização criminosa digital voltada a atacar as instituições, que incluiria a participação de Fakhoury. 

Ele é ouvido nesta quinta-feira na CPI da Pandemia, por requerimento do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Segundo sua assessoria, o empresário recebeu a convocação com “naturalidade e tranquilidade”.

O Instituto Força Brasil, do qual Fakhoury é vice-presidente, foi criado em junho do ano passado e defende, entre outras pautas, o homeschooling, a liberação das armas e o voto impresso. Seu presidente, o tenente-coronel Hélcio Bruno, foi apontado nas investigações da CPI como intermediário da reunião entre um grupo que oferecia imunizantes inexistentes da AstraZeneca e o número dois do Ministério da Saúde, o secretário executivo Élcio Franco. Durante seu depoimento na CPI, em 10 de agosto, o militar não revelou de onde vem o dinheiro que mantém a organização. Já Fakhoury disse à Pública que foi procurado por um grupo de empresários que queria vender respiradores ao Governo Federal, mas que “cortou todo mundo”. “Contato eu tenho, mas eu não sou traficante de influência”, afirmou. 

Embora ocupe o cargo de vice-presidente do Força Brasil, o empresário diz que exerce apenas função “institucional” na organização. “Como eu sou uma pessoa que tem muita proximidade com todos os movimentos conservadores e liberais conservadores, o coronel Hélcio, que eu conheci e gosto muito, pediu para eu ser vice-presidente, para ser, como se fosse assim, a cara do instituto perante os civis”, destaca. Ele diz que seu papel é de “relações-públicas”, “garoto-propaganda” e que se aproximou dos militares durante movimentos de ativistas. “Alguns deles são ligados a grupos conservadores”, completa.  

O Força Brasil também tem parceria com duas páginas que espalharam conteúdos antivacina e a favor do chamado “kit covid” —coquetel de medicamentos sem eficácia comprovada contra o coronavírus. Os perfis Awake Giants Brasil e A Verdade dos Fatos —iniciativas dos advogados Paulo Farias e Flávia Ferronato, coordenadores do Movimento Advogados do Brasil— são hospedados pelo site da organização, que também oferece a eles assessoria jurídica, de acordo com o próprio Fakhoury. 

Irmãos Weintraub

Fakhoury lidera uma geração da elite paulistana que atuou pela ascensão da direita conservadora que elegeu Jair Bolsonaro, com forte influência do pensamento de Olavo de Carvalho, e se mobiliza para difundir esse ideário. A admiração pelo guru conservador é tamanha que ele chegou a visitá-lo na Virgínia, nos Estados Unidos, em 2015, ao lado da Bia Kicis, hoje deputada federal pelo PSL do Distrito Federal, também investigada por fake news. 

Seu mais novo projeto para disseminar o conservadorismo é o Farol da Liberdade, fundado em junho deste ano, no qual investiu R$ 50 mil. Fakhoury negou ter participação ativa na organização, apesar de na Receita Federal constar como seu presidente. Segundo ele, o Farol da Liberdade pertence oficialmente a Abraham e Arthur Weintraub, que o teriam convidado para assumi-la enquanto estão nos Estados Unidos. 

“Eles pediram: ‘Fica na presidência, a gente confia em você, quando a gente voltar, a gente pega’”, diz. Quem está tocando “o dia a dia da entidade” é o advogado Victor Sarfatis Metta, amigo pessoal de Fakhoury. “Tudo ele me presta contas, eu assino, porque confio nele.”   

Os dois se conheceram em 2018, durante o período eleitoral. Metta disse à Pública que na época era tesoureiro do PSL, então partido de Jair Bolsonaro, e Fakhoury o procurou, disposto a ajudar. “Eu lembro que ele tinha oferecido para quem quisesse algumas ajudas, que ele estava no projeto, estava junto, estava se movimentando. Ativista é isso, né? Ele é ativista”, comenta o advogado.  

Durante o pleito daquele ano, Fakhoury fez doações declaradas às campanhas de Luiz Philippe de Orléans e Bragança e Bia Kicis, candidatos à Câmara dos Deputados pelo PSL, e a Rogério Chequer, que disputava o cargo de governador de São Paulo pelo Partido Novo. Na campanha eleitoral de 2020, o empresário fez também doações declaradas a candidatos bolsonaristas em diversos estados, que somaram R$ 226 mil. Dessa quantia, R$ 165 mil foram direcionados à campanha de Celso Russomanno (Republicanos) para a prefeitura de São Paulo.

Investigações da Polícia Federal no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos indicam que Fakhoury teria pago adesivos e panfletos para a campanha de Jair Bolsonaro em 2018 sem declarar as operações ao TSE. Questionado, ele afirmou que já deu suas explicações sobre o tema e que “não há nenhuma ilicitude”.

Metta ficou na tesouraria do PSL até junho de 2019, quando se mudou para Brasília para integrar a equipe do Ministério da Educação em maio. Foi Fakhoury quem o substituiu no partido, a convite de Eduardo Bolsonaro, à época presidente do PSL em São Paulo. 

O Farol da Liberdade foi uma ideia que surgiu quando Weintraub ainda comandava a pasta, de acordo com Metta, então assessor especial do ministro. O advogado explica que a organização é conservadora, “mas não é exclusivista”. “A gente consegue agregar pessoas o máximo possível, e não ficar separando quem tá com a gente, quem não tá com a gente. Quem tem pensamentos comuns tá com a gente”, comenta.  

A ONG trabalha em três frentes, de acordo com Metta: no patrocínio de estudos —“o que os americanos chamam de think tank— para desenvolver ideias, livros, pensamentos; na comunicação das redes sociais —para agregar pessoas para os ideais defendidos”; e no ativismo judicial, onde o advogado mais atua. 

Metta revelou que há uma série de ações na Justiça “que visam temas que são caros ao projeto”, como por exemplo a que solicita aos fabricantes de máscaras que informem a sua eficácia para vírus, em geral. “Porque todas as máscaras, se você vê nas caixas delas, tem a eficácia bacteriana. É muito raro aparecer a eficácia virológica, então a gente gostaria disso. Por quê? Porque é uma questão do direito do consumidor, direito do consumidor é a liberdade do consumidor saber o que ele está comprando”, justifica. 

O instituto, segundo Metta, é autor de ações contra o toque de recolher em cidades paulistas e na capital. Tema defendido por Jair Bolsonaro, que culpa governos estaduais e prefeituras de terem prejudicado a economia ao longo da pandemia por decretarem lockdown —atendendo às recomendações dos órgãos mundiais de saúde. 

Arthur Weintraub foi apontado na CPI da covid-19 como idealizador do gabinete paralelo, um grupo fora da estrutura do Ministério da Saúde que aconselhava o presidente Bolsonaro na definição de ações de combate ao coronavírus. Em vídeo divulgado pelo ex-assessor da Presidência em junho, ele negou participar do gabinete paralelo, mas admitiu que dava conselhos sobre o assunto. Weintraub falou ainda, em entrevista ao programa Opinião no Ar, da RedeTV, que vem sendo alvo de uma perseguição.

Planos para fugir da “censura”

Assim como os irmãos Weintraub, Otávio Fakoury repete a narrativa de apoiadores de Jair Bolsonaro de que os conservadores estariam sendo perseguidos e censurados no Brasil. Para ele, os inquéritos dos quais é alvo seriam parte disso. “Isso foi feito para você cercear um lado só porque o outro lado marcha pedindo ‘libera todas as drogas’ e não acontece nada. Então tem cunho persecutório sim”, defende Fakhoury. Mais do que isso, para ele, as investigações são ilegais. “Não tem tipo penal de fake news”, argumenta.

O empresário, que já teve uma conta no Twitter bloqueada por decisão do ministro Alexandre de Moraes no inquérito das fake news, revelou à Pública uma alternativa para evitar a “censura”: pretende adquirir uma rádio FM com programação conservadora. “A vantagem do rádio é que você está debaixo de uma outra legislação e não é fácil vir um ministro do Supremo canetar e te tirar, porque o rádio tem uma regra, que é lei”, justifica. 

Suas articulações com o Governo Federal para comprar a rádio foram reveladas em diálogos entre ele, Eduardo Bolsonaro e o ex-chefe da Secretaria de Comunicação do Governo (Secom) Fabio Wajngarten, obtidos pela Polícia Federal no inquérito dos atos antidemocráticos —que teve seu sigilo quebrado antes de ser arquivado. “É urgente que a gente tenha um canal que não possa ser censurado”, escreveu em mensagem de WhatsApp encaminhada a Wajngarten em 22 de maio de 2020.  

'Fakhoury pretende adquirir uma rádio FM com “programação conservadora” para driblar a “censura” de que considera ser alvo nas redes sociais'.

Nas mensagens, transcritas no inquérito dos atos antidemocráticos, Faka, como Fakhoury, é conhecido pelos amigos, também indica possíveis financiadores da iniciativa. Entre eles, o dono da Havan, Luciano Hang, Flávio Rocha, das lojas Riachuelo, e Edgard Corona, proprietário da rede de academias SmartFit, além de ventilar a hipótese de conseguir algum empréstimo via Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). 

O chamado inquérito das fake news investiga os acusados pelos crimes de calúnia, injúria e difamação (arts.138, 139 e 140 do Código Penal). Já no inquérito dos atos antidemocráticos, arquivado por Alexandre Moraes, Fakhoury foi investigado por “supostamente financiar pessoas, partidos ou movimentos que teriam praticado os atos tipificados como crime na Lei 7.170/83″, contra a segurança nacional e a ordem política e social. “Não é crime você colaborar com alguém. Meu dinheiro é legal. Eu faço o que eu quiser com ele”, defende-se.

Coworking de mídia

O mais novo investimento do empresário é um escritório coworking de mídia, chamado “Loopwork”. O espaço, com mais de 500 metros quadrados na avenida Faria Lima, em São Paulo, conta com sala de redação, mesas de edição de vídeo, dois estúdios e editores de plantão e é voltado para jornalistas, influenciadores e youtubers independentes, “de qualquer espectro ideológico”, destaca seu dono. “É um projeto comercial, não tem seletividade nenhuma”, reforça. 

O empreendimento, recém-inaugurado, já tem como cliente o 4×4, programa de YouTube no qual os comentaristas Luís Ernesto Lacombe, Guilherme Fiuza e Rodrigo Constantino, além da ex-jogadora de vôlei e influenciadora Ana Paula Henkel, analisam sob a perspectiva conservadora os acontecimentos da semana. Os apresentadores do programa se envolveram diversas vezes em polêmicas por divulgar informações falsas, inclusive sobre as vacinas contra a covid-19. 

Sócio da Brasil Media House, responsável por produzir o 4×4, João Paulo Gomes Vieira tem recebido transferências mensais de Fakhoury desde março de 2021, que somadas totalizam R$ 140 mil, conforme informações que chegaram à CPI.

“Family office”

Otávio Fakhoury falou sobre o seu coworking, dentre outros assuntos, durante entrevista concedida à reportagem na manhã de 10 de setembro. Ele recebeu a Pública em seu escritório, que também fica na avenida Faria Lima. É um espaço sóbrio, que tem como principal objeto de decoração um retrato em desenho do patriarca Oscar Fakhoury, pendurado no hall de entrada. Na sala onde ocorreu a entrevista, há apenas uma grande mesa de reuniões e uma televisão.

“Aqui é nosso family office”, define, explicando que as salas comerciais são divididas entre ele, a mãe, os primos e tios. Depois de uma carreira no mercado financeiro —que incluiu um período como diretor de câmbio do Lehman Brothers no Brasil até a quebra do banco na crise de 2008—, Fakhoury passou a atuar exclusivamente nos negócios da família. 

Apesar de o encontro ter sido realizado durante a pandemia de coronavírus, a única pessoa que usava máscara de proteção —fora a equipe de reportagem— era a funcionária que nos trouxe água e café durante as duas horas de conversa. “Podem tirar as máscaras se quiserem. Eu não preciso porque já estou imunizado”, diz o entrevistado ao entrar na sala, contrariando as recomendações de especialistas para que pessoas vacinadas continuem utilizando máscaras, sobretudo em locais fechados. 

Era o fim de uma das semanas mais quentes no cenário político nos últimos tempos. Na terça-feira, feriado de 7 de setembro, Fakhoury esteve na avenida Paulista ao lado de Jair Bolsonaro durante os atos antidemocráticos a seu favor. 

O empresário não esconde que contribui há anos com os atos de rua, mas negou que tenha colocado dinheiro nessa manifestação. De acordo com ele, para não dizerem que “o PTB está fazendo financiamento”. “Esse ano eu declarei inclusive que não ia financiar ninguém”, ressalta. “Mas sempre que eu faço ajuda, por exemplo, é para manifestações iguais a essas de terça agora, pacíficas.” 

No sábado anterior, 5 de setembro, ele havia participado do encontro de conservadores CPAC Brasil em Brasília. O evento é uma cópia do norte-americano de mesmo nome e foi promovido pelo Instituto Conservador Liberal, fundado em 2020 por Eduardo Bolsonaro “com o propósito de debater e organizar ideias, fazer eventos, lançar livros, oferecer cursos nacionais e internacionais e ser um local de comunicação entre pessoas que pensam de maneira similar”. Em julho, o deputado havia se reunido com empresários em busca de financiamento para a organização, de acordo com matéria da Folha de S.Paulo. Conseguiu apoio de Fakhoury, que transferiu R$ 65 mil à entidade no mesmo mês, conforme apurou a Pública com a CPI. 

Com Bolsonaro desde 2015

Otávio Fakhoury conheceu os Bolsonaro em 2015, por intermédio de um militar, o coronel do Exército José Gobbo Ferreira, autor do livro Dez anos de PT e a desconstrução do Brasil, lançado em 2013. À época, Fakhoury era um dos líderes do movimento Acorda Brasil, uma dissidência do Vem pra Rua, conhecido por organizar manifestações pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e a favor da Operação Lava Jato, ativa nas redes sociais. Discordâncias internas o levaram a romper com o grupo liderado por Rogério Chequer, que conhecia dos tempos de Citibank, e a fundar o Acorda Brasil com o deputado Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PSL-SP), que ele chama de “príncipe”. 

O coronel levou o jovem empresário de direita ao gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro, onde ficaram conversando até as 22 horas, conforme lembra o empresário. De lá, foram com Jair e Eduardo —que também acompanhava o grupo— até o restaurante do hotel Saint Paul, na Asa Sul, região de Brasília onde Fakhoury possui um apartamento. O encontro durou até 1h30 da manhã. 

Depois disso, conta, ele encontrou Jair Bolsonaro mais algumas vezes no Congresso Nacional e em eventos da militância conservadora. Em 2017, Fakhoury o acompanhou em viagem a Nova York, onde atuou como seu tradutor simultâneo, em palestra que contou com a presença de Olavo de Carvalho e do também escritor conservador Jeffrey Nyquist. 

Apesar disso, o empresário diz não ter amizade pessoal com o presidente. “O único que eu tenho conversa privada, por exemplo em WhatsApp, que eu converso privadamente, é o Eduardo. Com Flávio não tenho, com Carlos não tenho, e com o presidente Bolsonaro também não tenho. Que tristeza que foi quando descobriram isso, né? Porque eu supostamente recebia ordens do Carlos para quem que eu devia dar o dinheiro, que a pessoa ia lá fazer difamação na rede social porque eu dei dinheiro”, diz, referindo-se às investigações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News no Congresso Nacional, instalada em setembro de 2019. 

Otávio Fakhoury foi acusado de financiar páginas e perfis associados à disseminação de informações falsas durante a campanha de 2018 e à orquestração de ataques em massa contra opositores políticos. A CPMI suspendeu os trabalhos no início da pandemia, mas seu retorno está previsto para depois do fim da CPI da Covid no Senado. 

A denúncia contra ele veio em uma reportagem da revista Crusoé assinada pelo jornalista Felipe Moura Brasil, que o apontou como parte da chamada “militância virtual bolsonarista”, se comunicando com membros do governo e influenciadores e blogueiros alinhados em grupos no WhatsApp. 

O empresário processou o jornalista por danos morais e entrou com ação por direito de resposta, mas foi derrotado em ambos os casos. Fakhoury segue alegando que a matéria é mentirosa e tenta virar o jogo dizendo que foi isso que o fez se aproximar da militância bolsonarista. “Eu sempre fiquei silencioso, até um dia que um jornalista botou uma matéria de gabinete do ódio. Aí, Felipe Moura Brasil, agora você tem uma plateia inteira do ódio”, disse em sua palestra ao CPAC Brasil, em setembro.

No entanto, a ligação entre Fakhoury e páginas e perfis de apoio ao presidente vem de muito antes, principalmente através do site Crítica Nacional, do blogueiro Paulo Eneas. Em março de 2019, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo havia apontado o portal como parte de uma “rede bolsonarista ‘jacobina’”,  apelidada também de “gabinete do ódio” do Governo, ao lado de outras páginas como Terça Livre, Conexão Política e Renova Mídia.

Assim como boa parte dos seus contatos, Fakhoury diz ter conhecido Eneas em manifestações pelo impeachment de Dilma. “Eu comecei a ir para rua nesses movimentos e às vezes eu via lá um senhorzinho com uma câmera fazendo videozinho”, diz referindo-se ao dono do Crítica Nacional, que na época era apenas um blog. 

Ele ajudou financeiramente o projeto a se tornar um site, comprando equipamentos e alugando um apartamento para Paulo Eneas em São Paulo. Em entrevista ao jornal O Globo, Fakhoury disse ter investido em torno de R$ 30 a R$ 40 mil por ano no Crítica Nacional desde 2016. 

Hoje, o empresário garante não colocar mais dinheiro no site, atuando apenas como parte do “conselho editorial”, dando opiniões, em um grupo no WhatsApp, sobre textos a serem publicados . “Eu ajudei, sim, dei dinheiro no começo, porque eu queria. Eu gostava do trabalho dele. Só que no momento ele começou a ganhar dinheiro lá, não precisa mais de dinheiro”, afirma.

Na mira do STF

Em meados de 2020, os inquéritos dos atos antidemocráticos e das fake news apontaram ligações de Fakhoury com outra iniciativa midiática bolsonarista, a web-rádio ShockWave. As mensagens, que constam de um de seus celulares apreendidos pela Polícia Federal e estão disponíveis entre os documentos do inquérito dos atos antidemocráticos, mostram também que ele tinha contato direto com membros do governo e com outros influenciadores da extrema direita, como queria provar a CPMI.  

Os policiais encontraram trocas de mensagens entre o empresário, políticos e influenciadores sobre a intenção de migrar a ShockWave para a rádio convencional. “O nosso projeto é colocar a ShockWave em FM”, disse ao deputado Eduardo Bolsonaro, a quem procurou em busca de contatos para a compra de uma rádio. 

Fakhoury nega ter relação com a ShockWave, afirmando que se tratava de um acordo de mútuo apoio entre a web-rádio e o portal Critica Nacional, de Paulo Eneas. “ShockWave é um projeto de terceiros que eu nunca me envolvi”, afirma. A iniciativa está registrada no nome de Juliana Vaz Caprara, conhecida como Ju Ginger, e tem entre seus colaboradores o advogado Evandro Pontes, que Otávio admite conhecer. 

Ele argumenta ainda que os portais aos quais é associado não praticam crimes. “Sabe quantos processos por calúnia, injúria e difamação o Crítica Nacional tem? Zero”, diz. No entanto, tanto o Crítica Nacional quanto a ShockWave já perderam na Justiça processos de danos morais contra a jornalista Madeleine Lacsko, colunista do jornal Gazeta do Povo —o que o empresário descreve como “briga pessoal”. 

O blogueiro Paulo Eneas, do Crítica Nacional, foi condenado em novembro de 2020 pela Justiça de São Paulo por “alastrar boato difamatório contra a autora, que a associava a uma ‘conspiração global satanista envolvendo o STF, a artista Marina Abramovic e a suposta condescendência de tais pessoas com o abuso sexual infantil”’. A narrativa faz parte de uma falsa teoria de que haveria um grupo de pessoas com interesse em legalizar a pedofilia como uma nova orientação sexual aceita pela sociedade. Um dos principais expoentes dessa teoria é Olavo de Carvalho. 

Já Juliana, da ShockWave, foi condenada em maio de 2021 por dar sequência a essas difamações contra Madeleine. “As afirmações feitas pela demandada em rede social (tais e quais coligidas aos autos), englobando a autora numa narrativa fantasiosa de ser ela ‘satanista’ e ‘defensora da prática de pedofilia ou de pedófilos’, evidentemente, são passíveis de reparação por danos morais’”, determinou o juiz Eduardo de Lima Galduroz, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). “O que eu aleguei é que eles me causam dano laboral. Por que não é uma pessoa que falou uma coisa uma vez. Não. É um grupo, depois eu fui ver, que é de pessoas que se conheciam, que se relacionavam”, conta a jornalista. 

Madeleine sofre ataques virtuais desde 2015, vindo principalmente de páginas e perfis bolsonaristas. Apesar de ter ganhado os processos, já transitados em julgado, ela ainda não recebeu o pagamento das indenizações por danos morais dos condenados. “Pra mim pouco importa o que eles estão falando de mim, mas eles transformaram isso num jogo, com anuência das plataformas, e quem tá pagando prejuízo sou eu, sozinha”, diz. 

Os inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) identificaram uma série de grupos de WhatsApp relacionados à militância bolsonarista nos celulares de Fakhoury, entre eles um ligado à web-rádio ShockWave, o “CN Shockwave Radio” e outros como o “Mkt Bolsonaro”, e “Influencers conservadores”, que tinha como integrante o blogueiro Allan dos Santos, do portal Terça Livre – também investigado nos inquéritos do STF.  

Fakhoury, porém, nega ter relação próxima com grande parte dos integrantes desses grupos. “Não adianta falar que eu estou ligado com cara que eu nunca troquei uma mensagem, só que eu estava no grupo em que eu não falo nada, entendeu?”, afirma à reportagem.

Para reforçar seu argumento, mostrou em seu celular um grupo intitulado “Povo Valente”. “Eu não leio nunca, tem 1.051 mensagens [não lidas]. Olha quantas pessoas tem no grupo”, exemplifica, apontando para o aparelho. Dos 167 membros, cerca de 50 estavam salvos como contatos no seu celular. Destes, grande parte era de políticos e influenciadores conhecidos no meio bolsonarista. Estão no grupo o deputado federal Paulo Eduardo Martins (PSC-PR); o deputado estadual Gil Diniz (sem partido-SP); o youtuber Paulo Souza, do canal Hipócritas; e o blogueiro Italo Lorenzon, do portal Terça Livre. Ainda assim, o empresário nega que seja um grupo ligado ao governo ou a políticos. “Gente comum, gente que não é da política. Tem deputado que tá aqui no grupo, mas nunca fala nada”, justifica.

'Fakhoury é o atual presidente do diretório estadual do PTB em São Paulo'.

Apesar de estar no meio político há anos, tendo ocupado cargo na executiva do PSL, o PTB é o primeiro partido ao qual Fakhoury se filiou. “É o único partido que eu vi com o estatuto virado mais para direita. O estatuto mesmo, como regra”, explica. Um dos possíveis nomes a serem lançados como candidato pelo PTB nas próximas eleições, aliás, é ninguém menos do que o presidente Jair Bolsonaro, que no momento encontra-se sem partido.

Agência Pública / El País

O que significa a volta da esquerda ao poder nos países nórdicos, depois de 60 anos




O trabalhista norueguês Store (à direita) vibra com a vitória

Por Norberto Paredes

Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia agora têm governos social-democratas. Quais são as implicações dessa mudança e quanto tempo isso pode durar? Com uma campanha focada nas “pessoas comuns”, o líder trabalhista Jonas Gahr Støre encantou o povo norueguês e venceu as eleições gerais no país escandinavo na semana passada.

Com a vitória deste milionário de 61 anos nascido em Oslo, a Noruega não é mais o único país nórdico com um governo conservador. Agora todas as nações da região terão governos social-democratas.

DE VOLTA AO FUTURO – É a primeira vez em mais de 60 anos que a esquerda governa os cinco países nórdicos (Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia), admirados tanto por seus indicadores econômicos quanto por seu amplo bem-estar social.

Durante décadas, eles registraram altos níveis de riqueza per capita, baixa desigualdade e hoje são os cinco países (junto com Suíça, Alemanha e Holanda) onde as pessoas são mais felizes, de acordo com o Índice de Felicidade Global das Nações Unidas publicado este ano. E também hoje eles parecem compartilhar o amor pela social-democracia.

Para Haldor Byrkjeflot, professor de sociologia da Universidade de Oslo e especialista em países nórdicos, essa nova “hegemonia de esquerda” é consequência do ressurgimento da popularidade do chamado “modelo nórdico” na região.

MODELO NÓRDICO – “Quase todos os partidos apoiam o modelo nórdico, mas não se pode negar que os social-democratas foram fundamentais (para o desenvolvimento) do modelo”, disse Byrkjeflot à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

O especialista destaca que com a crise da covid-19, há muito mais ênfase na redução da desigualdade, que vem crescendo desde o início da pandemia. Esse é um dos motivos que impulsionou o retorno da esquerda.

O modelo nórdico surgiu em resposta à crise do início dos anos 1930, sob a liderança de governos social-democratas, mas começou a ganhar força durante a grande depressão econômica e social deixada pela Segunda Guerra Mundial.

BEM-ESTAR SOCIAL – O modelo gira em torno de um grande Estado de bem-estar que promove mobilidade social e um sistema de negociação coletiva de vários níveis. Pode-se dizer que sua principal característica é a colaboração social.

“O modelo nórdico é baseado na cooperação entre sindicatos, empregadores e o Estado”, explica Haldor Byrkjeflot. Segundo o sociólogo norueguês, o trabalho conjunto entre essas três forças explica os bons indicadores de igualdade nas sociedades nórdicas.

Alguns, como o ex-primeiro-ministro dinamarquês Lars Løkke Rasmussen, gostariam de lembrar que o modelo nórdico não significa que os países da região sejam socialistas. “Eu sei que algumas pessoas nos Estados Unidos associam o modelo nórdico a algum tipo de socialismo. A Dinamarca está longe de ser uma economia socialista. A Dinamarca é uma economia de mercado”, disse ele em discurso na Escola de Governo Kennedy, de Harvard, em 2015.

SOCIAL-DEMOCRACIA – Para muitos especialistas, é mais apropriado descrever os países nórdicos como social-democracias. E está havendo uma reação à ‘política de direita’. Johan Strang, professor do Centro de Estudos Nórdicos da Universidade de Helsinque, ressalta que há décadas a Europa e o mundo ocidental têm “se beneficiado e sido prejudicados pelos prós e contras” do neoliberalismo.

“Os benefícios sociais foram reduzidos, alguns serviços de assistência social foram privatizados, propriedades públicas foram vendidas”, disse o acadêmico finlandês à BBC News Mundo.

“A virada para a esquerda é provavelmente uma reação a tudo isso e uma forma de crítica às políticas que os governos de direita implementaram”.

HÁ DIFERENÇAS – As particularidades variam conforme o país. Na Finlândia, as privatizações são criticadas e muitos pedem reformas no sistema de saúde misto (privado e público), enquanto na vizinha Suécia persiste o descontentamento com a escassez e o alto preço de moradia, bem como a segregação nas escolas, onde os mais ricos têm melhores condições para escolher os colégios de seus filhos.

“E na Noruega, as pessoas da periferia das cidades reclamam que foram abandonadas por governos de direita”, observa Strang.

Depois de oito anos sob um governo conservador, a esquerda norueguesa voltou ao poder prometendo uma redução de impostos para famílias de baixa e média renda. Além disso, a esquerda prometeu acabar com a privatização dos serviços públicos, dar mais dinheiro aos hospitais e forçar os mais ricos a pagar mais impostos.

VITÓRIA ESMAGADORA – E com essa agenda a vitória foi esmagadora: o Partido Trabalhista e seus dois aliados de esquerda conquistaram 100 dos 169 assentos no Parlamento. A campanha voltada para “pessoas comuns” valeu a pena. Os resultados das eleições mostram que a ideia de um governo representando “o povo comum” mais uma vez seduz os nórdicos.

Com uma região nórdica politicamente mais homogênea, pode-se pensar que os países estão caminhando na mesma direção. Mas os especialistas concordam que isso é difícil de prever.

Strang, da Universidade de Helsinque, estima que, apesar de o modelo nórdico ter sido “neoliberalizado” nas últimas décadas, ele parece estar voltando às suas origens. “Mas ainda é muito cedo para dizer isso”, esclarece. “Ajuda o fato de os países terem governos social-democratas, mas do ponto de vista histórico, os políticos de esquerda da região costumam ter personalidades fortes, que se chocam e eles acabam não se dando muito bem”, lembra Strang

ADAPTAÇÃO POLÍTICA – Foi o caso dos sociais-democratas Paavo Lipponen e Göran Persson, que lideraram a Finlândia e a Suécia, respectivamente, no início dos anos 2000. As diferenças entre os dois líderes eram grandes e eles não fizeram nenhum esforço para escondê-las.

Os partidos de esquerda nas democracias nórdicas também são notáveis por seu pragmatismo e flexibilidade: eles adaptam suas políticas ao longo do tempo e de acordo com suas necessidades. Enquanto os sociais-democratas na Dinamarca se voltaram contra a imigração, na Suécia e na Noruega eles têm uma abordagem “mais humanística”, lembra Byrkjeflot, da Universidade de Oslo.

Haverá agora uma longa era social-democrata? Atualmente, o sistema político nórdico, como em toda a Europa, está em crise e a questão da gestão da imigração e do tratamento dos migrantes suscita grandes debates.

DIVISÃO PARTIDÁRIA – Os partidos tradicionais têm dificuldade em conquistar o eleitorado. Ao mesmo tempo, os pequenos partidos, alguns deles com uma ideologia mais “extrema” de direita ou esquerda, estão se saindo melhor do que o normal.

Embora o Partido Trabalhista norueguês tenha vencido nas últimas eleições, é graças a outros partidos menores de esquerda, ambientalistas e socialistas, que ele conseguirá formar um governo.

Muitos se perguntam por quanto tempo durará a hegemonia social-democrata nos países nórdicos. Tudo pode acabar muito em breve. Em 25 de setembro, a Islândia realizará suas próximas eleições legislativas. As pesquisas preveem que nove partidos ganharão pelo menos uma das 63 cadeiras no Alþingi (o Parlamento islandês), então o quadro será muito misto.

E para governar, uma maioria – direita ou esquerda – terá que formar uma coalizão. “Não se pode dar como certo que temos uma longa era social-democrata em andamento”, disse Haldor Byrkjeflot. “Mas aqueles que haviam previsto o fim da social-democracia se enganaram”.

Nota do blog Tribuna da Internet – Importante matéria. Confirma na política a eterna dualidade da vida. Por isso, o bom senso recomenda que seja seguido o caminho do meio, mas no Brasil ainda estamos longe disso, trilhando o caminho da esculhambação, esta é a nossa realidade. (C.N.)

BBC Brasil / Tribuna da Internet

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