Publicado em 1 de outubro de 2024 por Tribuna da Internet
Carlos Newton
Já mostramos aqui na Tribuna que existe enorme diferença entre as investigações sobre crimes de civis e de militares no chamado Inquérito do Fim do Mundo, aberto há quase seis anos e que não tem prazo para acabar, fato que, por si só, seria suficiente para se arquivar tudo o que já foi apurado e tocar a vida para frente.
No caso de investigação policial civil, o artigo 10 do Código de Processo Penal determina que “o inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão”. Se não estiver preso, o prazo sobe para 30 dias.
Se for inquérito policial militar, o prazo para conclusão também varia, com 20 dias a partir da ordem de prisão, ou 40 dias a partir da data de instauração do inquérito, se estiver solto.
PRORROGAÇÃO – Para haver prorrogação, é preciso um relatório substancial ao magistrado. Mas, no caso, como o juiz chama-se Alexandre de Moraes e a instância é o Supremo, todas as regras podem mudar mediante “interpretação”, e a Polícia Federal já não se atém ao prazo legal, vai pedindo prorrogação somente a cada 90 dias.
E a Procuradoria, que tem o papel de arquivar inquéritos ilegais desse tipo, se omite, e assim la nave va, cada vez mais fellinianamente.
Em meio a essa esculhambação judicial, o Inquérito do Fim do Mundo abriga importantes e intrigantes controvérsias, como as identificadas entre os depoimentos do comandante do Exército no fim da gestão de Bolsonaro, general Freire Gomes, e o chefe do Comando das Operações Terrestres, general Estevam Cals Theóphilo, também de quatro estrelas e membro do Alto Comando.
PEGA NA MENTIRA – Bem, é certo que um dos dois está mentindo sobre a reunião de Estevam com o então presidente Jair Bolsonaro em dezembro de 2022. Ou, pior, os dois podem estar mentindo.
Como a Polícia Federal e a força-tarefa montada por Moraes pouco estão ligando e não se interessam por eliminar essa contradição, vamos descartar este assunto e abordar um caso semelhante.
O segundo exemplo de contradições insanáveis é a investigação sobre o ex-ministro da Justiça, delegado Anderson Torres.
Em seus depoimentos, o então comandante do Exército, general Freire Gomes, e o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Junior, confirmaram a presença de Torres em pelo menos um dos encontros para discutir a possibilidade de golpe.
TORRES NEGA – O ex-ministro da Justiça insiste em só ter encontrado com Freire Gomes e Baptista Junior apenas uma vez, no Alvorada. Na ocasião, teria apenas cumprimentado os militares que chegavam para se encontrar com Bolsonaro.
Para desfazer a acusação, a defesa de Torres solicitou ao ministro Alexandre de Moraes acesso aos registros de entrada dos palácios da Alvorada e do Planalto, além de dados de geolocalização do seu telefone e dos celulares de Bolsonaro, Freire Gomes e Baptista Junior.
O objetivo é desmentir a versão dada pelos militares de que Torres teria atuado como “suporte jurídico” para a elaboração da minuta golpista apresentada em reuniões na presença de Bolsonaro e de aliados.
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P.S. – Na petição, assinada pelo advogado Eumar Novacki, foi solicitado um novo depoimento de Torres, bem como uma acareação com os oficiais, caso as supostas contradições não sejam sanadas. Trata-se de um ponto muito importante a ser elucidado. Civil ou militar, ninguém pode mentir em depoimento à Polícia. Se os dois chefes militares mentiram para agravar as acusações a Anderson Torres, devem ser desmascarados e submetidos à execração pública, já que jamais sofrerão punições por cometer perjúrio (falso testemunho), cuja pena é reclusão de três a oito anos, além de multa. Mas quem se interessa? (C.N.)