Certificado Lei geral de proteção de dados

Certificado Lei geral de proteção de dados
Certificado Lei geral de proteção de dados

terça-feira, outubro 11, 2022

Como bolsonarismo 'encolheu' bancada evangélica na Câmara




Especialistas afirmam que fortalecimento do bolsonarismo pode ter contribuído para a queda da bancada evangélica

Por Leandro Prazeres, em Brasília

Influente, temida por setores da esquerda e um dos braços fortes da direita, a bancada evangélica teve uma ligeira diminuição no número de membros na comparação entre o número de parlamentares em 2018 e os que se elegeram neste ano.

De acordo com os cálculos do pesquisador Guilherme Galvão Lopes, da Fundação Getulio Vargas (FGV), em 2018 foram eleitos 84 parlamentares evangélicos. Neste ano, ele estimou o número de eleitos entre 60 e 65.

Galvão e outros especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, avaliam que parte da responsabilidade por essa redução se deu pelo crescimento do chamado bolsonarismo, uma corrente política conservadora liderada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

Se por um lado o número de evangélicos eleitos caiu, por outro, a bancada do PL, partido de Bolsonaro, saiu de 33 deputados federais em 2018 para 99 em 2022.

Apesar disso, os especialistas afirmam que a redução da bancada evangélica não deverá significar uma diminuição da influência da pauta religiosa conservadora no Parlamento.

Segundo eles, isso deverá acontecer porque, a maior parte das pautas defendidas pelos candidatos evangélicos foi incorporada pelo bolsonarismo.

Assim, ainda que o número de candidatos ligados ao eleitorado tenha caído, a pauta continuaria influente porque será defendida por candidatos bolsonaristas.

"O bolsonarismo assimilou a pauta conservadora e fez com que candidatos de fora do universo evangélico, mas que defendem essas pautas, ganhassem destaque nas eleições", resume Galvão.

Do candidato pastor ao candidato bolsonarista

A atenção ao eleitorado evangélico ganhou novos contornos nos últimos anos. Dados de 2020 do Datafolha mostram que evangélicos (em suas diversas denominações) somariam 31% da população brasileira.

São o segundo grupo religioso mais numeroso do país, atrás apenas dos católicos, que representariam 50% da população.

Há algumas décadas, esse volume de eleitores passou a se materializar em uma bancada influente no Congresso Nacional. O grupo já deu suporte aos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT), mas a partir de 2014, passou a se posicionar de forma crítica ao PT.

Em 2018, lideranças influentes no universo evangélico como o pastor Silas Malafaia, da Igreja Assembleia de Deus, e Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, declararam apoio à candidatura de Jair Bolsonaro.

Neste ano, o apoio de Malafaia, por exemplo, foi redobrado. Recentemente, o pastor acompanhou Bolsonaro em viagens internacionais ao Reino Unido e aos Estados Unidos.

Ao longo de sua campanha em 2018 e durante o seu governo, Bolsonaro se colocou como aliado do eleitor evangélico e defensor de pautas importantes para parte desse eleitorado como a não-descriminalização das drogas e do aborto.

Lula, que disputa o segundo turno das eleições presidenciais com Bolsonaro, vem tentando conquistar o apoio dessa faixa do eleitorado. As pesquisas de intenção de voto mais recentes como a do Ipec, no entanto, continuam apontando que o eleitor evangélico continua preferindo Bolsonaro ao petista.

Levantamento divulgado na quinta-feira (7/10) mostra que 61% dos eleitores evangélicos afirmam votar em Bolsonaro contra 31% que dizem votar em Lula.

Galvão explica que esse deslocamento do voto evangélico para candidatos bolsonaristas se deu, em grande parte, pelo fato de o bolsonarismo não representar apenas as bandeiras tradicionalmente evangélicas. Segundo ele, o movimento liderado por Bolsonaro oferece isso e outras pautas.

"Anteriormente, tínhamos parlamentares de diferentes denominações exercendo liderança sobre esse eleitorado. Hoje, elas veem Bolsonaro e o bolsonarismo com essa liderança.

Antes, os candidatos pastores militavam em pautas mais específicas do eleitorado evangélico. Agora, candidatos bolsonaristas oferecem essas mesmas pautas e outras como a da segurança pública", disse o professor.

"Quem ficou apenas no discurso evangélico e não se engajou com o bolsonarismo perdeu voto. Se a gente for olhar friamente, os candidatos evangélicos mais identificados que foram pro PL e que estiveram mais engajados com o bolsonarismo tiveram o melhor desempenho eleitoral", diz o pesquisador.

'Especialistas afirmam que o eleitor evangélico se transformou em uma das bases mais sólidas do eleitorado bolsonarista'

Irmão (nem sempre) vota em irmão

A professora de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER), Jacqueline Moraes Teixeira, aponta uma outra possível causa para a diminuição da bancada evangélica em detrimento do aumento da bancada bolsonarista.

Segundo ela, pesquisas recentes mostram que, para o eleitor evangélico, mais importante do que o candidato ser evangélico é que ele seja identificado como cristão. Isso contrapõe um ditado que circulou durante anos dentro do universo religioso sobre o assunto: "Irmão vota em irmão".

"Candidatos que constroem sua imagem dentro de uma identidade cristã recebem o voto do evangélico independentemente de suas filiações religiosas. Já vimos, em 2020, por exemplo, candidatos católicos terem melhor desempenho nesse segmento dos candidatos evangélicos", explicou a professora.

O pastor, sociólogo e pesquisador do ISER, Clemir Fernandes, aponta um outro motivo que ajudaria a explicar a redução no número de evangélicos eleitos em 2022.

"Uma hipótese pertinente é que há certa exaustão em se falar de política nos espaços de cultos das igrejas. Os evangélicos são cidadãos e têm participado cada vez mais da política institucional, mas parece haver um crescente mal-estar em falar de política nos cultos e púlpitos das igrejas", disse o pesquisador.

"É como se pastores e líderes estivessem misturando demais 'sagrado' e 'profano', ou fé com política num nível tido como razoavelmente inaceitável. Política os crentes têm na rede social, no WhatsApp, na TV, no trabalho. Na igreja, ele quer uma mensagem de espiritualidade e de paz, não de tensão, como é próprio da política por dividir opiniões", diz Clemir Fernandes.

'Em 2018, quase 70% dos evangélicos votaram em Bolsonaro e foram cruciais para a eleição dele. Agora, pesquisas de opinião mostram que parte das mulheres evangélicas está migrando votos para Lula'

Pauta se mantém forte

Para Guilherme Galvão, doutorando em História e Política pela FGV e autor do livro "Evangélicos, Mídia e Poder", a queda no número de evangélicos eleitos para a Câmara dos Deputados não deverá levar a uma redução da influência da pauta conservadora defendida por parte desse eleitorado no Parlamento.

"Essa queda não é uma demonstração de fraqueza da pauta evangélica. Bolsonaro fez com que houvesse um deslocamento do voto em candidatos evangélicos em candidatos identificados com o bolsonarismo. A pauta continuará relevante e influente ainda que defendida por parlamentares não-evangélicos", avaliou o professor.

Clemir Fernandes pontua que a maior aceitação de propostas conservadoras pode ter feito aumentar o número de candidaturas que defendam esse tipo de pauta. Consequentemente, o que poderia indicar uma redução da influência dessa agenda, na realidade pode ser um aumento do seu poder na cena política.

"Talvez a ampliação desses temas morais e tradicionais na sociedade tenha aumentado a oferta de candidaturas, mesmo sem identidade religiosa [...] O que pode parecer redução da bancada evangélica é uma possível ampliação de uma 'bancada conservadora', tanto na Câmara Federal e Senado, mas também nas assembleias legislativas estaduais", disse o pesquisador.

Jacqueline Teixeira concorda com a avaliação de Galvão.

"O fato de a bancada evangélica ser menor não diminui o engajamento da pauta porque ela será replicada com muita força por outros parlamentares que não são evangélicos", afirmou a pesquisadora.

Jacqueline Moraes diz que tão importante quanto avaliar a quantidade de parlamentares evangélicos eleitos é ver o tamanho que a Frente Parlamentar Evangélica (FPE) terá no Congresso Nacional a partir de 2023. A FPE é um grupo suprapartidário composto por evangélicos e não-evangélicos que defende as pautas relativas a esse segmento do eleitorado.

"A articulação dessas pautas dentro da Frente Parlamentar Evangélica pode ser maior do que dentro desse grupo reduzido e mais coeso que o de parlamentares religiosos", explica. 

BBC Brasil

Congresso conservador ou bolsonarista?




Perfil dos eleitos indica maior radicalismo na próxima legislatura

Por Bruno Carazza* (foto)

A aliança entre o bolsonarismo e o Centrão sagrou-se vencedora na eleição para a Câmara e o Senado. Para entender as implicações desse movimento, no entanto, é preciso fazer um raio-X dessa composição de forças da direita.

Somando-se os eleitos pelo PL, PP e Republicanos e colocando na conta o União Brasil (que negocia uma fusão com o PP) serão 246 deputados e 35 senadores - o que representa 48% e 43% dos plenários de cada Casa legislativa, índices bem próximos para se garantir maiorias.

A esquerda (PT/PCdoB/PV, Psol/Rede, PSB e PDT) terá 125 deputados e 13 senadores. É muito pouco: apenas 24,4% da Câmara e 16% do Senado.

Quatro anos depois da eleição de Bolsonaro, o Congresso também dobrou à direita, para citar o título do livro de Jairo Nicolau.

Para saber qual a margem que o próximo presidente terá para governar, contudo, é preciso identificar se essa direita eleita é mais bolsonarista ou apenas fisiológica, como o Centrão sempre foi.

Isso é importante porque, no caso de vitória de Lula, as chances de implementação de sua agenda serão proporcionais à quantidade de membros não-bolsonaristas do Centrão que ele vai conseguir atrair para sua base.

Já na eventualidade de virada e reeleição de Bolsonaro, entretanto, a possibilidade de aprovação de medidas radicais (como a alteração da composição do Supremo a seu favor, com PEC ou impeachment de ministros) cresce se o contingente de seus apoiadores mais fiéis for mais robusto.

Comecemos a análise pelo Senado, que nos últimos quatro anos constituiu-se na principal força de contenção das propostas mais disruptivas do presidente no Legislativo. A lista dos 27 senadores eleitos no domingo indica que essa barreira ameaça ruir graças ao bolsonarismo.

A bancada pessoal de Bolsonaro no Senado será significativamente ampliada com a eleição de vários seguidores de longa data - como Damares Alves (Republicanos-DF), Tereza Cristina (PP-MS), Magno Malta (PL-ES), Marcos Pontes (PL-SP), Rogério Marinho (PL-RN), Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e Jorge Seif (PL-SC) - e de novatos, como Cleitinho Azevedo (PSC-MG).

Eles se somam a um grupo sólido de bolsonaristas-raiz que já exerciam mandato, como seu filho Flávio (PL-RJ), Carlos Viana (PL-MG), Marcos Rogério (PL-RO) e Luiz Carlos Heinze (PP-RS). A bancada pessoal de Bolsonaro, portanto, é praticamente do mesmo tamanho de toda a esquerda junta no Senado.

Na Câmara, há elementos para se suspeitar que o bolsonarismo mais arraigado cresceu mais do que o Centrão fisiológico.

Em qualquer recorte que se faça, o partido de Bolsonaro é dominante. Entre os 290 deputados federais reeleitos, o PL apresentou a maior taxa de sucesso (81,4%) mantendo 58 integrantes.

Considerando os 90 detentores de outros cargos (prefeitos, vereadores, deputados estaduais, governadores, etc.) que conseguiram uma vaga na Câmara, o PL ficou em primeiro lugar (empatado com União Brasil e PT), emplacando 12 novos membros.

E entre os 87 novos deputados federais que nunca haviam ocupado um cargo legislativo, o PL também venceu, com 23 eleitos. Entre eles estão bolsonaristas de carteirinha, como Nikolas Ferreira, Ricardo Salles, Eduardo Pazuello, Alexandre Ramagem, Mário Frias, Maurício do Vôlei, o caminhoneiro Zé Trovão, Roberto Monteiro (pai de Gabriel Monteiro, o deputado estadual cassado no Rio de Janeiro) e tantos outros.

Um outro caminho para mapear o rumo que o Congresso vai seguir no ano que vem está na identificação, entre os eleitos, de parlamentares representantes de igrejas e de forças militares, dada a sua notória identificação com a pauta conservadora e as bandeiras bolsonaristas.

Computando o número de parlamentares que, em alguma eleição desde 1998, se identificou como liderança religiosa (sacerdote, pastor, padre, bispo, etc.) ou como militar (nas suas variadas patentes), constata-se que as bancadas religiosa e militar vêm crescendo no Congresso nos últimos pleitos.

De um total de 23 eleitos em 1998 (15 religiosos e 8 militares), o movimento ganhou impulso a partir de 2014 (20 religiosos e 15 militares) e 2018 (23 religiosos e 29 militares). Neste ano, foram eleitos 22 deputados ligados a igrejas e 38 integrantes das Forças Armadas e polícias civis e militares - um recorde.

É importante notar, óbvio, que nem todo religioso ou militar é necessariamente conservador, de direita ou bolsonarista. Porém, dos 60 novos deputados eleitos com essas vinculações, apenas quatro pertencem a partidos da esquerda (PT e Psol).

E quem está na frente das recém-eleitas bancadas da Bíblia e da “bala”? A resposta você já deve imaginar: Jair Bolsonaro, cuja legenda abrigará quase a metade (27 de 60) desses deputados evangélicos e militares que tomarão posse em 2023.

Outra maneira de medir a força do bolsonarismo como movimento político é acompanhar o desempenho eleitoral dos 52 deputados federais eleitos pelo PSL na onda bolsonarista em 2018.

Quatro anos depois, 24 acompanham Bolsonaro no PL, sendo que 15 foram reeleitos (62,5% de sucesso). Entre os 28 que ficaram no União Brasil depois da fusão com o DEM ou se dispersaram por outras siglas, 6 conseguiram se reeleger (21,4%).

Meu amigo Alexandre Goldschmidt tem uma hipótese interessante sobre essa tendência e suas implicações futuras. Ao comparar os desempenhos da bolsonarista Carla Zambelli (reeleita com 946.244 votos) e de Joice Hasselmann - que após romper com o presidente obteve apenas 13.679 votos -, ele argumenta que o apoio irrestrito a Bolsonaro foi uma estratégia vencedora nesta legislatura que se encerra.

Dada a nova configuração do Congresso, com fortes evidências de crescimento do bolsonarismo, o risco da atual legislatura é que, independentemente da vitória de Lula ou de Bolsonaro, o efeito Zambelli-Hasselmann reforce ainda mais a radicalização à direita na política brasileira.

PS: Cometi um erro e uma indelicadeza ao afirmar, na coluna do dia 03/10, que Teresa Surita era esposa de Romero Jucá. Divorciados há mais de uma década, registro aqui a correção e meu pedido de desculpas à ex-prefeita de Boa Vista.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 

Valor Econômico

Disputa renhida - Editorial




Lula e Bolsonaro partem para o vale-tudo no 2º turno, em vez de debater ideias

As primeiras pesquisas realizadas após o primeiro turno da eleição presidencial apontam um acirramento da disputa travada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), que voltarão a se enfrentar nas urnas no dia 30.

Segundo o Datafolha, o ex-presidente chegou ao fim da última semana com 49% das intenções de voto e o atual mandatário atingiu 44%. Outros 6% disseram que votarão em branco ou nulo, e 2% se declararam indecisos.

Considerados apenas os votos válidos, Lula teria 53% e Bolsonaro estaria com 47%. Os números indicam que ambos ganharam votos desde o primeiro turno, mas a vantagem que o líder petista ostentava na etapa inicial da corrida ao Palácio do Planalto encolheu.

Nas três semanas que restam até a decisão, estará em disputa um contingente reduzido do eleitorado. Somados os que cogitam rever a primeira opção e os que ainda não se definiram por nenhum dos dois candidatos, o grupo representa menos de 10% do total de votos.

Considerando a margem estreita que separa os dois adversários e a evidência de que muitos votantes deixam a decisão para última hora, muito pode acontecer. Segundo o Datafolha, no primeiro turno 10% fizeram sua escolha na véspera ou no dia da votação.

Entre os eleitores que preferiram os outros dois postulantes que se sobressaíram no primeiro turno, Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT), muitos estão indecisos. Somente um terço declara voto em Lula, a despeito dos apoios que ele recebeu de ambos.

Os levantamentos mostram que o líder petista mantém grande vantagem entre as mulheres e os eleitores de baixa renda e no Nordeste, a região que mais contribuiu para sustentar sua candidatura até aqui.

Bolsonaro, por sua vez, viu a avaliação de seu governo melhorar e conseguiu equilibrar o jogo no Sudeste. Os dois adversários se encontram empatados na região mais populosa do país, indica o Datafolha.

Ambos continuam enfrentando taxas de rejeição elevadas, o que contribui para estreitar ainda mais suas possibilidades de avanço no segundo turno. Segundo o instituto, 51% dizem que não votariam de jeito nenhum em Bolsonaro, e 46% repudiam Lula.

Lamentavelmente, os dois partiram para o vale-tudo na última semana, na tentativa de desgastar ainda mais a imagem do adversário com vídeos antigos e ataques pessoais. Bolsonaro voltou a fustigar o Supremo Tribunal Federal, num esforço para mobilizar os seguidores mais radicais.

Trunfos pessoais e defeitos dos candidatos são bastante conhecidos do eleitorado, mas sabe-se quase nada sobre seus planos para enfrentar os desafios à espera do próximo governo. Os debates do segundo turno oferecerão mais uma chance para que deem ao eleitor as respostas que ele merece.

Folha de São Paulo

Postado há  por  

A morte da democracia




Não só vivemos em tempos de morte da competência, desvalorização do conhecimento e abandono das referências de hierarquia e ordem, como também nos revemos em noções de pós-verdade e pós-factualidade. 

Por Patrícia Fernandes* (foto)

“Resta-nos analisar a mais bela forma de governo, e o mais belo dos homens: a tirania e o tirano.” (Platão, A República, Livro VIII)

1 Trigger warning

Uma das expressões a que não podemos escapar para compreender os nossos dias é a de “trigger warning”, popularizada em língua inglesa por decorrer da cultura de sensibilidade máxima que o mundo anglo-americano tem exportado para todo o Ocidente. Em língua portuguesa, não é fácil encontrar uma expressão tão sedutora para exprimir o sentido de aviso, advertência ou sinalização de conteúdos possivelmente ofensivos ou capazes de despertar reações traumáticas.

Estamos habituados a esses alertas quando, nos noticiários, o jornalista nos avisa de que as próximas cenas – geralmente de guerra, terrorismo ou acidentes graves – podem ferir a suscetibilidade das pessoas mais sensíveis. E as gerações mais velhas recordarão a bolinha vermelha no canto superior da televisão para indicar a desadequação dos programas ou filmes para os mais novos. Mas este mecanismo popularizou-se agora no mundo académico para assinalar livros potencialmente perigosos (como já aconteceu com Immanuel Kant) ou temas potencialmente traumatizantes – tudo para que as gerações mais novas não sejam emocionalmente perturbadas na sua redoma de vidro.

É, então, com o objetivo de não inquietar as almas mais sensíveis que importa deixar um trigger warning ao livro publicado por Tom Nichols, em 2017: A Morte da Competência: os perigos da campanha contra o conhecimento estabelecido (que desenvolve o artigo inicial publicado no The Federalist).

E que choque pode provir deste livro? Com todo o atrevimento, Tom Nichols afirma que, ao contrário do que está a acontecer nas nossas sociedades, uma sociedade democrática não nos torna iguais em termos de conhecimento: há pessoas que sabem mais do que outras em diferentes assuntos e não podemos afirmar que todas as opiniões são igualmente válidas. Na verdade, as opiniões dos especialistas são mais válidas do que as restantes e a maioria de nós é ignorante em relação à maioria dos assuntos. A sua conclusão é a de que viver numa sociedade democrática não pode ser desculpa para desvalorizarmos o conhecimento especializado e não reconhecermos a nossa ignorância nos assuntos em que não somos especialistas.

2 A morte da competência

O diagnóstico de Tom Nichols debruça-se sobre a sociedade norte-americana, reconhecendo que o seu país tem uma longa história de desconfiança perante os intelectuais (o que justificaria, nomeadamente, a sua longa tradição conspirativa). Já Alexis de Tocqueville tinha relacionado a desconfiança em relação à autoridade intelectual com a natureza da democracia norte-americana, mas Nichols considera que a situação se tem agravado:

“O conhecimento de base do americano médio é tão baixo que este há muito deixou de estar “desinformado”, passou a fase de estar “mal informado” e vai agora a caminho de se afundar no “agressivamente errado”. As pessoas não se limitam a acreditar em coisas parvas, mas resistem ativamente a aprender só para não terem de abdicar dessas crenças.”

O livro parte de exemplos que lhe chegaram de outros especialistas e debruça-se sobre o modo como as nossas sociedades têm destruído a noção e o valor da competência, abordando diferentes dimensões, desde o ensino superior à comunicação social e à internet – e cada uma delas merecendo um artigo próprio.

De acordo com Nichols, o caminho percorrido pelas sociedades democráticas tem defraudado as expectativas mais otimistas: “Pensava-se que anos de melhoria do ensino, o acesso facilitado aos dados, a explosão das redes sociais e a remoção dos obstáculos à participação no debate público iriam melhorar a nossa capacidade de deliberar e decidir.” Em bom rigor, as coisas parecem ter ficado piores e “qualquer discussão pública sobre qualquer assunto descamba numa guerra de trincheiras, em que o objetivo mais importante é o de provar que a outra pessoa está enganada”.

É fácil adivinhar que o autor escreve a pensar nos fenómenos que têm marcado os últimos anos nos Estados Unidos, relacionando a morte da competência com o crescimento dos movimentos populistas, a gradual polarização política e social, a popularização das teorias da conspiração, as ideias de fake news e pós-verdade e, claro, a eleição de Donald Trump. E, neste sentido, a sua posição aproxima-se do argumento apresentado por Jason Brennan, em Contra a Democracia, que já abordamos aqui.

Se Nichols reconhece que as democracias são mais propensas à contestação de tudo o que está estabelecido e que é isso mesmo que as torna democráticas, defende ainda assim que elas não podem prescindir das elites intelectuais e do conhecimento especializado que elas produzem. Na verdade, levar o princípio democrático da igualdade até às últimas consequências significaria destruir a própria democracia.

Concordemos ou não com o valor absoluto do argumento de Nichols, não podemos deixar de reconhecer o fenómeno que o autor identifica e a sua pertinência, na medida em que ele nos confronta diretamente com a natureza das sociedades democráticas: fará parte da essência da democracia dar o mesmo valor à ignorância e ao conhecimento? (o que seria traduzido, na versão de democracia liberal, pelo igual direito ao voto)

3 A morte da democracia

A ideia de autodestruição da democracia não é uma novidade. Naquela que foi a primeira grande crítica apresentada contra a democracia, o ateniense Platão já tinha exposto esse argumento no Livro VIII de A República. De acordo com a dinâmica cíclica dos regimes de poder, as próprias condições democráticas conduzem à sua degradação:

“num Estado assim, o professor teme e lisonjeia os discípulos, e estes têm os mestres em pouca conta; outro tanto se passa com os precetores. No conjunto, os jovens imitam os mais velhos, e competem com eles em palavras e em ações; ao passo que os anciãos condescendem com os novos, enchem-se de vivacidade e espírito, a imitar os jovens, a fim de não parecerem aborrecidos e autoritários.”

Apesar de encontrarmos naquele Livro uma análise mais materialista, a crítica mais ampla de Platão à democracia tem um cariz essencialmente epistemológico: a democracia é a forma de governo da maioria e a maioria é ignorante, pelo que Platão não hesitaria em responder afirmativamente à pergunta com que terminamos o ponto anterior. Um regime político que, em vez de se basear no conhecimento dos mais sábios, conduz o seu destino através das opiniões (doxa) das massas ignorantes não conseguirá escapar ao caos. A crítica política de Platão à democracia corresponde, nesse sentido, à crítica filosófica aos sofistas: encontramo-nos no domínio das muitas verdades e não da Verdade-com-letra-maiúscula.

De facto, foi essa cidade democrática que condenou Sócrates e é por isso que Hannah Arendt diz, no delicioso ensaio com que abre A Promessa da Política: “Foi ao longo do seu processo de reflexão sobre as implicações do julgamento de Sócrates que Platão chegou à sua conceção da verdade como o oposto exato da opinião e, ao mesmo tempo, à sua noção de uma forma de discurso especificamente filosófica como oposto rigoroso da persuasão e da retórica.”

A consequência pode aparecer como surpreendente aos olhos de muitos: de acordo com Platão, a democracia degenera em tirania. O grupo maioritário (o povo) acabará por escolher um protetor e esse protetor tenderá a reforçar o seu poder até adotar uma natureza tirânica. A tirania será, por sua vez, alvo de deterioração, mas durante esse processo caberá ao tirano repor a ordem social e impor, de alguma forma, uma só verdade. Isso acalmará as massas até nova transformação social.

O paralelo com a atualidade – com esta espécie de democracia tardia em que vivemos – não é despiciendo: não só vivemos hoje em tempos de morte da competência, desvalorização do conhecimento científico e abandono das referências de hierarquia e ordem, como também nos revemos em noções de pós-verdade e pós-factualidade. Mas estaremos condenados à morte da democracia e ao apelo da tirania?

*Professora da Universidade da Beira Interior

Observador (PT)

Um Supremo para chamar de seu

 




A diferença é que Lula já conseguiu a impunidade, enquanto Bolsonaro ainda teme a prisão

Por Felipe Moura Brasil (foto)

Em abril de 2018, após a prisão de Lula, o petista Wadih Damous declarou: “Tem que fechar o Supremo e criar uma Corte Constitucional, de guarda exclusiva da Constituição e com seus membros detentores de mandato”. Em setembro daquele ano, José Dirceu reforçou a posição do entorno de Lula: “Primeiro, deveria tirar todos os poderes do Supremo e ser só Corte Constitucional”.

Cinco anos antes, a ex-prefeita de São Paulo pelo PT e então deputada federal pelo PSB Luiza Erundina havia apresentado a PEC 275/13, que transforma o STF em Corte Constitucional, reduz sua competência e amplia o número de ministros, de 11 para 15. Erundina acaba de ser reeleita pelo PSOL e apoia Lula contra Jair Bolsonaro.

Desde a soltura do petista e a anulação de suas condenações, porém, o PT e suas linhas auxiliares têm deixado para o atual presidente a beligerância com o Supremo.

Com 20 aliados eleitos para as 27 vagas em disputa no Senado (são 81 no total), Bolsonaro disse na sexta-feira passada que ficará para depois da eleição a discussão de um projeto para aumentar de 11 para 16 o número de ministros no STF. Foi o que fez o regime militar com o AI-2, decretado em 27 de outubro de 1965 para indicar nomes mais alinhados ao governo, sob o pretexto de melhorar a produtividade da Corte.

Em junho de 2021, Bolsonaro já havia explicitado seu critério: “Eu vou indicar ao Supremo quem toma cerveja comigo. É o critério da confiança, da lealdade mútua. Não basta apenas um bom currículo; tem que falar a minha linguagem”.

O vice Hamilton Mourão, senador eleito pelo Rio Grande do Sul, reforçou na última sexta a agenda bolsonarista, misturada a um ponto menos sensível de debate:

 “A gente tem que trabalhar em cima do que são as decisões monocráticas, do que vem a ser um mandato para os mandatários da Suprema Corte, eu acho que não pode ser algo até os 75 anos, né? Ou dez, ou 12, tem que ser discutido. E outra discussão é essa que o presidente Bolsonaro colocou que é a quantidade de magistrados”.

No domingo, Bolsonaro disse que o aumento do número de ministros “pulveriza o poder deles”, mas que, se for reeleito, pode descartar “essa sugestão” se “o Supremo baixar um pouco a temperatura”; afinal “já temos duas pessoas garantidas lá” (Kássio Nunes Marques e André Mendonça), “tem mais gente que é simpática à gente” e “tem mais duas vagas para o ano que vem”.

Na prática, lulistas e bolsonaristas querem um STF para chamar de seu. A diferença é que Lula já conseguiu a impunidade, enquanto Bolsonaro ainda teme a prisão.

O Estado de São Paulo

Nicarágua, canibalismo e censura do TSE.




Bem mais pantanosa torna-se essa arbitragem quando se estende para além dos limites da propaganda eleitoral, alcançando a imprensa e a grande praça pública virtual que são as redes sociais.

Por Diogo Schelp 

O combate judicial às fake news nessas eleições falhou, conforme previsto. Falhou porque as notícias fraudulentas — ou seja, mentiras travestidas de informação, melhor definição para as fake news — continuam inundando grupos de WhatsApp e a timeline das redes sociais. Mas, principalmente, falhou porque em diversas ocasiões resvalou para o cerceamento da liberdade de expressão e de imprensa. A recente censura do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) à Gazeta do Povo é um exemplo disso. Mas está longe de ser um caso isolado.

Não há nenhuma surpresa nesse fracasso. A disputa eleitoral este ano está mais suja do que pau de galinheiro, com a discussão de propostas de governo sendo completamente abandonadas em prol de um embate em que se explora a rejeição ao adversário com base em acusações apelativas, de cunho pessoal ou religioso. Nesse contexto, a produção e a disseminação de mentiras ou de fatos desvirtuados vicejam.

Um exemplo da distorção dos fatos é a peça de propaganda divulgada pela campanha de Lula que mostra Bolsonaro, em entrevista de 2016, dizendo que comeria carne humana. Os trechos das falas do então deputado Bolsonaro foram tirados de contexto no vídeo editado pelo PT. A pedido da campanha do presidente, o TSE ordenou à equipe de Lula a retirada do ar da peça difamatória.

Outro exemplo de informação falsa que vem sendo divulgada ad nauseam, neste caso por políticos e influenciadores ligados a Bolsonaro, é a de que Lula tem como projeto político perseguir cristãos ou acabar com a liberdade religiosa no país. É o caso de uma postagem no Instagram de Flávio Bolsonaro, senador e filho do presidente, em setembro, que afirmava que em 2010 Lula havia assinado um decreto para "banir a religião cristã". Uma mentira deslavada, obviamente.

Lula, quando presidente, nunca perseguiu cristãos. Ao contrário, nos seus anos de governo o número de membros das diversas denominações evangélicas cresceu enormemente, passando de 15,4% para 22,2% da população, segundo dados do IBGE.

Publicações desse tipo, inclusive algumas feitas por outro filho presidencial, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, também foram derrubadas por ordem do TSE. O problema é que, na mais recente dessas decisões, também foram proibidas postagens absolutamente verídicas, como uma da Gazeta do Povo que tratava do fechamento do canal CNN na Nicarágua e da relação de Lula com o governo daquele país. É verdade que o regime de Daniel Ortega é uma ditadura que persegue católicos e jornalistas. E é verdade que Lula já minimizou o autoritarismo de Ortega e que permanece em silêncio sobre seus mais recentes abusos.

A supressão da postagem da Gazeta do Povo é, sem dúvida alguma, um ato de censura do TSE e merece todo o repúdio. Assim como já foram censurados os sites O Antagonista por noticiar a preferência dos líderes do PCC por Lula e o portal UOL por informar sobre a compra de imóveis em dinheiro vivo por familiares de Bolsonaro (esta uma censura feita pela Justiça a pedido de Flávio Bolsonaro e derrubada pelo STF).

Esse é o problema de se conferir ao Estado, por meio de juízes ou ministros da Justiça Eleitoral, o poder de decidir o que pode ou não ser dito: acaba-se proibindo, em meio a afirmações realmente falsas, também verdades incontestáveis ou interpretações dos fatos que, apesar de polêmicas ou discutíveis, são legítimas.

O TSE tem a atribuição de regular o que as campanhas divulgam na forma de propaganda, entre outros motivos para garantir um mínimo de civilidade no debate eleitoral, que no caso da veiculação "gratuita" em rádio e TV é bancada pelo Estado via renúncia fiscal.

Bem mais pantanosa torna-se essa arbitragem quando se estende para além dos limites da propaganda eleitoral, alcançando a imprensa e a grande praça pública virtual que são as redes sociais.

Não se pode admitir que, a pretexto de garantir a lisura da campanha eleitoral, se promova a censura do TSE a veículos de imprensa. E, no caso das postagens em redes sociais, bem mais democrático e efetivo, em vez de julgar o que é verdade ou mentira em postagens individuais e específicas, seria coibir o comportamento inautêntico — ou seja, o uso de robôs e perfis falsos e o disparo em massa de mensagens de cunho político-eleitoral.

Teria sido possível implantar esse modelo já para essas eleições, mas o grupo político do presidente Jair Bolsonaro foi contra. Por que será?

Gazeta do Povo (PR)

Qual direita?




O bolsonarismo adquiriu um perfil mais claro de movimento de extrema direita, e veio para ficar, sejam quais forem os resultados do segundo turno.

Por Denis Lerrer Rosenfield* (foto)

O novo quadro político-partidário já apresenta uma mudança significativa no que diz respeito às forças de direita em jogo e aos seus diferentes significados. Isso diferentemente das eleições de 2018, quando Bolsonaro representava genericamente a direita em sua aversão ao lulopetismo, a saber, contra as simpatias petistas pelas ditaduras de esquerda, a corrupção, o desrespeito à propriedade privada rural e o descalabro fiscal. Amalgamava ele posições conservadoras, liberais e de extrema direita, nem sempre diferenciadas. O bolsonarismo, nestes quatro anos, adquiriu um perfil mais claro de movimento de extrema direita.

Ele veio para ficar, independentemente dos resultados do segundo turno. Eis por que se torna relevante destacarmos algumas de suas características principais: 1) o seu desprezo pela democracia caracteriza-se pelas reiteradas tentativas de Bolsonaro e de seu grupo de deslegitimarem o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas; 2) a independência entre os Poderes é ameaçada, como se o Supremo Tribunal Federal (STF) fosse um entulho que deveria ser removido; 3) para eles, a democracia não possui um valor universal, sendo tão somente um instrumento para a conquista do poder, que, uma vez alcançado, se torna um fim em si mesmo; 4) de movimento social, o bolsonarismo está se tornando institucional, na medida em que elegeu um número expressivo de deputados e senadores afins com sua ideologia; 5) note-se que deputados eleitos na esteira de Jair Bolsonaro, afastando-se depois, não foram reeleitos, mostrando a coesão deste movimento; 6) o atual presidente considera a sua voz como tendo um valor absoluto, ao qual os outros devem prestar obediência. Sua posição é a de um líder máximo, o que se traduz pelo tratamento que os seus partidários lhe reservam: “mito”; 7) em seus movimentos, os bolsonaristas expõem o que se poderia considerar uma estética da força. Ela se faz presente nas manifestações de motociatas, com homens, alguns armados, andando de motos, com capacetes. Ela se apresentou, também, na proposta do dito “tratamento precoce”, deixando doentes morrerem à míngua, e no absoluto desprezo pela vida. Jamais o presidente visitou um hospital. A estética da força mostrou-se como uma estética da morte; 8) do ponto de vista intelectual, o bolsonarismo é muito pobre, não tendo os equivalentes da extrema direita francesa, como Mauras e Céline; ou do fascismo italiano, como Gentile e outros.

A direita liberal desaparece. O Novo elege apenas três deputados, e o governador Romeu Zema, com uma votação expressiva em primeiro turno, decidiu alinhar-se com Bolsonaro. Eis um fenômeno importante, pois não é uma exceção. Boa parte dos liberais, principalmente por aversão ao petismo, alinhou-se ao bolsonarismo, e isso antes mesmo das eleições. Processo semelhante aconteceu no apoio dos produtores rurais aos conservadores e ao bolsonarismo, pois, com razão, foram os que mais diretamente sofreram com as invasões e a violência do MST, apoiadas pelo PT e por Lula. Os liberais, nesse sentido, tornaram-se uma força auxiliar do atual presidente, tendo perdido suas características próprias. A dita política liberal do governo Bolsonaro, representada pela figura do ministro Paulo Guedes, nada entregou do prometido. Alguém se lembra, ainda, das privatizações de R$ 1 trilhão? E o não pagamento dos precatórios, quebra de contrato, para o pagamento das emendas do orçamento secreto? Entrou em seu lugar, além do atendimento paroquial dos interesses corporativos, sem nenhuma noção de equidade, um social-darwinismo, deixando os pobres à própria sorte. Cortes do programa Farmácia Popular e da merenda escolar são demonstrações disso. Mesmo o Auxílio Brasil tem uma data para o seu término, dezembro de 2022, escancarando a sua intenção eleitoral.

A direita conservadora tem somente um perfil religioso, voltado para as pautas do aborto, da união civil homossexual e da política de gênero na educação. O conservadorismo inglês – para dar um exemplo paradigmático – está baseado em concepções liberais na economia e no respeito às instituições e às tradições. Aqui, os que se apresentam como conservadores jogam precisamente contra as instituições, sempre questionando as regras próprias da democracia. Pode-se, então, dizer que o conservadorismo brasileiro é ideologicamente sem muita consistência, salvo neste aspecto religioso e, para utilizar uma expressão popular, aguado.

Por último, temos uma direita que corresponde à tradição partidária brasileira, afeita sobretudo à satisfação dos interesses particulares, fisiológicos, financeiros, corporativos e paroquiais deste tipo de agremiação. Não tem, nem pretende ter, nenhum tipo de perfil ideológico, terminando por ser o fiel da balança de qualquer governo. É avessa tanto ao extremismo bolsonarista quanto ao petista, ambos podendo ser igualmente prejudiciais aos seus próprios interesses. É firme partidária da conservação de um sistema político que lhe satisfaz.

*Professor de filosofia na UFRGS

O Estado de São Paulo

Quem é o novo comandante das forças russas na Ucrânia

 




"Por mais de 30 anos, a carreira de Surovikin foi marcada por alegações de corrupção e brutalidade", escreveram autoridades de inteligência britânicas

Conhecido pela brutalidade, Sergei Surovikin já foi preso pela morte de manifestantes pró-democracia nos anos 1990. General liderou as forças russas na Síria, onde foi acusado de supervisionar bombardeios sangrentos.

A Rússia nomeou neste sábado (08/10) um novo comandante para sua "operação militar especial" na Ucrânia, após sofrer uma série de reveses no território e em meio a sinais de crescente descontentamento entre as elites russas sobre a condução do conflito.

O general Sergei Surovikin foi nomeado no mesmo dia em que o exército russo sofreu um forte baque com a destruição de parte da ponte de Kerch. A via é a única ligação entre a Rússia e a península ucraniana da Crimeia, anexada ilegalmente por Moscou em 2014.

A nomeação é a primeira de um comandante geral do campo de batalha para as tropas russas na Ucrânia. O nome do antecessor de Surovikin nunca foi revelado oficialmente.

Segundo analistas, a medida pode indicar que Moscou agora entende que suas forças estão em perigo de colapso no país vizinho, num momento em que as tropas de Kiev avançam em todas as quatro regiões que o presidente Vladimir Putin afirma ter "anexado". A nomeação também pode ser uma tentativa do Kremlin de combater as críticas de que o Exército russo está conduzindo mal a guerra..

Atuação na Ucrânia

Sergei Surovikin, de 55 anos, nasceu na cidade de Novosibirsk, na Sibéria. Ele é um comandante veterano que se especializou em infantaria durante grande parte de sua carreira militar, embora também tenha comandado a força aérea russa.

Na Ucrânia, até então ele vinha atuando como chefe do agrupamento militar no sul do país, tendo substituído o general Alexander Dvornikov, que durou apenas alguns meses no cargo.

Segundo a imprensa europeia, Surovikin teria melhorado a eficácia das tropas russas no leste ucraniano, que sofrem com a falta de comunicação e cooperação.

No país em guerra, as forças russas têm sido especialmente assoladas pela incapacidade de coordenar a infantaria, artilharia e força aérea, enquanto a Ucrânia tem avançado com sua contraofensiva nas últimas semanas.

"Surovikin sabe lutar com bombardeios e mísseis – é o que ele faz", afirmava em junho o general Kyrylo O. Budanov, chefe do serviço de inteligência militar da Ucrânia.

Experiente em combate

Antes da Ucrânia, Surovikin já havia servido em vários cargos e era considerado um possível próximo líder do Estado-Maior, o chefe de todas as forças armadas do país.

Ele tem experiência de combate nos conflitos no Tajiquistão nos anos 1990 e na Tchechênia no início da década de 2000, durante a guerra de Moscou contra os rebeldes islâmicos.

Surovikin também comandou as forças russas na Síria em 2017, em apoio a Bashar al-Assad, segundo sua biografia no site do Ministério da Defesa. Comandantes americanos por vezes o consultavam diretamente.

Na Síria, foi acusado de usar táticas "controversas", incluindo a supervisão de bombardeios indiscriminados contra combatentes contrários ao governo sírio. Uma dessas ofensivas brutais destruiu grande parte da cidade de Aleppo.

Em 2020, a ONG Human Rights Watch o citou entre os líderes militares que poderiam ter "responsabilidade de comando" por violações de direitos humanos na Síria.

No exército russo, colegas o apelidaram Surovikin "General Armagedom", por sua abordagem linha-dura e pouco ortodoxa na supervisão de conflitos. "Por mais de 30 anos, a carreira de Surovikin foi marcada por alegações de corrupção e brutalidade", afirmaram autoridades de inteligência britânicas num relatório recente.

Passagem pela prisão

Sergei Surovikin também tem uma história conturbada que inclui duas passagens pela prisão, uma delas por liderar uma ofensiva militar sangrenta contra manifestantes na década de 1990.

Durante a tentativa fracassada de golpe de Estado lançada por radicais soviéticos em 1991, o então capitão, comandou uma divisão de fuzileiros que atravessou barricadas erguidas por manifestantes pró-democracia. Três homens morreram, um deles esmagado.

O militar passou pelo menos seis meses na prisão pelo incidente, mas acabou sendo libertado sem julgamento, de acordo com um estudo do think tank conservador Jamestown Foundation, de Washington.

"É altamente simbólico que Sergei Surovikin, o único oficial que ordenou atirar em revolucionários em agosto de 1991 e de fato matou três, esteja agora encarregado deste último esforço para restaurar a União Soviética. Essa gente sabia o que estava fazendo, e sabe agora", escreveu no Twitter o cientista político e sociólogo russo Grigory Yudin, em reação à nomeação do general para comandar na Ucrânia.

Em 1995, Surovikin também recebeu uma pena suspensa por comércio ilegal de armas, mas a condenação foi posteriormente anulada, afirma a Jamestown Foundation. "No Exército, Surovikin tem uma reputação de total crueldade", acrescenta o estudo. Ele foi incluído numa lista de sancionados pela União Europeia em 23 de fevereiro, um dia antes da invasão russa da Ucrânia.

Deutsche Welle

Em destaque

Explicando o “Bicho-Papão” de Vitória da Conquista: Muralha Digital

Por: João de Jesus O município de Vitória da Conquista/BA deu um importante passo para a segurança no trânsito com a implementação do Sistem...

Mais visitadas