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segunda-feira, setembro 05, 2022

Foguetes, bissexuais e ...




A prioridade é mandar minorias para a Lua, obviamente. Como diz o site do Projeto Artemis da NASA: “Com as missões Artemis, a NASA vai fazer pousar a primeira mulher e a primeira pessoa de cor na Lua.”

Por Alexandre Soares Silva (foto)

Neste sábado, haverá uma segunda tentativa de lançamento do novo foguete lunar da NASA. É o primeiro foguete lunar desde o fim do programa Apolo, cinquenta anos atrás. Vai passar atrás da Lua e voltar. Não vai transportar ninguém, só três manequins; mas a idéia é eventualmente voltar a mandar foguetes tripulados para a Lua.

Só que desta vez, como estamos em 2022, a prioridade é mandar minorias para a Lua, obviamente. Como diz o site do Projeto Artemis da NASA: “Com as missões Artemis, a NASA vai fazer pousar a primeira mulher e a primeira pessoa de cor na Lua.”

Aparentemente, agora tanto racistas quanto antirracistas estão unidos pelo desejo de mandar negros para o espaço. É a aliança mais inesperada desde que comunistas e nazistas se juntaram na greve alemã do transporte público de 1932.

O site da NASA diz também que a agência quer “garantir que nossos programas sejam acessíveis a todos os americanos e especialmente àqueles que vivem em comunidades historicamente carentes em todo o país…como negros, latinos, indígenas e nativos americanos, asiático-americanos e ilhéus do Pacífico e outras pessoas de cor”, além de “bissexuais”, “pessoas com deficiências” e “pessoas que vivem em áreas rurais.”

Nada absurdo nisso. É inteiramente verdade que bissexuais como Lou Reed ou David Bowie faziam parte de comunidades “historicamente carentes”, a dos astros bissexuais de rock.

As pessoas reclamam que é um projeto sem objetivo claro, embora pelo menos o objetivo propagandístico seja evidente. E também caro: o projeto todo, incluindo dez viagens de foguetes cheios de asiáticos-americanos e ilhéus do Pacífico, vai custar US$ 93 bilhões. Mas o jornal The Guardian acha que vale cada centavo, porque ver a Terra do espaço mostra “o quanto o planeta é frágil”, e pode ser um “estímulo aos movimentos ecológicos”.

Entendo as reclamações contra o projeto. É woke, não tem objetivo científico explícito, a tecnologia está obsoleta etc. Mas não entender a glória de querer construir uma base na Lua e posteriormente em Marte, mesmo que só para bissexuais e pessoas que moram em áreas rurais, revela uma certa falta de imaginação. Quem não quer ver estações espaciais cheias de bissexuais caipiras bebendo piñas coladas?

*

Não se pode ligar a tevê agora sem dar de cara com um presidente ou com um ex-presidente ou com alguém que quer ser um presidente mas não tem chance nenhuma de ser presidente ou com duas ou três pessoas que nem querem ser presidentes mas fingem que querem e na verdade querem ser alguma coisa um pouco mais modesta mas igualmente repugnante.

Quando havia a monarquia e as pessoas sonhavam com a república, porque suponho que as pessoas sonhavam com a república, elas imaginavam que ia ser assim? Era com isso que sonhavam? Vinte e quatro horas por dia de presidentes e quase presidentes conversando entre si e respondendo perguntas de jornalistas fãs deste ou daquele presidente?

Para que destronar um (1) imperador não-especialmente perdulário, que só gastava dinheiro com aulas de sânscrito e cartas para o Victor Hugo, e entronizar dezenas de presidentes e quase presidentes? Há mais candidatos a presidente no Brasil atual que gente com varíola do macaco.

Da próxima vez que você acabar de tomar água de coco em qualquer lugar de Brasília, atire o coco pra trás sem olhar: é impossível que não acerte um presidente, dois ex-presidentes e oito candidatos a presidente.

Mas a única coisa mais repulsiva que o espetáculo de presidentes e candidatos a presidente na sua tela é o espetáculo de ministros do STF na sua tela.

É natural que eles existam. Posso até ser convencido de que é bom que eles existam. Mas por que conhecemos os nomes deles? Por que todos os dias aparece o rosto de um ou outro (mais frequentemente um que outro) na primeira página do jornal? Não deveriam algumas coisas ficarem sempre escondidas e desconhecidas?

O escritor de horror H.P. Lovecraft dizia que a humanidade tem sorte de desconhecer algumas coisas, e que a ignorância é a única coisa que nos impede de ficar malucos. Pois os nomes dos ministros do STF é um desses conhecimentos que degradam a psique coletiva da humanidade.

A triste verdade é que sempre que vejo os juizes do STF penso em bolsas de colostomia. Elas contém algo que é perfeitamente natural quando escondido no interior do corpo humano e perfeitamente aberrante e grotesco quando exposto em público.

Mas se a analogia ofender algum ministro, dou um jeito de encontrar outra mais lisonjeira. Posso compará-los, talvez, com um cérebro, que também fica um pouco chocante e grotesco quando visto ao ar livre e à luz do sol, mas que é benéfico e até necessário quando escondido lá dentro da abóbada cranial.

Fiquem escondidos e ignorados como se fossem o cérebro da nação, ó ministros do STF. E esqueçam da analogia com a bolsa de colostomia — foi só a primeira ideia que me ocorreu e que por algum motivo sempre me ocorre.

Revista Crusoé

Retomar a Amazônia




Por Merval Pereira (foto)

As crises permanentes de desmatamento e a perda da soberania nacional para quadrilheiros está a exigir do futuro governo uma ação coordenada que não se vê em discussão na campanha eleitoral

Chama a atenção como os temas relacionados à Amazônia aparecem relativamente pouco nos debates dos candidatos à Presidência da República, pelo menos não com o protagonismo que merecem diante da crise permanente de desmatamento, das queimadas que se repetem em crescimento, da perda de controle da soberania nacional de partes da região para as mais diversas formas de crime organizado: do comércio ilegal de madeira ao garimpo em terras indígenas; da disputa do território entre quadrilhas internacionais na fronteira até todo tipo de contrabando.

O controle do desmatamento e das queimadas é o que de mais perto interessa à opinião pública global, e o que mais afasta o Brasil dos financiamentos internacionais para uma economia verde sustentável. Mas a perda da soberania nacional para quadrilheiros é o ponto mais vulnerável de nossa segurança interna. É pelas fronteiras que entram drogas e armamentos pesados que financiam o crime organizado que, em diversas facções, atuam em todo o país.

Essa visão holística da questão amazônica está a exigir do futuro governo uma ação coordenada que não se vê em discussão na campanha eleitoral. O recente lançamento do Centro Soberania e Clima, que reuniu nomes como Raul Jungmann (ex-ministro da Defesa), o general Sérgio Etchegoyen (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional) e Marcelo Furtado (ex-diretor do Greenpeace Brasil), é um exemplo do que pode vir a ser feito. O objetivo do novo think tank é exatamente promover diálogo, conexões e convergências entre atores da Defesa e do Meio Ambiente no Brasil e no mundo.

Uma grande campanha, intitulada “Amazônia Mãe do Brasil”, está sendo lançada, com o objetivo de dar centralidade ao tema na campanha eleitoral e transformar o Dia da Amazônia, que se comemora amanhã, numa data nacional relevante. O anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2022 aponta violência letal muito maior na Amazônia do que na média do Brasil, que já tem uma média em si mesma altíssima. A soberania do Estado brasileiro na Amazônia nunca esteve tão ameaçada como hoje.

Não por invasão de exércitos imaginários, mas pelo avanço de todo tipo de crime e ilegalidade estimulados por um governo que deliberadamente atrofia seus órgãos de fiscalização e punição. O Dia da Amazônia encontra uma região traumatizada pela violência, e envergonhada diante da repercussão mundial das mortes de Dom Phillips e Bruno Pereira.

O anuário de 2022 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ressalta que a Amazônia tem 30 das 100 cidades brasileiras com taxas de mortes violentas intencionais superiores a 100 por 100 mil habitantes. A violência letal ali é 38% superior à das demais regiões do país. Nos municípios urbanos com mais de 50 mil habitantes e/ou predominância de áreas densamente populosas, a violência letal na Amazônia é 47,9% superior à média nacional desse tipo de município.

“A Amazônia como um todo parece dominada pela lógica dos grupos armados criminosos e, mesmo com as estruturas policiais e militares existentes, que são capazes de atuar quando adequadamente mobilizadas, quem parece organizar a vida da população é o crime organizado, que vai corrompendo e ocupando a economia, a política e o cotidiano da região”, descrevem o diretor-presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima, e a diretora-executiva, Samira Bueno.

Eles denunciam que os grupos criminosos atuam como “síndicos da Amazônia, administrando a vida das pessoas, da economia e dos territórios por eles controlados”. Em entrevista ao Jornal Nacional, Bolsonaro apostou no discurso de que é preciso relativizar as pressões dos defensores da floresta para gerar empregos. No entanto, nenhum projeto de desenvolvimento tem qualquer chance de parar em pé na Amazônia sem que essa avalanche criminosa seja contida.

A boa notícia é que a emergência já começa a aproximar pessoas e instituições sérias em diálogos novos e promissores. A atuação escancarada de grupos ilegais é incompatível com o Estado de Direito e, portanto, com o desenvolvimento que enganosamente o governo diz desejar para a população que vive naquela região do país. Retomar a Amazônia das mãos armadas de traficantes, grileiros violentos, garimpeiros ilegais e traficantes de madeira é condição básica para se alcançar o desenvolvimento sustentável da região amazônica.

O Globo

É crime comparar o presidente ao ditador nazista Hitler?




Uma sátira ou caricatura é, por definição, carregada de exagero ou ironia. O imperador Dom Pedro II era alvo frequente de caricaturas desabonadoras, e nem por isso perseguia seus autores. 

Por Diogo Schelp (foto)

O governo do presidente Jair Bolsonaro não é fascista, como já escrevi antes, apesar do pendor autoritário e da indiferença em relação às vítimas da covid-19 no Brasil. O fascismo é um conceito histórico que remete a movimentos políticos da primeira metade do século XX. O que existe desde então é a instrumentalização política do termo. As críticas da população a um governante ou manifestações de dissabor contra suas políticas, no entanto, não precisam obedecer ao rigor acadêmico. Os cidadãos brasileiros têm o direito de comparar o ocupante do poder com o ditador nazista Adolf Hitler e o governo atual com o fascismo, se quiserem, mesmo estando equivocados.

Na semana que se encerra, descobriu-se que a equipe de comunicação do presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, dormiu no ponto e não renovou o registro de vários endereços na internet associados ao seu nome. Um deles, bolsonaro.com.br, foi comprado pelo cidadão Gabriel Baggio Thomaz ao custo de 20 mil reais. O novo proprietário do domínio achou que valia a pena ter esse gasto para rechear o site com textos criticando as políticas do governo de Bolsonaro e com charges, algumas bestiais, comparando-o com Hitler e o regime nazista.

É compreensível que o presidente tenha ficado ofendido. Mas em uma democracia os políticos e governantes precisam saber aceitar sátiras e críticas mais duras. Não colocar a Polícia Federal (PF) para investigar o autor do site, de forma a inibir esse e outros cidadãos a exercer seu direito à liberdade expressão. Pois foi o que aconteceu. O conteúdo do site bolsonaro.com.br foi apagado. A censura se impôs.

E pensar que, de uns tempos para cá, Bolsonaro vem se apresentando como um grande defensor da liberdade.

Não é a primeira vez que o presidente tenta coibir associações entre ele e o regime nazista de Hitler. Em 2020, André Mendonça, então seu ministro da Justiça e agora ministro do STF, com base na agora extinta Lei de Segurança Nacional, mandou a PF abrir um inquérito contra o cartunista Aroeira por usar uma suástica para satirizar a tentativa de Bolsonaro de incitar seus apoiadores a invadir hospitais de tratamento de covid-19 para "provar" que estavam vazios. Posteriormente, o inquérito foi arquivado por determinação da Justiça do DF. Em sua decisão, a juíza criticou a banalização dos conceitos ligados ao regime nazista, mas não viu crime na associação exagerada. Perfeito.

O simples uso de um símbolo nazista ou de uma montagem com o rosto de Hitler não configura apologia ao nazismo. O art. 20, §1° da lei de crimes de discriminação racial prevê pena de reclusão de dois a cinco anos para quem "fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo". Ou seja, precisa estar qualificado que o objetivo é divulgar o nazismo. Usar o símbolo para criticar alguém não tem esse propósito, por mais ultrajante que isso possa ser para o alvo da comparação ou para as verdadeiras vítimas daquela ideologia.

Uma sátira ou caricatura é, por definição, carregada de exagero ou ironia. O imperador Dom Pedro II era alvo frequente de caricaturas desabonadoras, e nem por isso perseguia seus autores.

Anos atrás, quando ainda era deputado, Bolsonaro processou outro cartunista que usou o símbolo nazista para criticá-lo. Também naquela ocasião a Justiça considerou que o artista estava protegido pela liberdade de expressão. "Liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também as duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como aquelas não compartilhadas pelas maiorias", afirmou o acórdão do TJRJ.

É verdade que essa forma de retratar Bolsonaro contribui para a demonização do presidente e dos seus apoiadores, assim como declarações recentes de Lula, candidato do PT, chamando o presidente de genocida e "demônio". No sentido contrário, porém, Bolsonaro também demoniza a oposição, classificando as eleições como uma guerra do bem contra o mal e afirmando estar em uma missão de vida ou morte contra a "ameaça" representada pelo PT.

A demonização e a desumanização de adversários políticos de todos os lados do espectro político, cada qual atribuindo a si uma aura de superioridade moral, criam uma forma de polarização nociva para a democracia e estimulam a violência política. Mas não é com censura que vamos conseguir construir um contexto de embate político saudável, marcado pela tolerância e respeito pelo outro.

Gazeta do Povo (PR)

Com maior tensão desde a redemocratização, Moraes blinda processo eleitoral




O ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

Justiça Eleitoral investe em tecnologia, segurança jurídica e apoios institucionais para comandar o pleito de 2022. Linha de frente terá 1,7 milhão de mesários

Por Luana Patriolino 

Diante das eleições mais tensas desde a redemocratização, o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), estabeleceu uma blindagem ainda mais robusta ao processo eleitoral e ao Judiciário brasileiro. A quantidade recorde de mesários voluntários já indica a rede de proteção em torno do sistema. Neste ano, o número quase dobrou em relação a 2018 — serão 830 mil participantes, aumento de 48%.

Ao todo, 1,7 milhão de mesários foram convocados para comparecer às seções eleitorais, neste ano. Entre eles, 52% foram nomeados pela Justiça Eleitoral, enquanto 48% se candidataram para atuar por vontade própria.

De acordo com o último relatório Justiça em Números, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na última quinta-feira, a Justiça Eleitoral reúne uma força de trabalho de 31.251 pessoas, sendo 20.823 servidores, 7.608 auxiliares e 2.820 juízes. Os dados são relativos ao ano de 2021.

Segundo o documento, o investimento anual é de mais de 187 milhões apenas em tecnologia, o que corresponde a um terço do total. Além disso, o TSE conta com mais 2.278 pessoas em seu quadro, a um custo de R$ 130 milhões em informática. O orçamento da Justiça Eleitoral ultrapassa R$ 6 bilhões por ano.

Fernando Xavier, CEO da BuscaJuris, destaca que o investimento é fundamental para garantir a lisura do sistema de votação. "Existem recursos e muitas pessoas envolvidas para garantir que o processo eleitoral ocorra de forma segura. Em 2022, serão mais de 1,7 milhão de mesários trabalhando nas eleições. Existe uma preocupação grande com a segurança dos próprios candidatos também", observou.

No comando da Corte há menos de um mês, o ministro Alexandre de Moraes investiu na criação de núcleos de inteligência e tem reforçado as campanhas de proteção às urnas eletrônicas. A estrutura é uma das maiores montadas no país.

Várias medidas já foram aprovadas pelo TSE visando à segurança dos eleitores e das seções eleitorais nos dias de votação em primeiro e segundo turnos. Estão proibidos o porte de armas a menos de 100 metros dos locais de votação e a entrada, na cabine da urna eletrônica, com telefone celular.

Desde que foi eleito, o presidente Jair Bolsonaro (PL) se queixa de fraude nas eleições de 2018 — nunca comprovada — e que a chapa dele teria ganhado em primeiro turno contra Fernando Haddad (PT). O chefe do Executivo chegou a sugerir que as Forças Armadas fizessem uma apuração paralela nas eleições deste ano, causando, mais uma vez, atrito entre os Poderes. É esse clima de beligerância que o TSE quer conter, com a ajuda de outras instituições.

A rede de proteção começou a ser estruturada ainda na gestão do ministro Luís Roberto Barroso. Em setembro do ano passado, o magistrado nomeou uma comissão com o objetivo de aumentar a participação de especialistas, representantes da sociedade civil e instituições públicas na fiscalização e auditoria do processo eleitoral.

Temendo a repetição da onda de fake news vista do último pleito presidencial, o Judiciário também investiu criação de programas para educar a população a respeito do perigo das notícias falsas. Na gestão do ministro Edson Fachin (fevereiro a agosto de 2022), o TSE firmou e renovou parcerias com as principais mídias digitais, que passaram a defender com mais frequência a integridade do sistema publicamente.

Fontes ouvidas pelo Correio confirmaram que o tribunal tem um plano pronto para conduzir as eleições de outubro com o menor nível de turbulência possível, e para prevenir a Justiça em caso de cenários extremos. Bolsonaro já afirmou, em ocasiões passadas, que não iria aceitar o resultado do pleito, caso não lhe seja favorável.

O TSE também já tem engatilhadas reações e segurança jurídica em caso de ações de partidos com pedidos de impugnação da candidatura ou de cassação de chapa.

O consultor político Bruno Scobino, da Acrópole Relações Governamentais, ressalta que o Judiciário, ao lado do Executivo e do Legislativo, deve estar preparado para preservar o Estado Democrático de Direito. "Uma de suas responsabilidades é regular o que as outras esferas de poder político podem ou não fazer, com a finalidade de impedir que o Estado tome ações inconstitucionais ou, até mesmo, autocráticas", destacou.

Scobino citou o papel moderador dos tribunais superiores, que devem estar atentos a qualquer inconstitucionalidade ou abuso de poder. "Essa é a ação que o Judiciário deve cumprir quando achar necessário, assim como teorizado por Montesquieu, autor iluminista e pai da separação de Poderes", pontuou.

O cientista político André Rosa partilha do mesmo entendimento sobre o papel dos magistrados. "Deve-se assegurar que o Sistema Judiciário tenha poder para frear exorbitações tanto do Legislativo quanto do Executivo. Ou seja, precisa ter uma última chancela ante ações autoritárias", reiterou.

Mulheres no comando

Os personagens que estarão à frente da Justiça durante o pleito traçam estratégias para proteger a lisura do sistema de votação. Além de Moraes à frente do TSE, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai ser chefiado pela ministra Rosa Weber, a partir do dia 12 de setembro.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também tem um nome que ficará à frente da Corte durante as eleições. Maria Thereza de Assis Moura foi escolhida para ocupar o cargo no biênio 2022/2024. Ela é a segunda mulher a presidir o STJ na história. Luis Felipe Salomão foi designado para atuar como corregedor Nacional de Justiça, e o ministro Og Fernandes é o vice-presidente.

O TSE, tribunal máximo para as questões relacionadas às eleições, conta com sete ministros efetivos, sendo três oriundos do STF; dois escolhidos dentre os membros do STJ; e dois juristas. Atualmente, a Corte também tem cinco magistrados substitutos, estabelecidos pelos os mesmos critérios (confira no quadro acima).

Os magistrados têm lidado com uma guerra jurídica entre os candidatos. Desde o início da campanha, a Corte passou a receber inúmeros pedidos sobre supostas irregularidades dos presidenciáveis, principalmente, a respeito do comportamento nas redes sociais. São alegadas ofensas à honra, desinformação e propagandas irregulares.

Um dos casos de maior repercussão foi o da primeira-dama Michelle Bolsonaro. A ministra Maria Claudia Bucchianeri suspendeu, na semana passada, a exibição do comercial eleitoral do presidente no qual a mulher do candidato fala sobre a transposição do Rio São Francisco por 30 segundos. O argumento foi que a aparição extrapolou o limite de 25% do tempo total destinado a apoiador em propaganda eleitoral gratuita.

O TSE também determinou a remoção de uma publicação do Partido da Causa Operária (PCO) que associava a candidata à presidência Simone Tebet (MDB) à morte de indígenas.

A Corte ainda negou um pedido da coligação do presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a remoção de vídeos do TikTok e do Facebook de bolsonaristas. A defesa do petista alegou que o conteúdo tem desinformação para "manipular a opinião pública".

Correio Braziliense / Estado de Minas

21 dias pela terra dos bravos e pelas cidades dos progressistas




Em Nova Iorque tudo é caro e chique e padronizado e cansativo. Sei que é o capitalismo a funcionar, mas aborrece-me que os capitalistas em questão ostentem o rosto do “Che” na “t-shirt” de marca. 

Por Alberto Gonçalves

Após quase quatro anos de ausência, vinte mil quilómetros de avião e cinco mil de carro, regressei de três semanas nos Estados Unidos. Eis o que vi.

Vi o derradeiro avanço da “gentrificação” das cidades, principalmente Nova Iorque, que se tornou de vez um retiro de abonados. O curioso é que os beneficiários não usam a cartola, o monóculo e as polainas da lenda. Não, senhor. Uma breve observação nas zonas residenciais, como o Upper West Side ou a Village devolve-nos um desfile de criaturas saídas das séries da Netflix ou do Disney+: jovens com consciência da moda e profissões “criativas”, afectados, sensíveis e que terminam as frases afirmativas num tom interrogativo e que dá vontade de os agredir com um rodovalho na cabeça. Ou seja, o tipo de criaturas que, se chamadas a fazê-lo, condenam a “gentrificação” por remover a “alma” dos bairros e fingem não perceber que são eles os protagonistas do processo. John Varvatos, o “designer” que já em 2008 abriu uma loja caríssima e inútil no lugar do infecto e saudoso CBGB, o berço do “punk” e da “new-wave”, é um ruidoso defensor de todas as patetices “woke”. Ao som de protestos hipócritas, a “alma” de Manhattan, que só apanhei de raspão vai para duas décadas, sumiu sem deixar rasto nem inspirar culpa. Até os “delis” de fancaria, que haviam substituído os verdadeiros, estão a ceder à praga de cafetarias “orgânicas” e assépticas, onde um reles “espresso” vem com pedigree e custa quatro dólares. Não há espaço para a excentricidade (em São Francisco, diga-se, espaço não falta: no Castro, o bairro gay, vi três homens completamente nus a almoçar numa esplanada) nem para a tradição e o hábito (desde 2018, a Amoeba Records de Los Angeles foi despejada em favor de uma “experiência imersiva” sobre Van Gogh, que para cúmulo desfigurou o edifício de arquitectura “googie”). Em Nova Iorque, fora o tradicional lixo nos passeios e as habituais ratazanas, tudo é caro e chique e padronizado e cansativo. Sei que é o capitalismo a funcionar, mas aborrece-me que os capitalistas em questão ostentem o rosto do “Che” na “t-shirt” de marca.

Vi inúmeras lojas fechadas, umas por estreitamento do horário, outras por estrangulamento da economia. No primeiro caso, ainda em 2018 era facílimo encontrar em Nova Iorque um restaurante aberto de madrugada. Agora, até os coreanos têm horário de encerramento (meia-noite, valha-me Deus). Às dez, salvo por um ou dois pedaços, São Francisco está a dormir. Phoenix, que nunca se notabilizou pela boémia mas hoje é uma megalópolis sem fim, idem. Los Angeles, ibidem. Las Vegas é há muito um pandemónio deprimente. Tomar um café à uma da manhã transformou-se num desafio. Não sei a razão, mas responsabilizo a inclinação deliberada ou fortuita para transformar o mundo num lugar mais triste a cada ano que passa. Pelo contrário, no segundo caso desconfio da causa que levou incontáveis estabelecimentos a fechar definitivamente e a assemelhar zonas prósperas das principais cidades a lugarejos delapidados do Mississippi, com tapumes a vedar a vitrine do que outrora foi uma promessa de negócio. Mais alguém aposta nas brincadeiras a pretexto da “pandemia”?

Vi que as brincadeiras deixaram vasta herança. A reboque das falências e do desemprego, as estatísticas e meia dúzia de cidadãos sortidos contaram-me que o crime urbano subiu imenso nos últimos dois anos. Julgo que a nova susceptibilidade das autoridades às críticas por “excessos”, a beatificação racista das “minorias” e os progressos das drogas sintéticas também não serão alheios à tendência. Ao entardecer e com frequência em pleno dia, em qualquer sítio com mais de cem mil habitantes, há dois zombies a cada esquina. Esclareço que nenhum me atacou, embora alguns me tenham cravado cigarros com sucesso.

Vi que, a contrário dos seus custos, a “pandemia” desapareceu, tirando nos bonacheirões que mantêm a máscara e em certas reservas índias, que mantêm as restrições por inteiro. Os pobres “nativo-americanos” continuam com pavor das doenças dos brancos, por acaso oriundas da China, e continuam a ser manipulados por eles. Amber, uma navajo educadora de infância, informou-me que 10% dos “indígenas” (termo oficial) morreram de Covid. Sem descontarmos a inflação nas contagens, o valor “correcto” é 0,4%, de facto um pouco acima das demais etnias.

Vi, dentro e fora das reservas do Arizona, do Novo México e do Nevada, o culto de Trump em rédea solta. Por toda a parte abundam, à venda e já vendidos, dísticos, camisolas e bonés a solicitar o regresso do empresário à Casa Branca. O entusiasmo é apenas proporcional à repulsa pelo sr. Biden, o taralhouco em funções. Nada é tão americano, no sentido de interessante, quanto um índio montado numa Harley decorada com uma enorme bandeira a declarar “Fuck Brandon” (procurem na net as origens da expressão, mas “Let’s Go Brandon” é uma maneira gentil de insultar o sr. Biden, gentileza que o índio em causa dispensou). Em Oatman, numa parte velhinha da Route 66, tudo excepto os burros selvagens é simbologia republicana. Em Winslow, Arizona, um comércio central de “souvenirs” converteu-se numa casa de propaganda libertária. Perguntei ao dono se tinha clientes democratas. Prendeu um sorriso e respondeu que sim, e que metade saía logo depois de entrar. Eu demorei-me o suficiente para adquirir um par de livros (apolíticos) e um belo chapéu com a “Gadsden flag”.

Vi a segunda melhor coisa que a América tem: americanos. Não conheço lugar em que seja tão fácil encontrar sujeitos assim decentes e cordiais. Basta evitar as principais cidades. Nas “small towns” e na ruralidade pura, as pessoas cumprimentam-nos à toa, puxam conversa com sincero empenho, seguram-nos a porta o tempo necessário e o desnecessário, não buzinam as nossas asneiras rodoviárias, abrandam para entrarmos na estrada, etc. Claro que, na América que o cinema e a televisão nos impingem, a América do sr. Biden e das sinistras corporações “modernas”, estas pessoas ou não aparecem ou aparecem sob a forma de caricaturas, para efeitos de galhofa ou sociologia. Claro que estas pessoas retribuem o desprezo.

Vi, e revi e hei-de rever enquanto puder, a melhor coisa da América: as prodigiosas avarias que a natureza por lá semeou, principalmente no Sudoeste. Nos últimos cento e cinquenta anos, pelo menos, produziram-se milhares de páginas a notar a impossibilidade de descrever semelhantes paisagens. Não contribuo para o rol. Limito-me a confirmar que enfim o pobre cliché da “beleza indescritível” é adequado. Ateu, sempre que atravesso aqueles desfiladeiros, aqueles vales, aquelas “mesas”, aqueles rochedos, aqueles desertos e aquele céu, todos desmesurados, chega-me a suspeita de que o divino afinal existe, e vive ali. E a certeza que dali, à revelia das mudanças do mundo, não sairá.

Observador (PT)


Entrevista: "Bicentenário da Independência chega sem projeto de nação", diz historiador




José Murilo de Carvalho fala sobre como os brasileiros destruíram seu paraíso terrestre e a urgência de mudanças

Por Wilson Tosta

O Brasil celebra 200 anos de vida independente em 2022 sem projeto de nação e longe da grandeza anunciada em 1500 pela natureza exuberante e sonhada no século 19 pelos que lutaram por sua Independência. A constatação é do historiador e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) José Murilo de Carvalho, que avalia com desânimo o panorama nacional hoje. Para ele, os brasileiros destruíram o seu paraíso terrestre. Poluíram ares, águas e praias e levam às terras, inclusive a Amazônia, à desertificação, sob o impulso do desmatamento e da mineração predatória.

“O sonho de grandeza desvaneceu, não se transformou em política de Estado a ser implementada independentemente da mudança de governo, afirma, em entrevista ao Estadão. “Vamos levando sem termos um projeto (de nação), um fim a atingir, algo como o Manifest Destiny (Manifesto do Destino) dos norte-americanos.”

O historiador diz que o Brasil é um “país sem revolução”, no qual ocorreram movimentos apenas de “ajuste” entre as elites. Foi assim, considera, na Proclamação da República, para permitir a entrada dos cafeicultores na política; na Revolução de 1930, para quebrar o monopólio das oligarquias rurais; no golpe de 1964, para conter o trabalhismo criado por Getúlio Vargas. As elites brasileiras, afirma, desde o Império, tiveram enorme capacidade de se reproduzir e, em conluio, barram as medidas que envolvam redistribuição de renda no Brasil.

“O Leopardo de Lampedusa concordaria: é preciso mudar para que nada mude”, diz. Ele se refere ao romance Il Gattopardo, do italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1857), sobre a decadência da nobreza siciliana durante o Risorgimento, movimento que buscou a reunificação italiana no século 19. A frase (“É preciso mudar para que tudo permaneça como está”) é de um personagem do livro, o príncipe de Falconeri.

O acadêmico avalia que o conservadorismo brasileiro é basicamente cultural, moral e de família, gênero e religião, não político, como “provavelmente as urnas” mostrarão, diz. O campo político, diz, é da elite econômica e financeira. O pesquisador afirma que os brasileiros deveriam seguir os chineses, que pensam seu país “para trás e para frente”.

 “O que será do País quando completarmos 250 anos de independência?”, pergunta. Para ele, “com a história que temos, com a magra herança desses 200 anos, não é fácil prever o que podemos esperar.”

A seguir, a entrevista do historiador ao Estadão:

O que os brasileiros têm a celebrar nos 200 anos da Independência do País?

Américo Vespúcio via nestas terras o paraíso terreal, no que foi seguido por outros cronistas coloniais. Às vésperas da Independência, José Bonifácio disse que voltara de Portugal para ajudar a fundar aqui um grande império. Na metade do século 19, Gonçalves Dias exaltou nossas riquezas e belezas em versos que cantamos no Hino Nacional. Em 1900, celebrando os 400 anos da chegada dos portugueses, o conde Afonso Celso escreveu Porque me Ufano de meu País. Os governos militares falaram em construir aqui uma grande potência. 

E o que têm a lamentar?

A grandeza não passou de sonhos. Destruímos nosso paraíso terrestre. Nossos ares, nossas águas, nossas praias estão poluídas, nossas matas, destruídas, nossas terras, em perigo de desertificação, a Amazônia, ameaçada pelo desmatamento e pela mineração predatória. A grande população indígena da época da chegada dos colonizadores foi quase toda extinta. Grande parte da população ainda sofre as marcas da escravidão. O sonho de grandeza desvaneceu, não se transformou em política de Estado a ser implementada independentemente da mudança de governo. 

A herança colonial lusitana ainda pesa ou os maiores culpados por nossos problemas somos nós mesmos?

Nenhum país pode ignorar seu passado porque ele sempre deixa vestígios mais ou menos fortes. Em nosso caso, não há como ignorar a colonização portuguesa, a quase extinção da população nativa, a introdução de milhões de escravos trazidos da África, o desenvolvimento de uma economia agrária de exportação dominada por latifundiários, o forte papel de um Estado absolutista, o monopólio religioso do catolicismo. É uma herança pesada. É certo que os 200 anos testemunharam grandes mudanças. Os poucos milhões de portugueses, indígenas e africanos se transformaram em mais de 215 milhões de brancos, pardos e negros e imigrantes europeus, asiáticos e do Oriente Médio. Tornamo-nos um dos mais populosos países do mundo e uma de suas maiores economias. Mas, ao mesmo tempo, montamos um sistema de dominação política que excluiu a participação popular por mais de 100 anos. O povo só entrou em nossa vida política na década de 1930 e teve as tentativas de participação frustradas por duas ditaduras. Temos hoje uma democracia em que o povo político, embora possa votar, não orienta a política e boa parte dele se torna, pela pobreza, imensa clientela vítima de políticas populistas. Patrimonialismo, paternalismo, elitismo, estatismo têm raízes profundas e ainda dificultam a construção de uma sólida república democrática. 

O escravismo colonial e o racismo ainda moldam a sociedade brasileira, como no passado?

A escravidão deixou marcas profundas que se manifestam ainda hoje em preconceitos, discriminações, exclusões. Só recentemente, com a adoção de políticas afirmativas de inclusão, como o sistema de cotas no acesso ao ensino superior, a situação está sendo combatida, e uma nação mais inclusiva se esteja construindo. Por muito tempo, a negação oficial da existência de discriminação racial e a imagem do convívio fraterno de três raças causaram um mal enorme, ao camuflarem o preconceito e a exclusão. 

Por que o Brasil parece tão resistente a mudanças, apesar da brutal desigualdade social brasileira?

São perguntas de um milhão de dólares. As elites brasileiras desde o Império tiveram enorme capacidade de se autorreproduzir. No Império, sob as asas do Poder Moderador, na Primeira República com a política dos Estados – renovando-se na década de 1930 –, mais tarde apoiando golpes. Façamos a revolução antes que o povo a faça, disse Antônio Carlos em 1930. O Leopardo de Lampedusa concordaria: é preciso mudar para que nada mude. Basta um exemplo: milhões de pobres votam. No entanto, os eleitos por eles, boa parte dos congressistas, no máximo dedicam-se a práticas clientelistas e populistas, sem promover reformas estruturais em favor da redução da desigualdade. Não representam os interesses de milhões de eleitores que neles votaram. A representação, vale dizer, a democracia, não funciona. A insensibilidade à desigualdade é marca de nossas elites. Veja-se o exemplo do Judiciário que abriga os marajás da República. Em meio à dura crise causada pela covid, vemos o STF reivindicar aumento salarial de 18% para toda a magistratura. Os juízes do STF que ganham R$ 39,2 mil, fora os penduricalhos, passariam a ganhar R$ 46 mil. Isto num país onde o salário mínimo é de R$ 1.212. É uma indecência que retrata a cara de nossa elite. 

Quem resiste mais a mudanças no Brasil? A elite econômica, a classe média?

O topo dos negócios, da política e da burocracia estatal em conluio. Entre si conseguem barrar todas as medidas que envolvam redistribuição de renda. 

Em quais episódios históricos o Brasil mudou para conservar tudo como estava, como na assertiva de O Leopardo de Lampedusa?

O Brasil é um país sem revolução. Alguns movimentos foram de reajuste, rearrumação do andar de cima. Alguns exemplos: a Proclamação da República, para entrar os cafeicultores; a chamada Revolução de 1930, para romper o monopólio das oligarquias rurais; o golpe de 1964, para conter o trabalhismo getulista. 

Ao fazer 200 anos, o Brasil tem um governo que se diz conservador. Os conservadores venceram no Brasil?

Diria que uma boa parte de nosso conservadorismo é de natureza cultural, tem a ver com valores relativos à moral, família, gênero, religião. Prova disso é o rápido avanço dos evangélicos. Politicamente, não vejo uma predominância conservadora, como provavelmente as urnas irão mostrar. O conservadorismo político talvez seja mais de setores da elite, sobretudo da elite econômica e financeira. 

O governo Bolsonaro é continuidade ou rompimento com a tradição brasileira de governos?

De 1930, quando começou a entrar povo na política, a 1985, fim da ditadura, foram quase 36 anos de governo autoritário contra 19 de democracia. Qual seria, então, a tradição brasileira? Seriam os 37 anos de 1985 a 2022? É pouco para formar tradição. A consolidação de uma cultura política democrática exige mais tempo. Daí a importância de uma vitória democrática nas próximas eleições. Enquanto não houver consolidação da democracia, permaneceremos sob a tutela das Forças Armadas. 

Como o senhor avalia as ameaças autoritárias que o presidente tem feito justamente neste ano, dos 200 anos de independência do Brasil? Há algo de simbólico nisso?

Simbólico de quê? A Independência foi uma libertação e teve envolvimento popular. A não ser que se esteja referindo ao fechamento da Assembleia Constituinte em 1823, nosso primeiro golpe político.

O que explica a nossa irrelevância nas relações internacionais?

Temos também um corpo diplomático respeitado internacionalmente. Uma explicação para isso talvez seja o fato de não termos um projeto de nação. Vamos levando sem termos um projeto, um fim a atingir, algo como o Manifest Destiny dos norte-americanos. Por um tempo, pensou-se que deveríamos construir um soft power, participando de missões internacionais de paz. Não foi adiante. 

O nosso “complexo de vira-lata”, apontado por Nelson Rodrigues, ajuda nessa irrelevância? Não temos importância porque não nos damos importância?

Volto ao projeto de nação. Há 200 anos tínhamos um projeto de nação: construir um grande império com base em nosso tamanho, em nossas riquezas, na pujança e beleza de nossa natureza. Faltava apenas população. Veio a população, uma das maiores do mundo, e não dissemos a que viemos. Nem a liderança da América Ibérica conseguimos exercer. 

O Estado de São Paulo

Como Taiwan se prepara para uma possível invasão chinesa




Em meio à guerra na Ucrânia e à pressão militar da China, Taiwan reforça a capacitação de reservistas e treina a população para responder a crises. "A ilha pode não ser tão segura quanto se imagina", diz moradora.

Por William Yang

À medida que os combates na Ucrânia se desenrolam, a população de Taiwan começa a sentir a urgência de se preparar para todos os tipos de eventualidades, em meio à  crescente pressão militar da China.

Nos últimos meses, autoridades e organizações da sociedade civil introduziram uma série de reformas e treinamentos em toda a ilha para aprimorar a prontidão de combate da população e suas habilidades para lidar com possíveis crises.

Uma das organizações que lidera esse esforço é a Forward Alliance, que visa melhorar a resiliência nacional. Desde março, a ONG oferece treinamentos em defesa civil que ensinam os participantes a realizar primeiros socorros, tratar traumas, conduzir operações de busca e salvamento e localizar abrigos em situações de emergência.

"Estamos treinando civis para responder a crises", diz Enoch Wu, fundador da Forward Alliance. "O objetivo é manter as comunidades funcionando, e os treinamentos ajudam a preparar os cidadãos contra crises naturais ou provocadas pelo homem."

Os programas de treinamento estavam originalmente planejados para começar em agosto, mas a guerra na Ucrânia acentuou um senso de urgência em Taiwan. Assim, a Forward Alliance decidiu antecipar a capacitação para março, como parte de suas respostas ao aumento das demandas da população. 

"Temos recebido demandas muito grandes das comunidades e dos cidadãos. As pessoas querem saber como podem ajudar umas às outras e atender suas comunidades, mesmo quando não estão uniformizados", afirma Wu à DW.

"Modificamos nossos treinamentos para que mais pessoas possam participar deles. Já treinamos mais de mil pessoas, mas isso não é suficiente. Sabemos que toda a sociedade deve se esforçar para desenvolver resiliência, e precisamos nacionalizar essas formações."

Guerra expõe vulnerabilidade de Taiwan

A aliança organizou uma sessão de treinamento na segunda maior cidade de Taiwan, Taichung, em 27 de agosto, para a qual dezenas de pessoas se inscreveram.

Aposentados, donas de casa, profissionais e estudantes lotaram um centro comunitário local para aprender habilidades básicas de primeiros socorros. A maioria dos participantes disse que a guerra na Ucrânia e o status político sensível de Taiwan os levaram a participar do workshop.

"Decidi participar do treinamento por causa da guerra na Ucrânia", conta Cherri Lee, que trabalha com educação. "A população desfruta há muito tempo da paz, mas não acredito que isso seja uma desculpa para nos mantermos complacentes com as crescentes ameaças representadas pela China."

Para ela, "ter um lugar para obter informações sobre primeiros socorros e saber como reagir a emergências ajuda a sensibilizar as pessoas de que Taiwan pode não ser tão segura quanto elas imaginam".

Outra participante afirma achar importante que cidadãos comuns percebam que podem também fazer parte das equipes de primeiros socorros.

"Acho maravilhoso termos a chance de aprender como ajudar outras pessoas sempre que houver uma crise", diz a conselheira escolar Jenny Chen. "Com a guerra na Ucrânia, acho que há uma consciência maior sobre quão vulnerável pode ser Taiwan. Precisamos estar vigilantes, não importa o que aconteça."

Resposta a qualquer tipo de crise

Muitos especialistas ressaltam que o treinamento em defesa civil terá um impacto positivo na resposta da sociedade a qualquer emergência – seja um desastre natural ou conflito militar.

"Esses treinamentos poderão dar ao povo de Taiwan um senso de urgência. E o curso de primeiros socorros é muito prático e pode ser eficaz tanto em desastres naturais quanto em guerras", afirma Tzu-yun Su, analista do Instituto de Defesa Nacional e Pesquisa de Segurança em Taiwan. "Seus participantes terão condições de ficar mais calmos em emergências e ajudar os mais próximos."

Ele acredita que, assim que a população taiwanesa entender a importância dos programas de capacitação, eles deverão ser ampliados. "Este é um bom começo", diz.

Desde a visita da presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, a Taiwan no início de agosto, a China aumentou suas atividades militares ao redor da ilha, incluindo um treinamento para um possível bloqueio e, potencialmente, uma invasão do território taiwanês.

Além disso, Pequim realizou voos com aeronaves chinesas e enviou navios para a chamada "linha mediana", uma área não oficial de fronteira que separa ambos os territórios.

Após repetidas tentativas do Exército de Libertação Popular chinês de enviar drones para as proximidades da ilha Kinmen, em Taiwan, o Ministério do Exterior da China rejeitou as queixas de Taiwan, afirmando que os drones estavam apenas sobrevoando o "território chinês", enquanto Taipei classificou a ação como uma provocação.

'Após visita de Pelosi a Taiwan, China realizou exercícios militares ao redor da ilha'

Novo plano de treinamento para reservistas

Além dos esforços para fortalecer a defesa civil da ilha, as autoridades taiwanesas também lançaram um novo plano de treinamento para reservistas, com o objetivo de melhorar a prontidão de combate das forças da reserva.

Em março, o Ministério da Defesa de Taiwan divulgou planos para estender a capacitação dos reservistas para duas semanas, além de dobrar o tempo dos treinamentos para combate, como o uso de rifles.

Nos últimos meses, enquanto o novo plano de treinamento acontecia em caráter experimental, alguns reservistas que participaram da capacitação expressaram dúvidas sobre sua eficácia – bem como a saúde mental dos participantes.

"Embora o conteúdo do treinamento seja mais sólido do que antes, ainda tenho dúvidas sobre o quanto das experiências e habilidades que os reservistas adquirem com esses treinamentos podem ser aplicadas em um conflito militar real", diz Chen, um reservista que participou de um treinamento de sete dias em agosto.

"Os fuzis que usamos foram fabricados na década de 1980. E, embora houvesse mais de 300 reservistas no meu grupo, o número de armas que realmente podiam ser usadas era menos de um décimo do número de reservistas que participaram do treinamento."

Em entrevista à DW, ele acrescenta que "os militares da ativa também não impuseram regras durante o treinamento, então muitos reservistas viram a capacitação como férias. Não acredito que a guerra na Ucrânia tenha necessariamente aumentado o nível de conscientização entre os reservistas sobre a pressão militar da China".

Mais habilidades de combate

Já o especialista militar taiwanês Su vê a reforma do treinamento dos reservistas como um processo gradual, e não uma revolução.

"Embora seja possível ainda fazer muitos progressos em relação ao treinamento de reservistas, uma função significativa do plano atual é cultivar a mentalidade de apoio à força de defesa na sociedade civil de Taiwan", diz ele à DW.

"O conteúdo poderia ser mais aprofundado, mas a estrutura atual é muito útil para a segurança e defesa nacional de Taiwan, bem como para cultivar o espírito de apoio à força de defesa na sociedade."

Su sugere que as autoridades de Taiwan deveriam dar mais ênfase aos exercícios com munição real durante o treinamento dos reservistas, já que isso é um aspecto importante das habilidades de combate.

"Outras partes do treinamento poderiam ser reduzidas, mas acho que as autoridades deveriam focar em melhorar as habilidades de combate dos reservistas. Quer dizer, os militares deveriam investir mais nessa área", conclui.

Deutsche Welle

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