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quarta-feira, agosto 03, 2022

Como Brasil pode reduzir a pobreza no próximo governo, segundo Banco Mundial




No começo dos anos 2000, país viu PIB per capita crescer 32%, desigualdade cair e pobreza diminuir à metade. Passadas duas crises, há oportunidade para mudar políticas e melhorar a vida das famílias, diz instituição

Por Thais Carrança, em São Paulo

Em um calhamaço de 155 páginas lançado em julho, o Banco Mundial — instituição financeira internacional que faz empréstimos para países em desenvolvimento — apresenta um combo de sugestões de políticas para reduzir a pobreza e a desigualdade no Brasil.

"A ideia é gerar conversações sobre as distintas reformas e mudanças de políticas que são necessárias no país, dado o contexto que o Brasil está vivendo, com os novos desafios da pandemia e os velhos desafios das desigualdades", diz Gabriel Lara Ibarra, economista sênior do Grupo de Pobreza e Equidade do Banco Mundial e responsável pelo relatório.

As sugestões vão desde programas de recuperação escolar pós-pandemia, passando por requalificação de trabalhadores, investimentos em infraestrutura e saúde, inclusão financeira e digital da população mais vulnerável, regularização fundiária, até uma otimização dos programas sociais, com a revisão de benefícios menos eficientes e adoção de uma metodologia oficial de definição de pobreza pelo país.

Segundo o Banco Mundial, o momento atual é estratégico para o Brasil, passadas duas crises — a recessão econômica de 2014-2016 e a pandemia —, e diante do novo ciclo de políticas públicas que deve ter início com o governo que começa em 2023.

A instituição lembra que o Brasil já fez isso uma vez: entre 2001 e 2011, o PIB per capita (soma de toda a riqueza produzida no país, dividida pelo número de habitantes, uma medida de desenvolvimento humano) cresceu 32%, enquanto a desigualdade diminuiu 9,4% e o percentual de pessoas vivendo na pobreza e extrema pobreza caiu pela metade.

Ibarra destaca a importância da ação do Estado para redução da pobreza e da desigualdade.

"É uma decisão inteligente para promover o desenvolvimento econômico não só do país, mas das famílias também", diz o economista mexicano, em entrevista à BBC News Brasil. "É necessário para gerar uma via sustentável de desenvolvimento econômico para as famílias que, por alguma razão, não têm tudo o que precisam para garantir um nível mínimo de bem-estar."

Confira 11 sugestões do Banco Mundial para reduzir a miséria e as iniquidades sociais no Brasil, no curto e no longo prazo.

1) Adotar programas de recuperação escolar

Diante do forte impacto da pandemia sobre a educação, o Banco Mundial diz que o Brasil deve adotar no curto prazo programas de recuperação escolar durante o período letivo e no contraturno (isto é, fora do horário de aulas regulares).

'Uma em cada cinco crianças brasileiras de renda mais baixa não participaram de atividade escolar alguma durante a pandemia'

A instituição destaca a disparidade no acesso a atividades escolares durante a pandemia: enquanto 75,6% das crianças de lares mais ricos realizaram atividades escolares durante cinco dias da semana, somente 50% das crianças mais pobres tiveram a mesma frequência; e uma em cada cinco crianças de renda mais baixa não participaram de atividade escolar alguma nesse período.

"As perdas nas habilidades em português e matemática causadas pela pandemia já representam mais de um ano de aprendizagem perdida", observa o banco, que afirma que os professores precisam receber ferramentas para identificar o nível de aprendizagem de cada criança.

Além disso, os sistemas educacionais devem buscar ativamente os estudantes que abandonaram a escola e adotar estratégias para evitar novos abandonos.

2) Apoiar a reinserção das mulheres no mercado de trabalho

Apesar de a taxa de desemprego brasileira já ter voltado para níveis pré-pandemia (ela estava em 9,3% em junho, menor patamar para o trimestre desde 2015), as mulheres seguem com maior dificuldade de retornar ao mercado de trabalho, em comparação com os homens.

Em março, quando a taxa de desemprego no país estava em 11,1%, o nível de desocupação delas era 13,7%, comparado a 9,1% para eles — a diferença entre as taxas era então de 50,5%.

Neste cenário, o Banco Mundial destaca que o sistema de proteção social segue tendo papel crucial, especialmente para as mães solteiras e os lares mais vulneráveis.

Para apoiar a reinserção das mulheres no mercado de trabalho, a instituição diz que são necessárias políticas e programas que foquem especialmente nelas e nos setores onde as mulheres costumam se ocupar mais.

"Essas políticas e programas podem incluir o retreinamento de mulheres e subsídios para a recontratação, como feito, por exemplo, no Chile", diz o banco, destacando ainda a importância de assistência financeira e técnica para mulheres empreendedoras e autônomas, além de campanhas para aumentar a conscientização quanto à desigualdade no trabalho doméstico e de cuidado com dependentes, como crianças e idosos.

3) Reformar o sistema de apoio aos desempregados

Em 2019, antes da pandemia, apenas 17,7% dos desempregados brasileiros recebiam seguro-desemprego, bem abaixo da média de 37% dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), isso apesar de o país gastar o equivalente a 2,3% do PIB com programas voltados ao mercado de trabalho, acima do padrão internacional.

'Antes da pandemia, apenas 17,7% dos desempregados brasileiros recebiam seguro-desemprego, abaixo da média de 37% dos países da OCDE'

Assim, o Banco Mundial defende que é preciso reformar o atual sistema de apoio aos desempregados, estendendo a proteção aos trabalhadores autônomos e provendo serviços aos desocupados para evitar a deterioração das suas habilidades.

O banco também defende programas de incentivo à contratação de trabalhadores jovens e de baixa qualificação, como o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo proposto pelo governo Bolsonaro.

Esse modelo de contratação, no entanto, foi muito criticado por entidades sindicais, que argumentavam à época que a proposta criava uma parcela de trabalhadores "de segunda classe", com menos direitos do que os demais.

4) Aumentar gastos com educação e melhorar direcionamento

O Brasil gastava em 2018 o equivalente a 6% do PIB com educação, acima da média de 3,9% dos países de renda média-alta. Esses gastos, contudo, poderiam ser mais bem focalizados, defende o Banco Mundial.

A instituição sugere, por exemplo, que as regiões Norte e Nordeste deveriam ser priorizadas, com investimentos em infraestrutura, na formação docente e em gestão.

O banco também defende que as despesas com universidades federais deveriam ser revistas, já que em 2015, elas consumiam 0,7% do PIB, mas 65% dos estudantes destas instituições pertenciam aos 40% mais ricos da população.

A BBC News Brasil questionou o economista Gabriel Lara Ibarra, responsável pelo estudo, sobre qual exatamente é a proposta do Banco Mundial para as universidades federais, posto que o Brasil ainda tem somente 21% dos jovens adultos com ensino superior, comparado a média de 44% em países da OCDE, 40% na Argentina e 63% na Rússia, por exemplo.

E num momento em que a participação de negros e egressos do ensino público finalmente cresce nestas universidades, como resultado da política de cotas sociais e raciais.

'Parcela de negros entre os inscritos no Enem saltou de 51% para 60% entre 2010 e 2016'

"O ponto não é que as despesas educacionais no nível terciário deveriam ser mais baixas, mas que a destinação de recursos deve levar em conta a integralidade das despesas de educação", argumentou Ibarra.

"Os gastos têm que ser feitos de forma que os estudantes de todas as partes da distribuição de renda, incluindo famílias de renda mais baixa, possam beneficiar-se deles. Uma solução, por exemplo, seria um aumento dos recursos para os níveis educacionais mais baixos, permitindo que alunos vindos da escola pública no nível fundamental tenham melhor qualidade da educação e uma probabilidade mais alta de aceder às universidades públicas."

Adriano Senkevics, doutor em educação pela USP (Universidade de São Paulo), vê a sugestão do Banco Mundial de rever os gastos com as universidades federais com cautela.

"O que me incomoda nessa abordagem é que ela insiste numa oposição entre gasto com educação básica e educação superior, quando estamos mal nas duas dimensões, essa é a verdade", diz Senkevics.

"Temos uma população pouquíssimo escolarizada e, se a preocupação é com desigualdade, há um estudo do Marcelo Medeiros, Rogério Barbosa e Flavio Carvalhaes que mostra que o nível educacional que vai ter impacto sobre a desigualdade é o ensino superior."

O banco também defende a necessidade de melhorar a qualidade da educação, considerando que o desempenho dos alunos brasileiros no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) é sistematicamente inferior à média da OCDE.

Aqui, os especialistas sugerem medidas como a nomeação de diretores escolares e a bonificação de professores e funcionários a partir de avaliações de desempenho. Eles citam como exemplo o modelo do Ceará, de financiamento da educação baseado em resultados.

5) Requalificar trabalhadores

O envelhecimento e baixa qualificação dos trabalhadores exigirão um esforço de requalificação da mão de obra brasileira nos próximos anos, diz o Banco Mundial.

Os autores mostram essa necessidade em números: 95% dos trabalhadores pobres trabalham em ocupações com risco relativamente alto de automação; cerca de um terço dos brasileiros com 20 a 39 anos não concluíram o ensino médio e só 17% têm diploma de ensino superior; e a taxa de dependência (relação entre o número de crianças e idosos e a população em idade ativa) da economia brasileira deve subir dos atuais 45% para 67% até 2060.

'É preciso envolver as empresas em esforços de requalificação de seus trabalhadores, com estímulos à formação técnica e profissional, diz o Banco Mundial'

"Há uma parcela importante da mão de obra brasileira que já saiu da escola tradicional, que já tem as habilidades definidas e o nível de educação que vão ter. Mas a dinâmica de automação e investimentos em novos setores, como a economia verde, vão exigir capacidades que esses grupos de trabalhadores não têm. Por isso é importante pensar como eles vão poder enfrentar essas mudanças do mercado do trabalho do futuro", diz Ibarra.

Segundo ele, é preciso envolver as empresas em esforços de requalificação de seus trabalhadores, com estímulos à formação técnica e profissional. Além disso, diante da redução constante da mão de obra agrícola, são necessários programas para ajudar os trabalhadores rurais a transitar para outros setores, sugere o Banco Mundial.

6) Ampliar investimento em saúde

Em 2017, um terço das famílias brasileiras gastaram mais de 10% do orçamento familiar em saúde, com medicamentos como a principal despesa paga do próprio bolso. Além disso, a cada ano, 10 milhões de brasileiros caem na pobreza por despesas com saúde, cita o banco.

Assim, uma política holística de combate à pobreza deve incluir o fortalecimento do sistema público de saúde, de forma a reduzir as despesas pagas pelas pessoas do próprio bolso.

7) Ampliar a inclusão financeira e digital da população de baixa renda

O Brasil tem níveis de acesso a crédito e a contas bancárias superiores ao restante da América Latina e Caribe, mas esse acesso é bem menor para os 40% mais pobres, diz o banco. Além disso, só 32% dos brasileiros adultos conseguiram poupar dinheiro em 2017.

'Economista destaca a bem-sucedida experiência do pagamento do auxílio emergencial através de contas digitais da Caixa Econômica Federal'

"A inclusão e a educação financeira criam a possibilidade de poupança, gerando um caminho mais sustentável para as finanças das famílias que estão na parte mais baixa da distribuição de renda", diz Ibarra.

"A ferramentas digitais reduzem o custo do acesso a produtos bancários e há muita facilidade hoje em dia, através dos aplicativos, para transações financeiras formais", cita o economista, destacando a bem-sucedida experiência do pagamento do auxílio emergencial através de contas digitais da Caixa Econômica Federal.

O Banco Mundial sugere que o Bolsa Família ou Auxílio Brasil também poderia ser atrelado a uma conta poupança dedicada. Mas alerta que é preciso programas para apoiar a inclusão digital das populações rurais e vulneráveis, já que o preço e a qualidade dos serviços de banda larga no Brasil são hoje fatores impeditivos para essas parcelas da população.

8) Melhorar a regularização fundiária

"Muitos estudos mostram que, quando os direitos de propriedade são claros e bem regularizados, os incentivos para cuidar, investir e produzir mais sobre uma determinada propriedade são muito maiores", diz o economista do Banco Mundial.

Segundo o estudo, cerca de 57% da população rural cronicamente pobre não possui registro formal de propriedade; metade do território registrado no Brasil tem registros sobrepostos; e os mais de 20 órgãos envolvidos na regularização fundiária no país não estão conectados.

Assim, o banco defende a simplificação e integração dos processos de cadastro de imóveis, além de um esforço de registro de terras estaduais e federais, com retificação ou cancelamento de registros equivocados.

"Uma reforma do processo de regularização fundiária, com sistemas melhor integrados, vai dar mais certeza aos direitos de propriedade para as famílias", afirma Ibarra.

9) Aumentar competitividade e abrir o mercado

O Banco Mundial avalia que o modelo econômico brasileiro, baseado em uma indústria altamente protegida e exportações de commodities, está "exaurido".

'Modelo econômico baseado em indústria protegida e exportações de commodities está 'exaurido', na avaliação do Banco Mundial'

Assim, a instituição defende que, para fortalecer o crescimento, é preciso acelerar mudanças estruturais, com o aumento da produtividade da indústria e do setor de serviços, diversificação das importações e aumento da participação do Brasil no comércio global.

O banco também defende a necessidade de o país retomar investimentos em infraestrutura e afirma que uma forma de fazer isso seria reduzir a vinculação de despesas no orçamento, gerando espaço para investimentos dentro do teto de gastos.

No entanto, o governo Jair Bolsonaro (PL) realizou diversas manobras para driblar o teto nos últimos anos e há uma expectativa de que um novo governo eventualmente mude a regra, que tem se mostrado de difícil cumprimento sob os moldes atuais.

10) Usar a política fiscal para promover a igualdade

A política fiscal diz respeito à arrecadação e aos gastos do governo. Aqui, o Banco Mundial faz duas sugestões principais: uma revisão dos programas sociais para destinar mais recursos aos gastos considerados mais eficientes e uma reforma tributária.

"Com os mesmos recursos poderíamos ter um impacto maior na pobreza ou até mesmo alguma poupança para fazermos mais investimentos nos serviços públicos", diz Ibarra.

A instituição destaca, por exemplo, os gastos com o Salário Família e o Abono Salarial, que por serem destinados a trabalhadores formais, beneficiam o meio da distribuição de renda, enquanto o Bolsa Família é considerado um gasto bem direcionado aos mais pobres.

O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) chegou a sugerir em estudos recentes a fusão do Bolsa Família, Salário Família, Abono Salarial e da dedução por dependentes no Imposto de Renda da Pessoa Física, para criação de um "benefício infantil universal". A proposta foi vista com bons olhos por especialistas em desigualdade, mas não avançou.

O Banco Mundial defende ainda a simplificação dos impostos indiretos — aqueles aplicados sobre o consumo de bens e serviços — para um modelo de Imposto de Valor Agregado (IVA), adotado em muitos países da Europa.

Um dos modelos de reforma tributária discutido nos últimos anos ia justamente nessa linha, mas também não prosperou.

11) Melhorar estatísticas e criar medida oficial de pobreza

Por fim, as últimas propostas do Banco Mundial para atacar a pobreza e a desigualdade tratam da produção de informação.

'Brasil deveria adotar metodologia oficial de medição da pobreza, para servir de referência às políticas sociais, diz banco'

Melhorar a coleta de dados sobre as populações indígenas e quilombolas e fortalecer o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), com a incorporação pelo órgão de novas fontes de dados como registros administrativos, big data e GPS, estão entre as recomendações.

O banco destaca ainda que a recente elevação da linha de pobreza considerada para pagamento do Auxílio Brasil para R$ 210 é positiva, mas insuficiente, sendo necessária a adoção de uma metodologia oficial de medição de pobreza no país.

"Com uma metodologia analiticamente sólida é possível definir o custo de vida no país e quanto as famílias precisam para cobrir suas necessidades básicas. Isso pode então servir de ponto de referência para identificar as famílias que estão em necessidade de apoio monetário", diz Ibarra. "Não é um exercício fácil, nem uma solução final para a pobreza no país, mas isso é importante porque dá um ponto de referência para a política pública." 

BBC Brasil

Al-Zawahari: um míssil ninja acabou com uma caçada de vinte anos




E mostrou ao mundo que o Afeganistão voltou a ser oficialmente um ninho de terroristas ao acolher o líder da Al Qaeda em plena capital. 

Por Vilma Gryzinski

Ele não era carismático nem tinha o porte imponente de Osama Bin Laden. Mas Ayman Al-Zawahari costumava ser chamado de o “verdadeiro cérebro” da Al Qaeda: dele partiam as instruções detalhadas para atentados terroristas dos quais o mais infame da história, os do Onze de Setembro.

O médico egípcio também conseguiu sobreviver doze anos a mais do que Bin Laden, usando a mesma rede de apoio entre o Paquistão e o Afeganistão que vai de militantes que abraçaram a ideologia fundamentalista da Al Qaeda a funcionários devidamente corrompidos.

No fim, provavelmente se sentia mais seguro. As forças americanas haviam batido em retirada, caoticamente, do Afeganistão e seus aliados do Talibã estavam de volta ao poder. Tinha voltado à capital, Cabul, numa prova de que a proteção oficial ao terrorismo estava restaurada. Morava desde o ano passado numa casa pertencente a Sirajjudin Haqqani, um chefe de facção que ocupava o posto de vice-ministro do Interior.

Até que dois “mísseis ninja” – nome oficial R9X Hellfire – apareceram na sacada da casa. O míssil disparado por drones não explode, como os foguetes convencionais, mas solta seis lâminas que esmagam e cortam o alvo. Foi especialmente desenvolvido para evitar os “danos colaterais”, geralmente mulheres e crianças dos quais os terroristas se cercam, sabendo o efeito negativo que a morte de inocentes tem sobre a opinião pública nos países ocidentais.

É uma arma que já foi descrita como uma combinação de “brutalidade medieval com alta tecnologia”.

O problema, obviamente, é ter certeza de que vai atingir o alvo desejado. Mesmo o sofisticado sistema americano de vigilância pode provocar erros como o que aconteceu durante os dias caóticos da retirada do Afeganistão: um drone do Exército acompanhou o trajeto de um carro suspeito de transportar um terrorista suicida.

Temendo uma repetição do atentado que havia matado treze americanos no aeroporto de Cabul, os responsáveis pela inteligência do Exército autorizaram um ataque contra o carro. O míssil matou dez pessoas de uma família, incluindo sete crianças e o motorista suspeito, na verdade funcionário de uma ONG americana.

Zawahari já era um fundamentalista quando conheceu Bin Laden, num Afeganistão ainda ocupado por forças soviéticas, com um histórico que remetia ao assassinato de Anuar Sadat, o presidente egípcio metralhado durante um desfile militar por ter cometido a ousadia de ir a Israel e abrir caminho a um tratado de paz que mudou o Oriente Médio.

Juntos, Bin Laden e Zawahari alimentaram-se mutuamente, desenvolvendo as teorias fundamentalistas que embasaram a sua jihad, a guerra santa à qual todos os muçulmanos tinham a obrigação de abraçar para expulsar os infiéis das terras islâmicas. O time foi reforçado com uma espécie de diretor operacional, o paquistanês Khalid Sheikh Mohammed, preso desde 2003 na base americana em Guantânamo – que nunca poderá ser fechada: se levado a território americano continental, ele desafiaria todo o sistema de justiça, que não pode aceitar provas tiradas sob tortura.

Segundo especialistas em religião muçulmana, Zawahari tinha um embasamento teológico mais sólido do que Bin Laden. Foi no Egito moderno que nasceu a Irmandade Muçulmana, a organização mãe de todos os fundamentalismos Exibia também na testa a “zabiba”, literalmente, uva passa, a mancha causada pela hiperpigmentação de tanto bater a cabeça no chão, numa das quatro posições das preces islâmicas.

A marca é considerada uma prova de grande devoção e não há dúvida de que o cirurgião egípcio abraçou uma forma extremada – e monstruosa – de prática religiosa, responsável por muitos milhares de mortes, não apenas dos “infiéis” americanos dizimados sob os escombros do World Trade Center, mas de muçulmanos que não obedecessem ao mesmo radicalismo ou simplesmente estivessem no caminho dos guerreiros de Alá.

A guerra ao terror decretada pelos Estados Unidos depois do Onze de Setembro produziu resultados complexos, que não podem ser resumidos em deu certo ou errado. A Al Qaeda foi dizimada, mas a ideologia que a alimenta não desapareceu. Ao contrário, a invasão do Afeganistão e, depois, do Iraque alimentou as próprias pulsões que pretendia erradicar.

No Oriente Médio, acabou dando origem ao Estado Islâmico, um movimento fundamentalista mais radical ainda do que os “tradicionalistas” da Al Qaeda. O próprio Talibã não só sobreviveu como retomou o poder, com a anuência de um governo americano interessado a acabar com um capítulo infeliz mesmo que ao preço de uma retirada humilhante.

Ninguém, obviamente, acreditou quando líderes do Talibã assumiram o compromisso de não se tornar, de novo, um foco de terrorismo. Mas ouvir que a morte do mestre terrorista foi uma transgressão das normas do direito internacional introduziu uma dose quase inacreditável de ironia nessa história.

O formidável aparato de inteligência dos Estados Unidos conseguiu acuar os fundamentalistas, evitar um novo Onze de Setembro, matar Bin Laden em seu “aparelho” no Paquistão e, agora vinte anos depois, fatiar Zawahari em Cabul.

A ideia espetacularmente irrealista dos neoconservadores do governo Bush, de que as intervenções americanas desencadeariam sistemas democráticos que seriam a melhor defesa contra o terrorismo, deu errado e o fundamentalismo continua muito vivo.

Mas Zawahari deixou o século XXI bem menor do que entrou nele.

Revista Veja

Como Taiwan poderia se defender contra a China?




Ameaçado por um dos maiores exércitos do mundo, governo em Taiwan segue a estratégia de dificultar ao máximo uma invasão. Não está claro até que ponto a ilha poderia contar com os EUA em caso de um ataque chinês.

Por Monir Ghaedi

As tensões entre Pequim e Washington se elevaram em meio à visita a Taiwan da presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy Pelosi.

Pelosi – a mais alta autoridade americana depois do presidente Joe Biden e da vice-presidente Kamala Harris – tem criticado ferozmente a China há décadas, enquanto apoia fortemente a oposição de Pequim, incluindo os manifestantes da Praça da Paz Celestial, o líder budista tibetano Dalai Lama e ativistas pró-democracia de Hong Kong.

Pelosi chegou a Taiwan nesta terça-feira (02/08).  Sua presença irritou as autoridades chinesas, que recentemente aumentaram seu patrulhamento agressivo e os sobrevoos sobre a zona de defesa aérea de Taiwan enquanto conduziam exercícios militares.

EUA defenderão Taiwan contra China?

Não está claro até que ponto Taiwan poderia contar com o apoio dos EUA em caso de agressão da China.

Por décadas, Washington tem adotado uma política de ambiguidade estratégica em relação a Taiwan, oficialmente conhecida como República da China. Os EUA mantêm uma relação amigável com o governo taiwanês, mas não o reconhecem como um Estado totalmente soberano, e não há relações diplomáticas formais. A Casa Branca tem vendido equipamentos militares de defesa para Taiwan, mas não se comprometeu oficialmente com uma intervenção militar.

Enquanto isso, a China vê a ilha como seu território e vem desenvolvendo planos para retomá-la, se necessário, à força.

Nas últimas décadas, o Partido Comunista Chinês vem preparando sua ala militar, conhecida como Exército de Libertação Popular da China (PLA). Ele supera as forças taiwanesas e, de acordo com alguns especialistas, é mais poderoso do que as forças que qualquer um dos apoiadores de Taiwan, como EUA ou Japão, poderiam levar para a região.

Mas isso não significa que Taiwan esteja completamente indefesa contra um possível ataque do Exército de Libertação Popular da China.

Estratégia do porco-espinho

O risco potencial de uma invasão chinesa paira sobre Taiwan há décadas – tempo suficiente para o desenvolvimento de um sistema de defesa sofisticado e adequado à sua geografia.

Para lidar com uma potência gigantesca como a China, Taiwan adotou um método de guerra assimétrico conhecido como "estratégia do porco-espinho", que visa tornar a invasão muito difícil e custosa para o inimigo.

Taiwan acumulou grandes estoques de armas e munições antiaéreas, antitanque e antinavio. Isso inclui veículos aéreos não tripulados e munições de baixo custo, como mísseis de cruzeiro de defesa costeira, que têm a capacidade de destruir os caros navios e equipamentos navais da China.

As embarcações furtivas de ataque rápido e os barcos de assalto com mísseis são outros equipamentos relativamente baratos, mas altamente eficazes. Eles podem ficar dispersos entre embarcações de pesca nos portos de Taiwan. As minas marítimas e os navios rápidos que lançam minas também podem complicar as operações de desembarque de qualquer marinha invasora.

Defesa marítima em várias camadas

Para tomar a ilha rapidamente, o Exército de Libertação Popular da China precisaria transportar muitos soldados e grandes quantidades de suprimentos – veículos blindados, armas, munições, alimentos, suprimentos médicos e combustível – pelo estreito que divide os dois territórios. Isso só é possível por via marítima, uma vez que as pontes aéreas e as frotas de aviões têm capacidade limitada.

O território de Taiwan inclui uma cadeia de ilhas, algumas delas próximas às costas chinesas. Os equipamentos de monitoramento instalados nessas ilhas podem detectar a primeira frota partindo do litoral da China. Isso deve dar às forças taiwanesas tempo suficiente para coordenar uma defesa em várias camadas.

As minas marítimas, combinadas com embarcações de ataque rápido e mísseis, juntamente com munições terrestres posicionadas em praias e ilhas próximas, enfrentariam o exército chinês em seu estado mais vulnerável, antes que ele tivesse a chance de pousar e iniciar uma operação.

'Taiwan investiu muito em um grande número de mísseis portáteis de baixo custo'

Guerrilha

Taiwan também preparou suas cidades para uma guerrilha, caso o exército chinês consiga chegar à costa de seu território.

Sistemas de defesa aérea portáteis (Manpads) e armas antiblindagem móveis, como sistemas de foguetes de artilharia de alta mobilidade (Himars), podem ser usados ​​em combates urbanos, enquanto edifícios podem ser transformados em quartéis.

De acordo com um relatório publicado pela think tank americana Rand Corporation em 2017, há 2,5 milhões de reservistas e 1 milhão de voluntários da defesa civil. No total, esse número representa cerca de 15% da população taiwanesa e um homem em cada quatro.

Prioridade: defender sistemas de defesa

Um dos principais objetivos das táticas de Taiwan é proteger os principais sistemas de defesa, incluindo aeronaves e sistemas de defesa antibalísticos, que podem interceptar foguetes e infligir danos primários às potências invasoras.

Nos últimos dois anos, Taiwan comprou dezenas de caças avançados dos EUA, enquanto fabricava seu próprio AIDC F-CK-1 Ching-Kuo, apelidado de Indigenous Defense Fighter. Muitas aeronaves estão sendo mantidas em bases com segurança reforçada, com os pilotos treinando pouso em rodovias no caso de aeroportos serem bombardeados.

Além disso, mesmo que Washington não se envolva em um potencial conflito, o país prometeu continuar vendendo sistemas de defesa e fornecer apoio de inteligência a Taiwan.

Todas essas medidas ajudariam Taiwan a enviar uma mensagem à China de que, se uma guerra eclodisse, ela seria longa, cara e sangrenta. No entanto, para uma ilha autônoma pequena, como Taiwan, o melhor cenário seria que o conflito nunca ocorresse.

Deutsche Welle

Pior que o mensalão...




Por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* (foto)

Alguém desconfia do que se trata? ... 49% dos brasileiros evitam falar sobre política, segundo pesquisa do Datafolha, que não detectou, nem procurou, qualquer rejeição moral ou imoral ao processo eleitoral, mesmo diante de um quadro explícito de corruptos e incompetentes querendo retornar às cenas do crime. Roberto Jefferson, da sua "prisão domiciliar’, acaba de lançar-se candidato à presidente da República. É pra valer ou apenas uma estratégia para ressuscitar memórias enterradas? 

Difícil acreditar que o cidadão brasileiro não perceba este, sim, "novo normal", que se esconde atrás das liberdades e dos resíduos da democracia, agenciando, com sinceridade duvidosa, a retomada do Poder do Estado, coniventemente com a própria Justiça e com   fanatismos emergidos da desinformação e das angustias da população.

Falar em política nesse momento no Brasil é dar legitimidade a candidaturas de quase 100 cretinos com processos   por corrupção em tramitação na Justiça, e liberados pelo Judiciário para serem candidatos à cargos públicos. A melhor descrição feita desse quadro é do Alkmim, que está aí, hoje, aparentemente corrompido, desfrutando cinicamente do mesmo espaço dos seus acusados:  " volta à cena do crime". No cenário despontam desde candidatos à presidente da república, a governador, a senador, a deputado, a prefeito e a vereadores. O círculo está fechado somente para o eleitor.  Nesta democracia apregoada, o cidadão não tem direito a escolha. Tudo está dado. 

Entre os aspirantes a retornar ao espaço do Estado estão aqueles que desviaram dinheiro do Orçamento Federal, dos ativos das empresas públicas, sobretudo, da Petrobrás, para comprar apoios no Congresso, e dos incentivos fiscais do Tesouro. Gente que a título de ajudar os mais pobres ou à cultura, comprou propriedades privadas, até fazendas, com esse dinheiro. Estão também aí aqueles que fizeram o uso dos recursos públicos criando contas em paraísos fiscais, e subornando governos estrangeiros. Nem a repatriação de parte desse dinheiro e a condenação lá fora dos subornados - até presidentes da República - serviu para dar materialidade judicial às práticas infratoras originadas no Brasil. 

Pois, esses mesmos delinquentes são os que estão aí tentando retornar à cena do crime e, curioso, pregando uma amoralidade: "Orçamento secreto é pior do que o mensalão!", bradam descaradamente, em praça pública, a plenos pulmões e muita adrenalina jorram suor de todos os poros. Sem dúvida   é uma imoralidade introduzida, de uns temos para cá, goela abaixo população, na gestão política do País. Mas não é qualquer pessoa que pode arvorar-se a fazer essa acusação. É preciso ter ficha limpa e o rabo solto. Essa figura é uma fantasia ou mesmo um fantasma. 

O modelo eleitoral brasileiro é em si cretino, e o conceito amplo e residual de democracia tem sido o grande escudo para se fazer o que se quer neste País, com ou sem amparo legal ou moral. Os candidatos auto inocentam-se, fazendo de conta que nada aconteceu ou nada está acontecendo. Com exceção de um aqui outro ali, não ganham sequer a pecha de despudorados. Os correligionários jogam o jogo eleitoral, como se estivessem em um estádio de futebol. Querem ganhar, e miram os futuros empregos públicos. 

A imoralidade com método de gestão no Brasil levou à desqualificação de instituições nacionais históricas, à desorganização das políticas públicas, à desestruturação da economia e à desmoralização do Brasil entre os pares, em diferentes fóruns internacionais. De países em desenvolvimento, o Brasil passou a ser listado entre os países mais corruptos do mundo.  As agências de avaliação de crédito chegaram a desclassificar o Brasil no mercado como bom pagador. 

Por aqui, os acreditados como mais honestos politicamente parecem mesmo sempre terem desejado, para o Brasil, um capitalismo sem lucro, ou um socialismo sem disciplina ou, ainda, a realização de   investimentos sem capital. Sempre viram as   empresas privadas sob o controle do Estado e as públicas sem nenhum controle. "Quando as pessoas querem o impossível, somente os mentirosos podem satisfazê-las[...]. É uma transa adúltera entre os filhos de Marx e a Coca Cola'.  Era um sábio...

Só podia terminar assim: "Se um de meus filhos for preso, eu arrasto todo o STF junto". O cidadão brasileiro, cumpridor dos seus deveres constitucionais, não pode dizer o mesmo. Não existe sequer a opção.  Belo cenário para a realização da democracia que se anuncia, às escâncaras, nas mesas de bar para o País. 

Sai-se da violência retórica e chula, acompanhada de ameaças e de uma enorme incompetência na gestão dos recursos públicos remanescentes, e cai-se no campo da transgressão econômica. Não há sintonia de propósitos   nem com a Nação. Só conchavos. Os pretensos políticos afogam-se em excesso de poder e a população submerge a inflação especulativa e oportunista:  IPCA (12 meses) 11,73,3%, taxa Selic 13,25 e juros de cartão de crédito entre 175 a 324 % ao ano.   Os bancos nadam de braçada.

O País entrou num processo de imoralidade pública generalizada, como nunca na História do Brasil. Aqueles cujas atividades criminosa tornaram-se mais visíveis tiveram suas ações e comportamento transformadas até em virtude, e os juízes os criminosos, assistindo, com a Constituição na mão, o reposicionamento de um conjunto de princípios da ética, da honestidade e do pudor. Nem Sócrates, nem Confúcio, nem Kant conseguiriam entender esse "novo normal". Talvez só mesmo o jovem filósofo Antônio Gramsci, com a sua imaginada revolução cultural.  

Stálin não previu aquele Gramsci, e este, como muitos em atividade, não visualizou   a tal de “internet” configurando e desconfigurando seu engenhoso projeto de sociedade. Com a rede de computadores conectados vieram as redes de sociais (5 bilhões de pessoas em contato direto no mundo, perto de 200 mil no Brasil). Hoje, qualquer cidadão tem o mundo na palma da mão.  Onde se vai chegar é difícil prever.  Este modelo não tem futuro, nem esses tipos políticos farão história.

Enfim, dadas as condições morais ainda vigentes, só de se aceitar falar nas eleições e, por conseguinte, nos candidatos que aí estão, já é uma imoralidade. É isso que a pesquisa do Data Folha esquiva-se de considerar. Mas, o certo é que estão todos à " procura de um candidato à altura do Brasil" (Circe Cunha) e, pode-me mesmo dizer que "o cenário do orçamento secreto é tão imoral quanto o do mensalão", mas olha quem fala! ...

*Jornalista e professor.

Chumbo Gordo

A imprudente visita de Pelosi a Taiwan coloca a Ucrânia em risco




Taiwan não ficará mais segura nem mais próspera como resultado dessa visita puramente simbólica, e muitas coisas ruins poder acoãontecer. 

Por Thomas Friedman, NYT

Tenho muito respeito pela presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi. Mas ao levar adiante uma visita a Taiwan, contrariando a vontade do presidente Joe Biden, ela faz algo absolutamente imprudente, perigoso e irresponsável.

Nada de bom sairá disso. Taiwan não ficará mais segura nem mais próspera como resultado dessa visita puramente simbólica, e muitas coisas ruins poderiam acontecer. Entre elas, uma resposta militar chinesa que poderia resultar nos EUA sendo mergulhados no mesmo momento em conflitos indiretos contra a Rússia e suas armas nucleares e contra a China e suas armas nucleares.

E se você pensa que nossos aliados europeus — diante de uma guerra existencial com a Rússia pela Ucrânia — se juntarão a nós se houver um conflito dos EUA com a China por Taiwan provocado por essa visita desnecessária, você não está entendendo nada a respeito do que está acontecendo no mundo.

Comecemos com o conflito indireto contra a Rússia e a maneira com que a visita de Pelosi a Taiwan o espreita.

Foco no que mais importa

Há momentos nas relações internacionais em que você tem de manter o foco no prêmio. O prêmio de hoje é claro como cristal: Temos de garantir que a Ucrânia seja capaz, no mínimo, de conter — e no máximo, de reverter — a invasão não provocada de Vladimir Putin, que, se for bem-sucedida, representará uma ameaça direta à estabilidade de toda a União Europeia.

Para ajudar a criar a melhor possibilidade para a Ucrânia reverter a invasão de Putin, Biden e seu conselheiro de segurança nacional, Jake Sullivan, realizaram uma série de reuniões difíceis com a liderança da China, implorando a Pequim que não entre no conflito na Ucrânia fornecendo ajuda militar à Rússia — e particularmente agora, num momento em que o arsenal de Putin está diminuído por cinco meses de guerra excruciante.

Biden, de acordo com uma graduada autoridade americana, disse pessoalmente ao presidente Xi Jinping que, se a China entrar na guerra na Ucrânia do lado da Rússia, Pequim estaria arriscando acesso a dois dos mais importantes mercados de exportação — Estados Unidos e União Europeia. (A China fabrica alguns dos melhores drones no mundo, que são precisamente o que as tropas de Putin necessitam neste exato momento.)

Um acordo tácito com os chineses

Ao que tudo indica, dizem-me autoridades americanas, a China respondeu não fornecendo ajuda militar a Putin — enquanto EUA e a Otan têm dado à Ucrânia uma quantidade significativa de armas avançadas e apoio em inteligência que têm causado bastante estrago no Exército da Rússia, uma ostensiva aliada da China.

Com tudo isso em jogo, por que diabos a presidente da Câmara escolhe visitar Taiwan e provocar deliberadamente a China agora, tornando-se a mais graduada autoridade americana a fazer uma visita oficial à ilha desde Newt Gingrich, que esteve lá em 1997, quando a China era muito mais fraca economicamente e militarmente?

O pior momento possível

O momento não poderia ser pior. Caro leitor: A guerra na Ucrânia não acabou. E, privadamente, as autoridades americanas estão muito mais preocupadas com a liderança da Ucrânia do que deixam transparecer. Há uma profunda desconfiança da Casa Branca em relação ao presidente ucraniano, Volodmir Zelenski — consideravelmente maior do que tem sido noticiada.

Trapaças e desonestidades ocorrem em Kiev. Em 17 de julho, Zelenski demitiu a procuradora-geral do país e o chefe da agência de inteligência doméstica — o rearranjo mais significativo em seu governo desde que a Rússia invadiu, em fevereiro. Seria o equivalente a Biden demitir Merrick Garland e Bill Burns no mesmo dia. Mas eu ainda não li nenhuma reportagem que explique de maneira convincente o que aconteceu nos bastidores. É como se não quiséssemos cavucar atentamente demais as entranhas de Kiev por medo da corrupção e das falcatruas que possamos encontrar depois de termos investido tanto por lá. (Escreverei mais a respeito desses perigos outro dia.)

Risco de ataque nuclear russo

Enquanto isso, graduadas autoridades americanas acreditam que Putin está bastante disposto a considerar o uso de uma arma nuclear menor contra a Ucrânia, caso ele veja seu Exército diante da derrota certa.

Em suma, esta guerra na Ucrânia NÃO acabou de nenhuma maneira, NÃO se estabilizou e ESTÁ REPLETA de surpresas perigosas que podem pipocar a qualquer dia. E ainda por cima, em meio a isso tudo, vamos arriscar um conflito com a China por Taiwan, provocado por uma visita arbitrária e frívola da presidente da Câmara?

A primeira lição da geopolítica é que você não entra em uma guerra de duas frentes contra duas superpotências ao mesmo tempo.

O risco de conflito com a China

Agora, consideremos a possibilidade de um conflito indireto contra a China e como a visita de Pelosi poderia desencadeá-lo.

De acordo com reportagens veiculadas na China, Xi disse a Biden em seu telefonema na semana passada, aludindo ao envolvimento dos EUA nos assuntos de Taiwan, como a possível visita de Pelosi, que, “quem brincar com fogo sairá queimado”.A equipe de segurança nacional de Biden deixou claro a Pelosi, uma antiga defensora dos direitos humanos na China, por que ela não deveria visitar Taiwan neste momento. Mas o presidente não telefonou para ela para pedir diretamente que ela não aterrissasse na ilha, aparentemente preocupado em não parecer brando em relação à China, abrindo uma frente para os republicanos o atacarem durante as campanhas das eleições de meio de mandato.

Uma medida da nossa disfunção política é um presidente democrata não conseguir impedir uma presidente da Câmara democrata de empreender uma manobra diplomática que toda sua equipe de segurança nacional — do diretor da CIA ao chefe do Estado-Maior Conjunto — qualifica como uma ação insensata.

Certamente, existe o argumento de que Biden deveria expor o blefe de Xi, apoiar Pelosi com pulso firme e dizer a Xi que, se ele ameaçar Taiwan de qualquer maneira, é a China que “sairá queimada”.

Isso poderia funcionar. Poderia dar uma sensação boa num primeiro momento. E também poderia dar início à 3.ª Guerra Mundial.

Na minha visão, Taiwan deveria ter simplesmente pedido a Pelosi que não viesse neste momento. Admiro muito Taiwan, sua economia e a democracia construída na ilha desde o fim da 2.ª Guerra. Visitei Taiwan inúmeras vezes ao longo dos últimos 30 anos e testemunhei pessoalmente o quanto a ilha mudou nesse período — e mudou muito.

Mas uma coisa não mudou para Taiwan: Sua geografia!

Desvantagens geográficas

Taiwan ainda é uma minúscula nação insular, agora com 23 milhões de habitantes, a cerca de 160 quilômetros da costa da China continental, com 1,4 bilhão de habitantes, que reivindica Taiwan como parte da pátria-mãe chinesa. Países que se esquecem de sua geografia se metem em encrenca.

Não confunda isso com algum pacifismo de minha parte. Acredito que é vital para o interesse nacional americano defender a democracia de Taiwan no advento de uma invasão chinesa não provocada.

Mas se formos entrar em um conflito direto com Pequim, que sejamos nós que determinemos o momento segundo nossas motivações. Nossas motivações são o comportamento cada vez mais agressivo da China em campos amplamente variados — de ciberintrusões a roubos de propriedade intelectual, a manobras militares no Mar do Sul da China.

Não cutuquem a China

Dito isto, este não é o momento de cutucar a China, especialmente tendo em conta o atual momento sensível na política chinesa. Xi está diante da possibilidade de garantir a extensão indefinida para seu mandato como líder da China no 20.º Congresso do Partido Comunista, previsto para ocorrer no outono. O Partido Comunista Chinês sempre deixou claro que a reunificação de Taiwan com a China continental é sua “tarefa histórica” e, desde que chegou ao poder, em 2012, Xi ressaltou constantemente e implacavelmente seu compromisso com essa tarefa, determinando manobras militares agressivas em torno de Taiwan.

Com sua visita à ilha, Pelosi dará, na verdade, uma oportunidade para Xi desviar a atenção de seus próprios fracassos: a estratégia truculenta para tentar impedir a disseminação da covid-19, impondo lockdowns sobre as principais cidades da China; e a gigantesca bolha imobiliária que agora está se esvaziando e ameaça provocar uma crise bancária e uma imensa dívida pública resultante do apoio irrestrito de Xi às empresas estatais.

Duvido realmente que a atual liderança de Taiwan, no fundo de seu coração, desejava uma visita de Pelosi neste momento. Qualquer um que tenha acompanhado o cuidadoso comportamento da presidente taiwanesa, Tsai Ing-wen, do Partido Democrático Progressista, pró-independência, desde sua eleição, em 2016, tem de estar impressionado com seus consistentes esforços em defesa da independência de Taiwan sem dar à China alguma desculpa fácil para uma ação militar contra a ilha.

Lamentavelmente, temo que o crescente consenso dentro da China de Xi é que a questão de Taiwan só pode ser resolvida militarmente, mas a China quer fazer isso segundo seu próprio cronograma. Nosso objetivo deveria ser dissuadir a China dessa empreitada militar segundo o NOSSO cronograma: eternamente.

Mas a melhor maneira de fazer isso é armar Taiwan até que a ilha se torne o que analistas militares chamam de “porco espinho” — um país repleto de tantos mísseis que a China jamais ousaria pôr suas mãos em cima — ao mesmo tempo que diz e faz o mínimo possível para provocar a China fazendo-a pensar que ela TEM de colocar as mãos em Taiwan agora. Perseguir qualquer coisa que não seja uma abordagem equilibrada seria um erro terrível, com consequências vastas e imprevisíveis.

O Estado de São Paulo

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