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sexta-feira, julho 01, 2022

As origens intelectuais da defesa do aborto



Liberal e democrático em sua origem, o movimento feminista ganhou contornos radicais a partir das décadas de 60 e 70 do século passado, quando, na esteira da contracultura de esquerda então em voga, diversas pensadoras promoveram a “segunda onda” do feminismo. 

Por Luciano Trigo 

Se o feminismo é um movimento que luta pela igualdade de direitos entre os sexos e combate abusos e violência contra mulheres, somos todos feministas. Em seu sentido original, o feminismo se fundamenta em um dever moral que é hoje um consenso: o reconhecimento de que todos são iguais. Dito de outra maneira: ninguém pode ser discriminado (nem privilegiado) pelo acaso de ter nascido homem ou mulher.

Esta premissa da igualdade de direitos já está presente em documentos da pré-História do feminismo, como os panfletos “Declaração dos direitos da mulher cidadã”, da francesa Olympe de Gouges (1791). e “Reinvindicação dos direitos das mulheres”, da inglesa Mary Wollstonecraft (1792), que contestavam a submissão das mulheres, os casamentos arranjados e a desigualdade no acesso à educação, entre outros temas.

A mesma premissa marcou a “primeira onda” formal do movimento feminista, iniciada no final do século 19, quando mulheres se organizaram para lutar por igualdade jurídica, nos Estados Unidos e na Inglaterra. O movimento das sufragistas, particularmente, resultou no direito ao voto feminino, entre outras conquistas importantes, já nas primeiras décadas do século 20.

Embora incorporado ao senso comum, esse conceito de feminismo como luta por igualdade jurídica está ultrapassado: já há mais de 50 anos, o feminismo vem se transformando em algo completamente diferente, inclusive nos seus fundamentos. Liberal e democrático em sua origem, o movimento ganhou contornos radicais a partir das décadas de 60 e 70 do século passado, quando, na esteira da contracultura de esquerda então em voga, diversas pensadoras promoveram a “segunda onda” do feminismo.

É importante recapitular algumas ideias dessas autoras, porque elas estão na raiz de vários processos comportamentais que estamos testemunhando hoje. Andrea Dworkin, por exemplo, afirmava que toda relação sexual – mesmo consensual – entre um homem e uma mulher é um estupro, já que reforça a estrutura simbólica de poder imposta pelo patriarcado. Ela hoje seguramente estaria celebrando o projeto de criminalização do olhar masculino, anunciado outro dia, e outras iniciativas para a implantação da “masculinidade frágil” atualmente preconizada como ideal a ser alcançado pelos homens.

'Andrea Dworkin: toda relação sexual é um estupro'

Mas a pensadora feminista da segunda onda mais relevante para entendermos o feminismo contemporâneo é a canadense Shulamith Firestone, autora do livro “A dialética do sexo” (1970), ainda hoje adotado em diversas universidades americanas. Ela afirmava, entre outras coisas, que a gravidez era uma forma de opressão, e que as mulheres deviam se libertar da função reprodutiva por meio de tecnologias de reprodução artificial e, naturalmente, do aborto.

'Shulamith Firestone: a maternidade é uma forma de opressão'

Não por acaso, Firestone parece ter sido fortemente influenciada por uma feminista russa, Alexandra Kollontai, que já nos primeiros anos do comunismo soviético antecipou algumas bandeiras defendidas pelo feminismo do século 21: a total desconstrução dos papéis sociais atribuídos a homens e mulheres; a assimilação do feminismo ao ideário socialista; e a deliberada destruição da família como pilar da exploração capitalista, projeto anunciado já em 1884 por Friedrich Engels em seu livro “A origem da família, da propriedade privada e do Estado” (“Na família, o homem é o burguês, a mulher é o proletário”, escreveu Engels).

'Alexandra Kollontai: o Estado substituirá a família'

Mesmo tendo sido publicado há mais de 50 anos, “A dialética do sexo” é assustadoramente atual: Shulamith Firestone defendia não apenas o aborto legal e generalizado como ferramenta de desconstrução da ordem social machista, como também a garantia de independência total das mulheres pelo Estado - o que implicava, naturalmente, abandonar a economia capitalista e instaurar o socialismo.

Nesse sentido, Firestone enxergava as mulheres como uma classe social, e como tal elas deveriam se comprometer com a destruição das relações de produção e reprodução do capitalismo, aí incluída a reprodução biológica. O aborto seria, portanto, a ferramenta por excelência das mulheres na luta de classes que conduziria à destruição do capitalismo e a chegada ao paraíso comunista.

Mais uma vez fica claro o paralelo com o feminismo comunista de Kollontai, que escreveu: “A libertação da mulher, enquanto membro da sociedade, trabalhadora, indivíduo, esposa e mãe é possível, unicamente, em paralelo à solução da questão social geral e com a transformação fundamental da ordem social atual”.

E ainda: “A pátria comunista alimentará, criará e educará a criança. O Estado dos trabalhadores acudirá em auxílio da família, substituindo-a; gradualmente, a sociedade se encarregará de todas aquelas obrigações que antes recaíam sobre os pais” (“O comunismo e a família”, 1921).

Mas o aspecto mais importante e revelador do programa de Firestone é o seguinte: ela pregava, textualmente, a abolição de todas as diferenças culturais não somente entre homens e mulheres, mas também entre adultos e crianças, de forma que todos, inclusive as crianças, tenham liberdade sexual para fazer o que quiserem – o que evidentemente abre uma porta para a pedofilia. Na sociedade ideal da autora, meninas de 11 anos engravidando de meninos de 13 seriam acontecimentos normais e positivos, e não objeto de escândalo.

Firestone esclarece seu programa nesse trecho de “A dialética do sexo”: “Depois de poucas gerações, relações entre pessoas de idades muito diferentes [incluindo crianças, subentende-se aqui] se tornarão algo comum. O conceito de infância será abolido, e as crianças terão plenos direitos legais, sexuais e econômicos. Durante o curto período da infância, teremos substituído a paternidade psicologicamente destrutiva de dois adultos arbitrários [por um modelo no qual] os tabus das relações homossexuais e das relações entre adultos e crianças desapareceriam”.

Qualquer semelhança com o que acontece hoje, quando uma pedagogia supostamente progressista defende o ensino da ideologia de gênero para crianças em sala de aula, avocando o papel da família e destruindo os direitos parentais na educação, não é mera coincidência. E todos somos obrigados a achar bonito esse movimento, que conta aliás com o patrocínio da Disney.

Não muito tempo depois de lançar “A dialética do sexo”, Shulamith Firestone recebeu um diagnóstico de esquizofrenia paranoide e passou a maior parte de seus últimos anos internada em instituições psiquiátricas – até morrer em 2012, com a saúde mental completamente deteriorada. Não deixa de ser sugestivo que a sociedade esteja se deixando influenciar hoje pelas ideias de uma esquizofrênica.

O feminismo teve ainda uma terceira e uma quarta onda – esta, em pleno curso, é definida pela militância nas redes sociais associada à cultura do cancelamento como forma de combate à misoginia. Antes de analisar essas ondas, porém, convém investigar como se deu, na prática, a implantação das ideias de Alexandra Kollontai na Rússia comunista, o que será tema do meu próximo artigo.

Gazeta do Povo (PR)

Um deficiente, uma mulher e outros ministros acusados de abuso sexual.

 




Nenhum outro governo tem tantas, e tão estranhas, denúncias contra seus integrantes como o do altamente correto Emmanuel Macron.

Por Vilma Gryzinski

Pode um deficiente vítima de uma doença rara, que produz grave atrofia nos braços e nas pernas, dominar e violentar uma mulher?

Damien Abad, que sofre de artrogripose, diz que é impossível. Ele é ministro das Solidariedade, da Autonomia e das Pessoas Deficientes. Logo depois que foi nomeado por Emmanuel Macron, vieram à tona denúncias de abusos sexuais.

Uma das mulheres disse que ele pôs algo em sua bebida, durante uma festa, em 2010. Foi ao banheiro cuspir a bebida suspeita e, ao sair, ele a esperava na porta. Arrastou-a para o quarto e tentou obrigá-la a fazer sexo oral. “Fiquei com medo, apavorada, me debati e bati na barriga dele”. Outro convidado entrou no quarto e ela aproveitou para escapar.

Segundo outra acusadora, ela começou um ato sexual consensual com o acusado, mas ele a obrigou a fazer sexo anal, o que não queria.

Macron, que tem um senso muito forte da liturgia do cargo, o manteve no gabinete. Abad, escorado na sua deficiência, está processando a primeira acusadora por calúnia. Ele foi reeleito.

Mais estranho ainda é o caso da secretária do Desenvolvimento, a ginecologista Chrysoula Zacharonpoulou. Duas mulheres a acusam de violação durante consultas médicas.

Como uma mulher é envolvida nesse tipo de crime? Teriam as acusadoras confundido desagradáveis exames ginecológicos com violência sexual?

Tudo isso está sendo investigado. A médica de origem grega é uma especialista em endometriose que entrou no governo pouco antes da eleição legislativa do começo do mês na qual Macron perdeu a maioria e, segundo vários analistas, a capacidade de fazer um governo efetivo.

Manter acusados de violência sexual nos cargos, enquanto a justiça os investiga, é uma prática que Macron consolidou desde que o ministro do Interior, Gérald Darmanin, entrou na lista. Sua acusadora é Sophie Patterson-Spatz.

Ela diz que o incidente aconteceu em 2009, quando Darmanin era encarregado de assuntos jurídicos do partido de centro-direita que hoje se chama Republicanos. Procurou-o, por carta, para tentar revisar a condenação de um ex-namorado. Segundo sua denúncia, ele condicionou a ajuda a favores sexuais. Ela concordou em “entrar na dança”, segundo suas palavras. Na justiça, mostrou as mensagens trocadas:

“Abusar de sua posição. Da minha parte, é ser um crápula nojento. Quando sabemos do esforço que fiz para transar com você. Para que cuidasse do meu caso”.

Resposta:

“Você tem razão, eu sou com certeza um crápula nojento. O que posso fazer para ser perdoado?”.

Troca de favores, uma moeda repugnante, mas muito conhecida, de pessoas sem escrúpulos em posições influentes, pode ser considerada violência sexual? Como provar que foi um ato de constrangimento e não consensual? E o caso da mulher que iniciou com Damien Abad uma relação consentida, mas diz ter sido abusada depois?

Em empresas e instituições americanas, as regras são claras: toda relação entre superiores e subordinados, mesmo sem nenhum constrangimento, é terminantemente proibida.

O caso mais recente de grande projeção foi o de Jeff Zucker, o chefão da CNN. Ele tinha um envolvimento de muitos anos com Allison Gollust, vice-presidente e diretora de marketing. Aparentemente, os dois ainda eram casados com outras pessoas quando o relacionamento começou. Allison e o marido foram morar no mesmo prédio que Zucker e a mulher. Posteriormente, ambos se divorciaram e foram assumindo a relação conhecida dentro e fora de seu círculo profissional e social.

Ambos estão fora da CNN, que pertence ao grupo Warner Brothers Discovery. O novo presidente, Chris Licht, está aproveitando a virada para tentar baixar o tom excessivamente partidário do canal a cabo que começou como uma confiável “agência de notícias com imagens” e, durante o governo Trump, se transformou num órgão dedicado 24 horas à militância contra o presidente. O fim da era Trump trouxe uma consequente queda na audiência.

Nenhuma pessoa pode alegar, hoje, que ignora as regras em vigor sobre o comportamento impróprio em matéria de insinuações, convites, pedido de favores, mãos bobas e outras práticas que todo mundo sabe serem proibidas.

Cada caso dos ministros franceses acusados está sendo investigado e todos, obviamente, têm direito a só serem considerados culpados depois do devido processo legal.

Politicamente, é diferente. Macron aposta que irão se sair bem e não respingar sujeira no governo. É uma aposta arriscada. Nicolas Hulot, ex-ministro da Transição Ecológica e apresentador de televisão, está sendo acusado de abusos sexuais por seis mulheres. Uma delas diz que tinha 16 anos quando Hulot a convidou para assistir um programa que ele apresentava e, depois, em seu carro, tentou obrigá-la a fazer sexo oral.

Hulot saiu em lágrimas do governo, como se fosse um mártir ambientalista. Hoje, diz que está sendo alvo de “linchamento”.

Para que não se sinta sozinho, o ex-secretário do Meio Ambiente no governo Hollande Jean- Vincent Placé, adotado na Coreia do Sul quando bebê, teve que pagar uma multa de cinco mil euros por assédio sexual a uma policial que fazia a guarda de sua residência oficial. Em outro caso da mesma natureza, chegou a ser colocado em prisão temporária.

É alguma coisa na água que os ministros franceses bebem ou simplesmente falta de noção sobre as consequências de atos que a sociedade não aceita mais? Por acaso ignoram que as assediadas que aceitam os avanços são estritamente vigiadas pelas que os rejeitam? E que a rádio peão sabe tudo?

Revista Veja

Governo Bolsonaro é uma carreata de aberrações




Indecência e desumanidade eram sabidas, mas essa gente consegue ser caricatura de si mesma

Por Vinicius Torres Freire (foto)

Até agora, seis mulheres acusam com detalhes o presidente da Caixa de assédio sexual, de ser um tarado agressivo, pelo menos. Amigão de Jair Bolsonaro, Pedro Guimarães era chamado de "Pedro Maluco" até por assessores do Planalto.

Era um eufemismo.

Um secretário da Cultura bolsonariano fantasiou-se de nazista, de Goebbels, em vídeo promocional. Um tipo que ora ocupa a mesma cadeira diz que seu modelo de família é o da máfia e publica fotos segurando uma pistola.

Milton Ribeiro, pastor e dito teólogo um dia aboletado no ministério da Educação, deixou que distribuíssem Bíblias com uma foto da fuça dele. Em termos de vulgaridade bolsonarista é café pequeno, vaidade blasfema, negócio comezinho em um governo que usa santos nomes em vão e em pecados ainda piores. Mas o tipo é pastor e fez mais.

Disse uma vez que crianças tinha de ser educadas com "severidade", até que sentissem dor, insultou homossexuais e afirmava que crianças com deficiência tinham de ser apartadas na escola. Sim, fez parte da linhagem de gente inacreditável que arruinou o MEC. Quem liga?

Quando achava que ninguém estava ouvindo, dizia que acobertava pastores traficantes de influência por indicação de Bolsonaro, uma gente acusada de cobrar propina a fim de liberar verbas para prefeituras. Fora do governo, insinuou que era acobertado por Bolsonaro, que o alertou de uma operação da Polícia Federal.

O pior do Congresso, o centrão do centrão, tomou conta da Codevasf e do FNDE, por exemplo, de onde pipocam escândalos de superfaturamento e propina. O general-chefe da Abin, defensor da tortura, da ditadura passada e do golpe futuro, um dia chamara o centrão de ladrão.

Como muito bem se sabe, em 2018 o general original do samba Augusto Heleno cantou em um karaokê político do MBL uma paródia de "e se gritar ‘pega ladrão’, não sobra um, meu irmão". Os líderes do poderoso centrão são os regentes do governo Bolsonaro, contratados a fim de evitar risco de impeachment.

Augusto Heleno não precisa mais gritar: o centrão mora na sala ao lado. No andar de baixo do Planalto, há rezas e louvores. "O mercenário, que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê o lobo aproximar-se, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as arrebata e dispersa, porque ele é mercenário e não se importa com as ovelhas" —Evangelho de João.

Por falar em oficiais do bolsonarismo, generais e coronéis especialistas em logística da turma do general Pesadello, flanavam no ministério da Saúde durante o caos sanitário promovido por Bolsonaro, no maior morticínio da história do Brasil. Confraternizavam na mesa de restaurante com desclassificados que ofereciam negócios com vacina, vacina que de resto Bolsonaro sempre atacou e avacalhou.

O presidente da Fundação Palmares, dedicada à memória da cultura negra, chamou o movimento negro de "escória maldita". "Escória do mundo" era como Bolsonaro chamava imigrantes senegaleses, haitianos, iranianos, bolivianos e sírios, em 2015. Bolsonaro também já lamentou que o genocídio indígena no Brasil tenha sido incompleto.

Ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles é objeto de um inquérito por suspeita de atrapalhar a investigação policial do tráfico de madeira e mais. Um tipo que comandou o Itamaraty, ministro das Relações Exteriores, congratulava-se por o Brasil ser um pária internacional, inspirado pelas ideias de um falecido influencer filosófico de internet, também mentor intelectual de boa parte da cúpula militar, ao menos da declaradamente bolsonarista, que não é de menos. Reclamavam da boca rica dos "políticos" porque, como se viu, não sobrava para eles.

Delegados à frente de inquéritos sobre os Bolsonaro e turma caem. O procurador-geral da República sempre fica: não se move. Etc.

E daí? Nada.

Era só para lembrar apenas parte ínfima do que é o bolsonarismo em ação: cafajestadas, boca-suja, "trozoba na hemorroida", cafonices de ressentidos e fracassados, vulgaridades, insultos contra a diversidade humana, baixo nível intelectual, profissional e acadêmico, destruição institucional, golpismo e projeto de tirania. É um padrão.

Folha de São Paulo

Esta, sim, uma herança maldita




O desespero de Bolsonaro para se reeleger compromete a recuperação do País

Por William Waack (foto)

Tanto faz se o pacote para turbinar benefícios sociais é tratado por “do desespero” ou “de emergência”. O que ele traduz é apenas desesperada tentativa de Jair Bolsonaro de organizar uma “virada” nas eleições.

Essa atabalhoada operação política faz parte também do modo de fazer negócios do Congresso. Outros países, como a Alemanha, recorreram a subsídios para atenuar o impacto dos preços dos combustíveis. No Brasil se alteram a Constituição, as regras fiscais e as normas para ano de eleições.

O economista Marcos Mendes listou 95 medidas aprovadas pelo Congresso desde 2015 que ele considera bastante prejudiciais do ponto de vista fiscal – o atual pacote é apenas o exemplo mais recente. Não se trata apenas da concessão de benefícios a setores diversos (taxistas, usineiros, turismo). Nesse “estado de emergência” causado pelos preços de combustíveis o Congresso interferiu também na capacidade dos governadores de arrecadar.

Via decretos legislativos, altera medidas do Executivo para fixar tarifas de energia elétrica, por exemplo. Pendura na privatização da Eletrobras dispositivos para favorecer interesses econômicos regionais. E parte para cima da Petrobras com a intenção explícita de controlar a estatal, sob o pretexto de “ajudar os pobres”.

É interessante notar como essas várias medidas recentes foram aprovadas com maiorias esmagadoras, isto é, “direita” e “esquerda” estão votando do mesmo jeito. Não há muita diferença entre esses “polos” quando se trata de interferir em preços ou arranjar uma forma de gastar mais. Cabe ressaltar aqui mais uma vez como o Centrão está confortável com a vitória de Bolsonaro ou com a de Lula na eleição.

Bolsonaro não inventou nada disso aí, apenas a sua incompetência política tornou mais fácil o “modo business” (Marcos Mendes) do Congresso. Sem qualquer plano de governo a não ser continuar no governo, não tem ideia da armadilha que preparou caso se reeleja.

No momento o “pacote de emergência” serve apenas para tentar evitar perder já em primeiro turno, na crença de que o antipetismo o leve à vitória no segundo. Ocorre que as fichas foram todas agora para um conjunto de bondades que, para trazer efeito desejado, precisaria de mais do que os três meses restantes até as eleições.

Para o País, criaram-se um cipoal de judicializações e um profundo descrédito na capacidade do sistema político de levar política fiscal a sério. Achando que o adversário está fazendo o serviço sujo (arrebentar com o teto de gastos), Lula não parece até aqui ter noção do que será – esta, sim – a herança maldita. 

O Estado de São Paulo

Pedras no caminho




Por Merval Pereira (foto)

O caso de Pedro Guimarães, que não à toa era conhecido como “Pedro Maluco” no mercado financeiro, de onde veio para a equipe de Paulo Guedes para dirigir a Caixa Econômica Federal, é típico da política brasileira. Ela guarda surpresas a cada eleição presidencial. Recentemente tivemos o escândalo do mensalão, que deu ao então tucano Alckmin inacreditáveis 41% no primeiro turno contra Lula em 2006, e a morte trágica do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, que poderia ter sido a surpresa da eleição de 2014, papel que Marina Silva assumiu em seu lugar para ser destroçada por uma campanha sórdida dos dois principais concorrentes, a petista Dilma e o tucano Aécio.

O Plano Real pegou de surpresa Lula em 1994 e elegeu Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno. O caçador de marajás Collor de Mello atropelou dois políticos tradicionais da esquerda, Lula e Brizola. Surgem fatos que retiram as chances de candidatos, como Roseana Sarney, abatida em pleno voo por pacotes de dinheiro vivo, e outros que quase atrapalham, como a prisão dos “aloprados” petistas comprando dossiês contra tucanos.

Tudo indica que novos fatos surgirão no caminho durante a campanha, outros serão relembrados na propaganda oficial, levando a que dificilmente Lula vença no primeiro turno. Mas ele está se esforçando. Começou a campanha anunciando várias medidas e posições não radicais, parecia querer ressuscitar o “Lulinha Paz e Amor” de 2002, mas provocou a ira da esquerda extremista do PT, a que teve de dar espaço na campanha.

Resultado: falou uma série de coisas que provocaram reações no eleitorado, como acabar com a reforma trabalhista, o fim do teto de gastos, posicionou-se a favor do aborto, reforçando as críticas de Bolsonaro sobre um suposto Lula contrário à vida, e tropeçou em outros assuntos delicados. Para criticar Bolsonaro, Lula deu a entender que policial não é gente numa frase mal elaborada e teve de pedir desculpas.

Lula também exortou seus seguidores a pressionar os políticos em suas casas, junto às famílias, o que provocou uma reação do meio político. Teve de voltar atrás em vários pontos e agora de novo está a correr para o centro democrático e para os empresários, porque está vendo a chance de vencer no primeiro turno. Tenta ampliar a base de seu eleitorado com votos da centro-direita, auxiliado também pelo governo Bolsonaro, que está perdido, em meio a problemas de toda ordem, como o envolvimento do presidente da Caixa em assédio sexual.

Lula tenta se reaproximar de Michel Temer, acusado por setores petistas de ter derrubado a ex-presidente Dilma no impeachment, e de Marina Silva, sua ministra do Meio Ambiente que deixou o governo com queixas contra as posições da sucessora de Lula. Não chega a ser uma nova Carta aos Brasileiros, mas ele faz movimentações de quem quer realmente terminar a eleição no primeiro turno.

A questão central nesta campanha, em que a radicalização da extrema direita destaca um perigo atribuído à extrema esquerda petista, é que o país é conservador. Lula nunca foi eleito devido às plataformas radicais de seus “aloprados”, mas a sua capacidade de composição com o centro, mesmo que por meio de métodos sujos.

Antes dele, Fernando Henrique Cardoso já havia entendido que, para governar o país, não basta ganhar a eleição, mas é preciso uma base ao centro, até a direita não radicalizada. Foi buscar o apoio do PFL, oriundo da Arena dos militares, causando furor na esquerda de então. Foi o único presidente até hoje a ser eleito e reeleito no primeiro turno, e Lula se ressente disso.

Em 2006, Lula ficou tão abalado com a votação espantosa de Alckmin no primeiro turno que sumiu durante uma semana. Foi só um susto que o eleitorado quis lhe dar, pela arrogância de ter se recusado a participar de debates e pela própria crise do mensalão, que até hoje marca as gestões petistas. Alckmin, hoje seu parceiro de chapa, conseguiu a proeza de ter menos votos no segundo turno que no primeiro, e Lula venceu a eleição com folga.

A possibilidade de vencer pela primeira vez no primeiro turno faz o ex-presidente voltar-se para o centro, mas seu passado o condena. As cenas do mensalão e do petrolão serão reavivadas, e mesmo a Lava-Jato, destroçada com o auxílio de Bolsonaro, será ressuscitada por ele na campanha. Se Simone Tebet conseguir unificar MDB e PSDB, o que parece quase uma missão impossível, pode ter uma brecha para explorar. Lula, de qualquer maneira, tem vantagem sobre Bolsonaro, que, além do passado que o condena, tem um presente a persegui-lo.

O Globo

A verdadeira herança maldita - Editorial


Bolsonaro e Lira


Não se sabe quem será o próximo presidente, mas isso não é importante para os que trabalham neste momento para manter o orçamento secreto intacto e sob controle do Centrão

Quem suceder a Jair Bolsonaro na Presidência da República encontrará um rastro de destruição em áreas essenciais da administração pública federal, como economia, saúde, educação, cultura, relações exteriores e meio ambiente. Mas poucos legados do atual mandatário terão sido tão nefastos para o futuro próximo do País quanto a entrega, pelo Poder Executivo, da responsabilidade que lhe cabe na gestão do Orçamento a um grupo de parlamentares oportunistas, que viram na debilidade moral, política e administrativa de Bolsonaro o ensejo para cobrarem do presidente um alto preço por sua permanência no cargo, malgrado a miríade de crimes de responsabilidade que ele cometeu – e segue cometendo.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), é figura de proa na arquitetura e na execução desse arranjo inconstitucional. Sob suas ordens diretas está a destinação da maior parte dos bilionários recursos que compõem o chamado orçamento secreto. Poucos políticos detiveram tanto poder em suas mãos na história recente do País como Arthur Lira detém hoje. E o presidente da Câmara sabe disso. Tanto que, à luz do dia, manobra para conservar não apenas o próprio orçamento secreto, mas, sobretudo, o seu papel central no esquema, seja quem for o vencedor da eleição presidencial em outubro.

Como revelou o Estadão no domingo passado, Lira pretende incluir um dispositivo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 – ou criá-lo por meio de uma resolução do Congresso – que torne obrigatórias as assinaturas do presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e do relator da LDO para as indicações das emendas do orçamento secreto, em conjunto com a anuência do relator-geral do Orçamento, que hoje é quem detém essa “prerrogativa”, chamemos assim, com exclusividade.

Até aqui, a ordem das coisas tem atendido bem aos interesses de Arthur Lira e seu grupo político. Os relatores-gerais do Orçamento nos últimos dois anos foram aliados do presidente da Câmara. Mas Lira, não é de hoje, já está com os olhos voltados para 2023, pensando não só em sua reeleição como presidente da Casa, como também em maneiras de conservar seu poder pessoal de direcionar a distribuição das emendas do orçamento secreto, que no ano que vem deverão somar R$ 19 bilhões. A estratégia eleitoral de Lira para seguir à frente da Câmara na próxima legislatura está umbilicalmente ligada à renovação de seu mandato pelos alagoanos, por óbvio, e ao seu poder de distribuir dinheiro entre os pares.

O relator-geral do Orçamento de 2023 será o senador Marcelo Castro (MDB-PI), um parlamentar que não faz parte do grupo político de Arthur Lira. Já o presidente da CMO será o deputado Celso Sabino (União-PA), aliado de Bolsonaro e escolhido pessoalmente pelo presidente da Câmara para chefiar a comissão. Por fim, o senador Marcos Do Val (Podemos-ES) será o relator da LDO. Do Val, como os brasileiros puderam acompanhar durante a CPI da Pandemia, tem forte inclinação governista.

O que funcionou até aqui com relatores-gerais do Orçamento aliados de Arthur Lira pode não funcionar da mesma forma em 2023, quando a relatoria-geral estará a cargo de um parlamentar cuja atuação o presidente da Câmara pode não ter como controlar. É vital para Lira, portanto, diluir o poder de Marcelo Castro entre seus aliados na presidência da CMO e na relatoria da LDO e tornar o pagamento das emendas RP-9 impositivo, como é para as emendas individuais e de bancada. Já para o País, vital é acabar com o orçamento secreto.

O próximo presidente da República haverá de empreender um grande esforço para recuperar o controle do Orçamento que foi perdido durante o governo de Jair Bolsonaro. E recuperar esse controle não apenas para cumprir a transparência inscrita na Constituição, razão fundamental por si só e já ordenada pelo Supremo Tribunal Federal, mas para também reconciliar o Orçamento com as grandes prioridades nacionais, que são muito distintas dos interesses paroquiais dos parlamentares que hoje se esbaldam com recursos públicos sem prestar contas a ninguém. 

O Estado de São Paulo

A segunda frente da guerra




A Rússia como a principal ameaça da OTAN deverá tornar-se patente no novo Conceito Estratégico, e será um guia para a postura de defesa da NATO, o seu foco militar e dos seus investimentos.

Por Madalena Meyer Resende (foto)

Há duas guerras a serem travadas contra a Rússia. Uma que opõe a Rússia à Ucrânia, e outra entre o Ocidente e a Rússia. Enquanto a primeira se trava no campo de batalha, a segunda trava-se nas chancelarias e nos meios diplomáticos. Nas últimas semanas o Ocidente marcou várias avanços nesta segunda guerra, usando as instituições multilaterais do pós-guerra para a integração das políticas externas e de defesa dos países do campo ocidental contra a ameaça russa.

O primeiro desenvolvimento, a oferta, à Ucrânia e à Moldávia, do estatuto de estado candidato à União Europeia foi primeiro anunciada durante a visita a Kiev de Scholz, Macron, Draghi e Ciucă. Mostrando uma clara vontade política dos Estados europeus no processo de integração da Ucrânia, foi depois secundado no Conselho Europeu de 23 de junho. Este foi um concerto entre a Alemanha e a França no sentido de não deixar o processo ser conduzido pela Comissão.

A clara vontade do governo alemão em garantir um sinal de apoio a Zelensky – depois de este ter condenado repetidamente a Alemanha pelo seu tímido apoio militar a Kiev – foi uma manifestação clara de que a mudança de política externa e de segurança alemã – a Zeitenwende – é uma realidade com impacto também na política europeia.

Mais, durante a reunião do G7 em Munique, a centralidade da relação entre Berlim e Washington na gestão da crise da Ucrânia, e a confiança gerada entre os dois governos durante esta parceria, foi patente. No videoclip inicial da chegada a Munique, a conversa entre Olaf Scholz e Joe Biden segue o mantra de que “devemos permanecer juntos”, e que, ao contrário das expectativas do Presidente russo Vladimir Putin de que a NATO e o G7 se separariam, nós “não o fizemos e não o faremos”.

Durante a reunião, os países do G7 comprometeram-se a apoiar a reconstrução da Ucrânia e prometeram mais 4,5 mil milhões de dólares para combater a insegurança alimentar, elevando o esforço este ano para cerca de 14 mil milhões de dólares. Apesar das dificuldades em arranjar um mecanismo para contrariar o aumento do preço do gás através de um limite de preços, a reunião do G7 demonstrou que o sistema multilateral que junta os países parceiros dos EUA continua a mobilizar-se efetivamente para contrariar a investida russa.

Por último, a cimeira da NATO que começou esta quarta feira em Madrid, iniciou-se sob o signo do acordo entre os aliados para a adesão da Suécia e da Finlândia. Logo na quarta feira, o Presidente Biden anunciou uma série de medidas de reforço dos compromissos de segurança para a Europa. Washington destacará um quartel-general de guarnição do Exército e um batalhão de apoio no terreno na Polónia – as primeiras forças dos EUA permanentemente localizadas no flanco oriental da NATO. Isto significa um upgrade significativo das forças neste flanco: não apenas batalhões, mas brigadas e divisões inteiras numa base permanente. Às tropas adicionais na Polónia, anunciadas pela Casa Branca, juntar-se-ão novas forças dos EUA na região do Báltico, na Grã-Bretanha, na Alemanha, em Itália, na Roménia e em Espanha. Juntas, representam um aumento de 20.000 tropas em toda a Europa.

Torna-se claro que a Aliança está a renunciar formalmente a limitações sobre o destacamento de tropas na Europa de Leste, sendo agora guiada unicamente pela sua concepção da ‘ameaça russa’. A Rússia como a principal ameaça da OTAN deverá tornar-se patente no novo Conceito Estratégico, e será um guia para a postura de defesa da NATO, o seu foco militar e dos seus investimentos.

Nas duas últimas semanas, as potências ocidentais avançaram decisivamente nas várias frentes de cooperação: política, militar e, com menos sucesso, económica, em face da investida russa. Apesar das dificuldade em apoiar efetivamente a Ucrânia no campo de batalha, na área da cooperação multilateral entre a Europa, os EUA e outros aliados, o Ocidente tenta salvar a ordem internacional, reforçando as instituições que, desde o pós-Guerra, lhe serviram de base.

Observador (PT)

Gettr: ex-assessor de Trump diz que sua rede social não vai tolerar conteúdo que incite 'invasão do Congresso' no Brasil




Jason Miller foi detido pela PF no Brasil em setembro do ano passado, após se encontrar com Bolsonaro

Por Mariana Sanches, em Washington

Da penúltima vez que esteve no Brasil, o ex-assessor de Donald Trump e atual CEO da rede social Gettr, Jason Miller, havia passado quase quatro horas detido pela Polícia Federal (PF) para prestar esclarecimentos no inquérito das fake news, no aeroporto de Brasília.

Há três semanas, no entanto, ele voltou ao país, para participar, ao lado dos deputados federais Eduardo Bolsonaro (que defendeu no evento que a "Hungria era exemplo a ser seguido") e Carla Zambelli, ambos do PL-SP, da versão brasileira do Conservative Political Action Conference, o CPAC Brasil, em Campinas, em São Paulo. E dessa vez, sua passagem não teve tensões com autoridades no país. Segundo sua assessoria, ele foi "ovacionado de pé" no evento destinado a conservadores.

A nova visita ao Brasil era vista por Miller como central para tentar alavancar a rede social — amplamente associada à direita tanto no Brasil quanto nos EUA e em outros países — e para a qual ele tenta alcançar a marca de um milhão de usuários brasileiros. Ainda não conseguiu. Mas a Gettr afirma que a passagem de poucos dias de Miller ao Brasil alavancou o número de perfis baseados no país de 750 mil para 800 mil.

A rede cresce justamente com a ajuda de eleitores trumpistas e bolsonaristas. Globalmente, Miller se conecta com atores da direita radical não só por ideologia, mas também porque isso é bom para seus negócios.

Ele mostra apoio explícito, por exemplo, ao partido AfD, na Alemanha, e a Marine Le Pen, na França, país em que esteve em ao menos quatro ocasiões antes do pleito em que a candidata da direita radical foi derrotada por Emmanuel Macron, que se reelegeu presidente recentemente.

"O presidente Bolsonaro é um dos nossos dez maiores perfis globais. Acredito que ele esteja entre sexto ou sétimo em número de seguidores", diz Jason Miller à BBC News Brasil, em Washington D.C., um pouco antes de embarcar para o Brasil, em junho.

Bolsonaro tem 674 mil seguidores na Gettr, contra 8,3 milhões no Twitter, o que dá uma medida tanto do potencial de expansão da plataforma quanto de quão pequena ela ainda é, um possível sinal de que a rede social, que completará um ano nesta semana, pode não decolar.

O próprio Trump, que motivou o ex-assessor a criar uma espécie de Twitter alternativo após ter sido banido das redes no episódio da invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, não chegou a um acordo financeiro com a Gettr para criar seu perfil.

Mas figuras centrais em sua gestão, como o ideólogo Steve Bannon e o ex-secretário de Estado Mike Pompeo estão entre os cerca de 5 milhões de usuários da rede social.

Presença frequente no Brasil

Como já fez em outros países, no entanto, com a proximidade das eleições no Brasil, Jason Miller deve reforçar sua presença no país para atrair usuários ao mesmo tempo em que os Bolsonaro tentam arregimentar eleitores.

"Espero estar no Brasil com bem mais frequência agora e dar um grande impulso nos números", diz Miller, que nega qualquer envolvimento com a campanha pela reeleição de Jair Bolsonaro (PL).

"Temos visto o Brasil como nossa segunda maior comunidade. É cerca de 14% ou 15% da nossa plataforma, atrás apenas dos EUA. Uma das melhores coisas sobre a Gettr é que ela é 51% americano e 49% internacional. Logo após o Brasil, temos o Reino Unido, com cerca de 10% dos usuários, a Alemanha, entre 8% e 9% e a França, entre 5% e 6%. É uma comunidade internacional em crescimento", diz Miller.

A Gettr também tem se beneficiado de usuários que costumavam usar o hoje ostracizado Parler. O Parler se firmou como uma rede de usuários de direita, atraindo inclusive expoentes brasileiros, como Eduardo Bolsonaro, ao longo de 2019 e de 2020.

Em janeiro de 2021, segundo a plataforma, ela contava com 15 milhões de usuários. O ataque ao capitólio em 6 de janeiro, no entanto, representou praticamente o seu fim.

A própria plataforma reportou ao serviço investigativo americano FBI ter sido extensamente usada por usuários trumpistas para preparar e coordenar o ataque ao Congresso americano, que resultou em cinco mortos e na interrupção da certificação da vitória eleitoral do democrata Joe Biden por algumas horas.

As investigações mostraram que o Parler foi totalmente tomado por mensagens que afirmavam ter havido fraude no pleito americano de 2020, ressoando alegações do próprio Trump, e clamavam por "guerra civil", ameaças de morte a policiais e conclamação à insurreição. O aplicativo foi incapaz de conter o fluxo e moderar as mensagens para que elas não se traduzissem em violência no mundo real. Depois disso, o Parler foi excluído das lojas de aplicativos do Google e da Apple, e houve um intenso movimento de anunciantes para retirar seus anúncios da plataforma.

Confrontado com a possibilidade de que sua plataforma, a Gettr, pudesse ser usada no Brasil para coordenar algum tipo de insurreição após as eleições nos moldes dos ataques ao Capitólio americano, possibilidade que vem sendo aventada por políticos e analistas nos EUA, Miller é incisivo em sua resposta.

"Não importa em que país do mundo, este não é o tipo de coisa que permitiríamos em nossa plataforma", diz ele à BBC News Brasil.

Segundo o CEO, o serviço de streaming de vídeo pelos próprios usuários só está disponível para perfis verificados e ainda assim está sujeito a uma série de regras para coibir abusos e violência. Recentemente, atiradores americanos usaram esse tipo de serviço de plataformas para transmitir ao vivo massacres com armas de fogo.

"Nossos termos de serviço deixam muito claro que, se você estiver fazendo ameaças físicas ou planejando cometer violência ou dano contra alguém, isso seria uma violação de nossos termos de serviço ou diretrizes da comunidade", diz Miller, garantindo que o conteúdo seria retirado do ar por meio do sistema de moderação humano e automático.

O presidente Jair Bolsonaro tem feito alegações de que o sistema eleitoral brasileiro é fraudulento e de que pode não aceitar o resultado, o que poderia motivar situação semelhante à vivida nos EUA, segundo analistas políticos.

Miller, no entanto, não reconhece essa possibilidade: "tudo o que eu vi (de manifestações) do presidente Bolsonaro parece ter sido sempre no sentido de apoiar muito a lei e a ordem. Não houve nenhum tipo de atividade ou comunicação (de Bolsonaro) na Gettr nesse sentido".

No início de junho, em viagem a Orlando (Flórida, EUA), Bolsonaro foi questionado pela BBC News Brasil se, após a divulgação do resultados das eleições no Brasil, o país poderia viver uma situação de violência análoga à invasão do Capitólio nos EUA, em janeiro de 2021.

O presidente brasileiro respondeu: "Eu não sei o que vai acontecer, de minha parte teremos eleições limpas, com toda certeza nós vamos tomar providências antes das eleições", disse, sugerindo que as Forças Armadas atuarão no processo eleitoral.

Bolsonaro então citou uma declaração recente de Ciro Gomes, candidato presidencial do PDT: "O Ciro Gomes, terceiro lugar nas pesquisas, acabou de dizer que 'se Lula ganhar, o Brasil amanhece em guerra'. A população brasileira, a maioria esmagadora, está comigo".

Miller testemunhou na Comissão da Câmara dos EUA que investiga invasão ao Capitólio

Dentro de casa, nos EUA, Miller é parte de um processo de investigação da Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil) sobre as ações do ex-presidente Donald Trump que, de acordo com o inquérito, foram determinantes para o desfecho da invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, quando o republicano ainda era presidente.

No primeiro dia de audiência pública, a vice-presidente do comitê investigativo, Liz Cheney, colocou no ar um depoimento em vídeo de Miller no qual ele diz ter presenciado, no Salão Oval, um diálogo entre Trump e seu principal analista de dados da campanha, Matt Oczkowski. Na ocasião, Oczkowski disse a Trump que ele perderia o pleito, pouco tempo depois da eleição.

"Lembro que ele afirmou ao presidente — em termos bastante contundentes —, que ele iria perder", disse Miller, confirmando que as informações do analista eram baseadas em resultados de condado por condado e Estado por Estado.

A fala de Miller foi usada para basear a interpretação dos deputados americanos do comitê de que Trump sabia estar mentindo quando repetiu aos seus eleitores que ele havia sido vítima de uma fraude eleitoral.

Depois da divulgação do trecho do vídeo, Miller afirmou que o material cortava parte de sua argumentação. Segundo Miller, ele contou aos deputados que Trump discordava do analista Matt Oczkowski porque acreditava que seu funcionário não estava levando em conta as chances de vitória em batalhas judiciais.

"Ele acreditava que Matt não estava olhando para a perspectiva de desafios legais em nosso caminho e que Matt estava olhando puramente para o que esses números estavam mostrando, em oposição a coisas mais amplas para incluir questões de legalidade e integridade eleitoral que, como um cara de dados, ele pode não estar monitorando", teria dito Miller ao comitê.

Miller continua próximo a Trump e deve ser peça importante na campanha se o republicano realmente se candidatar em 2024.

Esta semana, no entanto, revelações feitas por uma ex-assessora da Casa Branca indicaram que Trump sabia que havia manifestantes armados em seu comício, permitiu sua presença e desejava participar junto com eles dos atos que se seguiram no capitólio, no qual seu vice-presidente, Mike Pence, teve que ser protegido para não ser assassinado. É incerto que tipo de impacto as revelações, que Trump classifica como falsas, podem ter sobre sua elegibilidade futura.

Entre os eleitores de Trump, foi justamente o seu banimento das redes após o episódio do Capitólio o que motivou um aumento ainda maior do sentimento contra "as big techs do Vale do Silício", como são conhecidas as redes como Facebook, Twitter, Youtube.

Segundo Miller, o mesmo sentimento existe no Brasil. Sem mencionar diretamente os casos, o ex-assessor de Trump faz referência à situação de bolsonaristas seguidamente derrubados de plataformas por espalhar fake news ou incitar violência, como o blogueiro Allan dos Santos, a ativista Sara Winter, e o deputado federal Daniel Silveira, em inquéritos dos quais o próprio Miller também foi alvo.

"No que diz respeito especificamente ao Brasil, muitas pessoas estão frustradas com a escolha restrita de meios e redes de comunicação no Brasil, o fato de você não ter a descentralização do livre fluxo de informações", diz.

Ele acusa as redes e a imprensa de censurarem as opiniões de direita em nome de manter a segurança ou confiabilidade das plataformas. Segundo Miller, seria possível manter as opiniões da direita radical na íntegra sem ferir esses princípios, um tipo de moderação que sua rede faria.

Ele, no entanto, se nega a discutir com a BBC News Brasil tanto casos hipotéticos quanto exemplos reais de conteúdos de bolsonaristas retirados do ar no Brasil.

E embora já tenha feito ironias públicas com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que conduz o inquérito das Fake News, Miller se esforça pra mostrar colaboração com as autoridades brasileiras e critica o Telegram por ter ignorado orientações ou interpelações do Supremo.

"Parece-me que eles (Telegram) provavelmente deveriam ter feito um trabalho melhor e certificar-se de que seriam melhores parceiros no processo. Quer dizer, a coisa toda sobre emails (do Supremo) se perderem na pasta de spam e coisas assim…. Eles provavelmente provavelmente encontrarão alguns bons advogados no Brasil", opina Miller, que no Brasil compete com o Telegram por um público de mesmo perfil.

Segundo Miller, nem sua plataforma nem ele próprio estão sob investigação no Brasil atualmente, embora afirme possuir advogados continuamente monitorando a situação no país.

"Nossa expectativa no Brasil é que a Gettr seja um parceiro muito bom. Obviamente, respeitamos muito todas as regras e regulamentos locais. Nós concordamos com qualquer coisa que nos tenha sido solicitado. E acreditamos que, em última análise, seremos uma voz forte pela liberdade de expressão no Brasil, onde queremos estar por muito tempo", diz Miller.

Ele acrescenta: "Com nossa política de moderação inteligente, proativa e robusta, garantimos que não haja ameaças online ou qualquer coisa que possa ser interpretada como ilegal, também garantimos que não haja xingamentos raciais ou religiosos, que não haja doxing (vazamento) de informações. Acreditamos que criamos um ambiente positivo onde as pessoas podem se expressar, mas sem discriminação política e sem preconceitos políticos".

Ele admite, porém, que não esperava gastar tanto dinheiro com advogados.

"Essa é uma das coisas eu não sabia quando lançamos a Gettr, há quase um ano: que passaria tanto tempo com advogados quanto no ano passado, ou que as contas de advogados seriam tão altas no Brasil".

BBC Brasil

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