por José Marques | Folhapress
Foto: Reprodução/Google Maps
Com dificuldades em ajustar os seus gastos aos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o Tribunal de Justiça de São Paulo registrou pagamentos feitos a funcionários públicos como se não fossem despesas com pessoal.
Essa prática contábil permitiu que o tribunal não tivesse despesas barradas pela lei e pudesse nomear juízes e servidores aprovados em concurso público --embora a posse desses magistrados tenha sido suspensa devido à Covid-19. Também abriu caminho para que o tribunal loteasse funcionários em cargos comissionados que atuam junto à cúpula da corte.
De acordo com relatório de fiscalização do TCE (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) finalizado em 20 de março deste ano, o TJ não contabilizou em 2019 aproximadamente R$ 1 bilhão em gastos com servidores. O documento foi obtido pela reportagem.
Essas despesas incluem reajuste de magistrados e demais funcionários (R$ 328 milhões), reembolsos de férias (R$ 449 milhões) e de licenças-prêmio (R$ 237 milhões) não gozadas.
Procurado, o Tribunal de Justiça diz que segue uma interpretação da Constituição em relação aos reajustes.
Já sobre os reembolsos de férias e licença-prêmio, o TJ diz que faz esse tipo de cálculo desde 2003 e, mesmo assim, sempre teve suas contas aprovadas pelo TCE --acontece que esse cálculo não era um dado analisado detalhadamente até agora.
Segundo a fiscalização do TCE, "não há previsão legal" que permita a exclusão dos valores de férias e licenças-prêmio "para fins da apuração da despesa com pessoal". O TJ, atualmente, inclui esses valores como "indenizações e restituições trabalhistas".
O órgão de contas cita como referência o manual de demonstrativos fiscais da Secretaria de Tesouro Nacional, que define o que compõe despesa com pessoal.
O manual "destaca as despesas que são dedutíveis e, ainda, que a despesa com indenizações por férias e licença prêmio não gozadas por servidores em exercício são espécies remuneratórias e não podem ser deduzidas".
Caso tivesse contabilizado esse R$ 1 bilhão como despesa de pessoal como prevê o TCE, o TJ ultrapassaria o limite total de gastos com funcionários e ficaria impedido de fazer qualquer medida que implicasse em aumento de despesas.
Segundo o TCE, o TJ "estaria acima do permitido na LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal] para despesa total de pessoal" e teria não só que evitar fazer novos gastos, como também cortá-los.
Ainda assim, em março deste ano, nomeou 86 juízes aprovados em concurso público, cuja posse acabou suspensa devido à pandemia.
Com as contas em situação crítica, o TJ, por meio do ex-presidente Manoel Pereira Calças, já teve que fazer no primeiro semestre do ano passado um acordo com o TCE para reduzir os seus gastos até 2021.
Os dois órgãos haviam entrado em conflito a respeito de valores que incidiam diretamente na possibilidade de o TJ ultrapassar o limite de pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O relatório de março deste ano do TCE integra o processo que analisará as contas do TJ de 2019, que tem como relator o conselheiro Dimas Ramalho. Ainda não há uma data para o julgamento dessas despesas.
O Tribunal de Justiça de São Paulo tem um orçamento previsto para este ano de aproximadamente R$ 12 bilhões, equivalente ao PIB de Roraima. Maior do Brasil, o TJ-SP tem aproximadamente 40 mil servidores e 2,6 mil magistrados.
O relatório do TCE ainda questiona outras práticas financeiras do TJ. Foram contabilizados R$ 292 milhões referentes à folha de pagamento de dezembro de 2019 sem que essa despesa tivesse sido incluída no orçamento do ano passado, e sim no deste ano.
Com todos esses problemas financeiros, já se supõe que, nos próximos anos, o Tribunal de Justiça de São Paulo lance mão de um fundo bilionário abastecido por dinheiro de taxas judiciais para cobrir os rombos com gastos de pessoal.
Não é permitido o dinheiro do fundo para esse uso --embora o TJ já tenha usado indevidamente a verba para esses gastos, segundo o TCE--, mas os valores podem ser incorporados ao orçamento anual por meio de aprovação da Assembleia Legislativa.
O relatório de fiscalização do TCE aponta outros problemas com a organização financeira do TJ. Um desses problemas é o uso verba de emergências para bancar lanchinhos dos 360 desembargadores, como revelado pelo jornal Folha de S.Paulo.
BENS DESAPARECIDOS
Outro ponto levantado pela fiscalização é que, segundo o TCE, o TJ-SP não soube localizar onde estão bens patrimoniais no valor de R$ 260 milhões.
Segundo um levantamento feito pelos fiscais no Fórum João Mendes, o maior de São Paulo, o tribunal indicou onde está somente uma parcela dos bens. O restante consta em uma planilha chamada "patrimônios a levantar" ao menos desde 2017.
Diante da "inexistência física desses bens", os técnicos do TCE propõem que seja aplicada uma multa no valor do patrimônio não localizado por prejuízo ao erário.
"Dada a quantidade expressiva de bens sem a definição correta de localização (possivelmente extraviados/furtados), entendemos que a origem não empregou todos os esforços para o controle e registro de bens", afirmam os fiscais.
Em março desse ano, devido à pandemia do novo coronavírus, o TJ-SP teve que lançar mão de um plano de contingenciamento, que prevê corte de custos como contratos, diárias e luz, além de ter lançado estudo para extinguir comarcas.
TJ-SP DIZ QUE SUAS CONTAS TÊM SIDO APROVADAS
Procurado, o Tribunal de Justiça de São Paulo afirma em nota que, desde 2003, "deduz das despesas com pessoal os valores referentes à revisão salarial garantida na Constituição Federal e o TCE reiteradamente julgou regulares as contas do TJ-SP".
Também justifica que o reajuste salarial não é computado no limite de gastos de pessoal, segundo o órgão, de acordo com a Constituição e com a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O tribunal diz que a posse dos 86 juízes substitutos nomeados este ano está suspensa, mas "não há interligação com a questão orçamentária". "A posse foi suspensa em razão do Plano de Contingenciamento e do isolamento social em decorrência da pandemia que impede a realização de perícia admissional", diz o órgão.
Segundo a corte, os R$ 260 milhões em patrimônio que não foram localizados é "equívoco na análise de dados".
"O levantamento patrimonial é feito anualmente pelos gestores de cada fórum que encaminham novas planilhas com os bens que se tornaram inservíveis e perderam a possibilidade de uso e o TJ-SP faz um ajuste fino."
"O apontamento do TCE não significa que patrimônio esteja desaparecido. Mera correção que o TJ-SP fará e apresentará ao TCE, inclusive porque se trata de patrimônio antigo que necessita de atualização em relação ao valor monetário", afirma.
O TJ-SP diz que está em fase de revisão de novo normativo para aperfeiçoar o controle patrimonial de bens móveis.
O órgão ainda afirma que reconheceu as despesas de R$ 292 milhões ainda no ano passado e reprogramou o orçamento, conforme orientação da Secretaria de Fazenda e Planejamento.
"Ou seja, o montante foi computado para fins de apuração das despesas de pessoal do exercício de 2019, obedecendo ao princípio da competência. O valor foi contabilizado como saldo a regularizar e passou de 2019 a 2020", diz.
O TJ ainda afirma que esperava receber repasses do Executivo, como vinha acontecendo até 2018, para regularizar esse valor, o que não ocorreu.
*
TJ-SP, O MAIOR DO BRASIL
360
desembargadores
2.600
magistrados
41 mil
servidores
R$ 12 bilhões
orçamento previsto para 2020
Essa prática contábil permitiu que o tribunal não tivesse despesas barradas pela lei e pudesse nomear juízes e servidores aprovados em concurso público --embora a posse desses magistrados tenha sido suspensa devido à Covid-19. Também abriu caminho para que o tribunal loteasse funcionários em cargos comissionados que atuam junto à cúpula da corte.
De acordo com relatório de fiscalização do TCE (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) finalizado em 20 de março deste ano, o TJ não contabilizou em 2019 aproximadamente R$ 1 bilhão em gastos com servidores. O documento foi obtido pela reportagem.
Essas despesas incluem reajuste de magistrados e demais funcionários (R$ 328 milhões), reembolsos de férias (R$ 449 milhões) e de licenças-prêmio (R$ 237 milhões) não gozadas.
Procurado, o Tribunal de Justiça diz que segue uma interpretação da Constituição em relação aos reajustes.
Já sobre os reembolsos de férias e licença-prêmio, o TJ diz que faz esse tipo de cálculo desde 2003 e, mesmo assim, sempre teve suas contas aprovadas pelo TCE --acontece que esse cálculo não era um dado analisado detalhadamente até agora.
Segundo a fiscalização do TCE, "não há previsão legal" que permita a exclusão dos valores de férias e licenças-prêmio "para fins da apuração da despesa com pessoal". O TJ, atualmente, inclui esses valores como "indenizações e restituições trabalhistas".
O órgão de contas cita como referência o manual de demonstrativos fiscais da Secretaria de Tesouro Nacional, que define o que compõe despesa com pessoal.
O manual "destaca as despesas que são dedutíveis e, ainda, que a despesa com indenizações por férias e licença prêmio não gozadas por servidores em exercício são espécies remuneratórias e não podem ser deduzidas".
Caso tivesse contabilizado esse R$ 1 bilhão como despesa de pessoal como prevê o TCE, o TJ ultrapassaria o limite total de gastos com funcionários e ficaria impedido de fazer qualquer medida que implicasse em aumento de despesas.
Segundo o TCE, o TJ "estaria acima do permitido na LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal] para despesa total de pessoal" e teria não só que evitar fazer novos gastos, como também cortá-los.
Ainda assim, em março deste ano, nomeou 86 juízes aprovados em concurso público, cuja posse acabou suspensa devido à pandemia.
Com as contas em situação crítica, o TJ, por meio do ex-presidente Manoel Pereira Calças, já teve que fazer no primeiro semestre do ano passado um acordo com o TCE para reduzir os seus gastos até 2021.
Os dois órgãos haviam entrado em conflito a respeito de valores que incidiam diretamente na possibilidade de o TJ ultrapassar o limite de pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O relatório de março deste ano do TCE integra o processo que analisará as contas do TJ de 2019, que tem como relator o conselheiro Dimas Ramalho. Ainda não há uma data para o julgamento dessas despesas.
O Tribunal de Justiça de São Paulo tem um orçamento previsto para este ano de aproximadamente R$ 12 bilhões, equivalente ao PIB de Roraima. Maior do Brasil, o TJ-SP tem aproximadamente 40 mil servidores e 2,6 mil magistrados.
O relatório do TCE ainda questiona outras práticas financeiras do TJ. Foram contabilizados R$ 292 milhões referentes à folha de pagamento de dezembro de 2019 sem que essa despesa tivesse sido incluída no orçamento do ano passado, e sim no deste ano.
Com todos esses problemas financeiros, já se supõe que, nos próximos anos, o Tribunal de Justiça de São Paulo lance mão de um fundo bilionário abastecido por dinheiro de taxas judiciais para cobrir os rombos com gastos de pessoal.
Não é permitido o dinheiro do fundo para esse uso --embora o TJ já tenha usado indevidamente a verba para esses gastos, segundo o TCE--, mas os valores podem ser incorporados ao orçamento anual por meio de aprovação da Assembleia Legislativa.
O relatório de fiscalização do TCE aponta outros problemas com a organização financeira do TJ. Um desses problemas é o uso verba de emergências para bancar lanchinhos dos 360 desembargadores, como revelado pelo jornal Folha de S.Paulo.
BENS DESAPARECIDOS
Outro ponto levantado pela fiscalização é que, segundo o TCE, o TJ-SP não soube localizar onde estão bens patrimoniais no valor de R$ 260 milhões.
Segundo um levantamento feito pelos fiscais no Fórum João Mendes, o maior de São Paulo, o tribunal indicou onde está somente uma parcela dos bens. O restante consta em uma planilha chamada "patrimônios a levantar" ao menos desde 2017.
Diante da "inexistência física desses bens", os técnicos do TCE propõem que seja aplicada uma multa no valor do patrimônio não localizado por prejuízo ao erário.
"Dada a quantidade expressiva de bens sem a definição correta de localização (possivelmente extraviados/furtados), entendemos que a origem não empregou todos os esforços para o controle e registro de bens", afirmam os fiscais.
Em março desse ano, devido à pandemia do novo coronavírus, o TJ-SP teve que lançar mão de um plano de contingenciamento, que prevê corte de custos como contratos, diárias e luz, além de ter lançado estudo para extinguir comarcas.
TJ-SP DIZ QUE SUAS CONTAS TÊM SIDO APROVADAS
Procurado, o Tribunal de Justiça de São Paulo afirma em nota que, desde 2003, "deduz das despesas com pessoal os valores referentes à revisão salarial garantida na Constituição Federal e o TCE reiteradamente julgou regulares as contas do TJ-SP".
Também justifica que o reajuste salarial não é computado no limite de gastos de pessoal, segundo o órgão, de acordo com a Constituição e com a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O tribunal diz que a posse dos 86 juízes substitutos nomeados este ano está suspensa, mas "não há interligação com a questão orçamentária". "A posse foi suspensa em razão do Plano de Contingenciamento e do isolamento social em decorrência da pandemia que impede a realização de perícia admissional", diz o órgão.
Segundo a corte, os R$ 260 milhões em patrimônio que não foram localizados é "equívoco na análise de dados".
"O levantamento patrimonial é feito anualmente pelos gestores de cada fórum que encaminham novas planilhas com os bens que se tornaram inservíveis e perderam a possibilidade de uso e o TJ-SP faz um ajuste fino."
"O apontamento do TCE não significa que patrimônio esteja desaparecido. Mera correção que o TJ-SP fará e apresentará ao TCE, inclusive porque se trata de patrimônio antigo que necessita de atualização em relação ao valor monetário", afirma.
O TJ-SP diz que está em fase de revisão de novo normativo para aperfeiçoar o controle patrimonial de bens móveis.
O órgão ainda afirma que reconheceu as despesas de R$ 292 milhões ainda no ano passado e reprogramou o orçamento, conforme orientação da Secretaria de Fazenda e Planejamento.
"Ou seja, o montante foi computado para fins de apuração das despesas de pessoal do exercício de 2019, obedecendo ao princípio da competência. O valor foi contabilizado como saldo a regularizar e passou de 2019 a 2020", diz.
O TJ ainda afirma que esperava receber repasses do Executivo, como vinha acontecendo até 2018, para regularizar esse valor, o que não ocorreu.
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TJ-SP, O MAIOR DO BRASIL
360
desembargadores
2.600
magistrados
41 mil
servidores
R$ 12 bilhões
orçamento previsto para 2020
Bahia Notícias