![Donald Trump e Elon Musk -- Metrópoles](https://fly.metroimg.com/upload/q_85,w_700/https://uploads.metroimg.com/wp-content/uploads/2024/11/06202302/Moraes-Trump-Musk-1.jpg)
Não dá para acreditar que eles vão acabar com a Usaid
Mario Sabino
Metrópoles
Havia quase 50 anos que eu não ouvia falar em Usaid, a agência americana de ajuda para o desenvolvimento internacional. Ela voltou à ordem do dia por causa de Donald Trump. A Usaid foi responsável por eu nunca ter sido aluno de ginásio. O ginásio, que vinha depois do primário e antes do colegial, foi extinto por causa do acordo do MEC com a agência americana, durante a ditadura militar. Primário e ginásio passaram a ser o primeiro grau e o colegial, o segundo grau.
Assim, o 1º ano do ginásio, que significava a promoção a um estágio superior da vida aos olhos de quem estava para entrar na adolescência, foi substituído pela 5ª série, reles continuação do 4º ano primário.
NOVO CURRÍCULO – O acordo MEC-Usaid, que começou a ser implementado em 1968, não apenas reestruturou as séries escolares, como mudou o currículo tradicional, eliminando matérias como filosofia e latim, instituindo o ensino obrigatório de inglês, aumentando a carga horária de matemática e introduzindo a Educação Moral e Cívica.
A esquerda, que sempre teve nas escolas e nas universidades os seus principais centros de doutrinação ideológica, denunciou o acordo como ingerência americana e um primeiro passo para a privatização da escola pública.
Acabou conseguindo que ele fosse suavizado nas suas premissas, mas nunca engoliu a coisa totalmente. Na faculdade, eu ainda ouvia professores acusando a Usaid de ser um braço do imperialismo americano.
PARADO NO TEMPO – É por isso que, em um primeiro momento, soou paradoxal para este senhor aqui a grita da esquerda contra a demolição da Usaid promovida por Donald Trump. Eu estava parado no tempo e, além disso, sou meio bobinho.
O presidente americano se empenha em desmontar a Usaid, porque a agência, veja só, foi colonizada pela esquerda, assim como boa parte dos organismos e instituições filantrópicas do mundo. Estava patrocinando programas que se chocam com o pensamento e os valores da direita representada por Donald Trump.
Estava gastando uma montanha de dinheiro do pagador de impostos americano para sustentar essa gente que ama a humanidade acima de tudo.
NINHO DE VERMES – O escudeiro presidencial Elon Musk, encarregado de passar a tesoura nos custos do governo americano, da mesma forma que fez no Twitter, foi quem deu o primeiro apito contra a Usaid.
Ele publicou que “ficou evidente que não se trata de uma maçã com um verme dentro, o que temos é simplesmente um ninho de vermes. Temos que nos livrar de tudo, está além de qualquer conserto. Vamos fechá-la”.
A oposição está indignada, evidentemente. Ao responder aos adversários democratas, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, loira e raivosa como uma apresentadora da Fox News, deu alguns exemplos da “longa lista de porcarias que este governo está cortando, como desperdício e financiamento federal”.
GASTOS DENUNCIADOS – “Dois milhões de dólares para mudanças de sexo na Guatemala, US$ 6 milhões para financiar turismo no Egito. US$ 20 milhões em um novo programa Vila Sésamo no Iraque, US$ 4,5 milhões para combater desinformação no Casaquistão”, listou Karoline Leavitt, que continuou:
“Quando você olha para o desperdício e para o abuso que perpassaram a Usaid, nos últimos anos, estas são algumas das prioridades insanas nas quais essa organização tem gastado dinheiro: US$ 1,5 milhão para promover políticas de diversidade, equidade e inclusão em locais de trabalho na Sérvia, US$ 70 mil para a produção de um musical de diversidade, equidade e inclusão na Irlanda, US$ 47 mil para uma ópera transgênero na Colômbia, US$ 32 mil para um gibi transgênero no Peru.”
O New York Times, que a direita americana gosta de chamar de “The Pravda on the Hudson” resolveu fazer um fact-checking para desmentir a lista de Karoline Leavitt. Não conseguiu totalmente.
APENAS EXAGERANDO – O máximo que os editores do jornal conseguiram foi dizer que ela estava exagerando em 5 dos exemplos que deu e que certas iniciativas foram do Departamento de Estado, como se isso mudasse alguma coisa para o pagador de impostos.
A direita brasileira aproveitou a deixa para propagar que a Usaid meteu o bedelho indevidamente nas eleições brasileiras. Quer instalar CPI, a pretexto de que a agência teria usado estratégias para promover “censura, regulação das redes sociais e promoção de debates políticos direcionados e atuação na construção de narrativas midiáticas que favorecem agendas políticas específicas, não necessariamente alinhadas aos interesses do povo brasileiro”.
Para um sujeito da minha idade, é divertido.
AÇÃO HUMANITÁRIA – Levando-se em conta que a Usaid é responsável por 40% da assistência humanitária mundial, com um orçamento (congelado) de US$ 40 bilhões, tendo a crer que a sanha destruidora de Donald Trump (e Elon Musk) se arrefecerá.
O mais provável é que sejam mantidos os programas realmente importantes financiados pela agência, como os de combate à fome e a doenças infecciosas e os de caráter estritamente educacional.
Afinal de contas, a Usaid é o braço caridoso do imperialismo americano, como estava claro quando me tirou a chance de ser um aluno de ginásio. O outro braço segura o porrete.