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domingo, dezembro 01, 2024

Reparar os ódios antigos poderá nos salvar do ódio futuro

Publicado em 30 de novembro de 2024 por Tribuna da Internet

Questão Legislativo Texto IO hate speech, ou discurso de ódio, como tem  sido denominado esse fenômeno nos países de l...

Charge do Ricardo Wilbert (Arquivo Google)

José Manuel Diogo
Folha

Começou em João Pessoa o FliParaíba, um espaço onde, em 10 conversas com escritoras e escritores de cinco países de língua oficial portuguesa, debatemos 10 ideias para um futuro descolonizado. Aqui, o mistério da vida de Camões, um poeta tão estranho ao seu tempo quanto ao nosso, encontra os mistérios e tensões dos dias que vivemos, marcados pela radicalização, pelo ódio e pela manipulação.

Estamos diante de uma crise que vai além da linguagem: vivemos uma batalha pela alma das sociedades democráticas. A produção em massa de fake news, a mentira transformada em arma política e o ódio usado como trampolim de poder tornaram-se os novos instrumentos de colonização das mentes e dos corpos.

UMA PERGUNTA – É nesse cenário que surge a pergunta: como reverter séculos de desigualdades e injustiças históricas enquanto lutamos contra as novas ferramentas de destruição social?

As dez ideias para um futuro descolonizado nasceram dessa inquietação. Um homem branco, europeu e caucasiano, perguntando-se qual é o seu lugar num debate onde tantas vezes se decreta o fim da sua legitimidade. É um lugar de escuta, mas também de fala. Porque contribuir para a reparação histórica exige coragem para errar, aprender e seguir.

Ao lado de Tom Farias, um irmão de língua e de luta, aprendi que o peso da história não nos concede a neutralidade. Estar presente é uma escolha política.

NOVAS PONTES – Aqui na Paraíba, graças à visão e ao apoio do governador João Azevêdo, reunimos 30 escritores de cinco países para discutir como a literatura, o pensamento e o diálogo podem construir novas pontes.

Essa é uma mesa de debates onde as diferenças são protagonistas: mais mulheres do que homens, mais não brancos do que brancos. Mas será que estamos realmente prontos para enfrentar os fantasmas que nos assombram? Ou seguimos prisioneiros das polarizações que tanto criticamos?

Lembro de um episódio em Itabira, no ano passado, que me ensinou o quanto essas conversas podem ser difíceis. Durante uma mesa que mediava Lívia Sant’ana Vaz e Jefferson Tenório, uma escritora branca interrompeu a plateia para decretar a minha “extinção como homem branco”. Não direi o nome porque não importa – ela sabe quem é.

CÚMPLICE DA INÉRCIA – Então, a fala foi considerada injusta, mas foi essa mesma fala que me fez perceber que o silêncio não é uma opção. Não porque o meu desconforto importe mais, mas porque o silêncio é cúmplice da inércia.

Ontem, no CPF Sesc São Paulo, em conversa com a escritora travesti Amara Moira e o jornalista Jamil Chade, essa reflexão ganhou nova profundidade. Amara disse, com a clareza de quem vive a discriminação na pele, que não são os detalhes da linguagem que importam, mas a substância.

“Não importa se você diz ‘negro’ ou ‘preto’, ‘bicha’ ou ‘veado’, se o pensamento por trás ainda é racista, transfóbico ou discriminatório.” É a ação, o pensamento que molda o discurso, que precisa mudar. Não precisamos de purismos linguísticos, mas de uma transformação genuína.

OUTRO CAMINHO – Essa é a essência do FliParaíba: reunir pessoas diferentes, de lugares diferentes, para propor caminhos que desafiem tanto o passado quanto os preconceitos do presente.

Um futuro descolonizado exige mais do que boas intenções: requer enfrentamento, reparação e, sobretudo, ação. Sem isso, continuaremos reféns do ódio –o velho e o novo– que insiste em nos dividir.

Aqui, em João Pessoa, entre escritores e pensadores de várias línguas e cores, escolhemos fazer diferente. Não é fácil, nem confortável, mas é necessário. Porque, se não fizermos agora, corremos o risco de ver um futuro onde a barbárie, sob o disfarce do populismo digital, destruirá tudo o que ainda resta de humanidade em nossas sociedades.

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