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sexta-feira, dezembro 13, 2024

Cassação de mulheres eleitas por fraude à cota de gênero em candidaturas:

o direito-meio não pode frustrar o direito-fim

Publicado por Priscila Machado
anteontem

William Akerman[1]


 Priscila Machado Akerman[2]

O artigo 10, §3°, da Lei das Eleições volta-se a fomentar a participação eleitoral feminina. Para tanto, reserva, considerado o gênero, 30% das candidaturas formalizadas pelas agremiações, consagrando verdadeiro direito-meio.

A lógica do preceito é, por meio desse direito-meio, concernente à reserva de candidaturas, suplantar o quadro de sub-representação feminina no âmbito do Poder Legislativo, presente o sistema proporcional, de modo a que as mulheres ocupem esse representativo espaço de poder, o que constitui o direito-fim.

Voltando-se a salvaguardar o direito-meio, diversas ações de investigação judicial eleitoral (AIJE) e ações de impugnação de mandato eletivo (AIME) foram propostas, tendo como causa de pedir fraude à cota legal, perpetrada por meio da apresentação de candidaturas femininas fictícias.

Sobre o tema, o Tribunal Superior Eleitoral construiu, nos últimos anos, rigorosa jurisprudência, agora estampada no verbete n. 73 da Súmula do Tribunal, quanto aos casos de registro de mulheres, como candidatas, apenas para cumprir formalmente a cota de 30%, sem que, durante o período próprio, realizassem, de fato, campanha, conforme já anotamos em outras oportunidades.

É preciso notar que a proteção do direito-meio, ou seja, do percentual mínimo de candidaturas, não pode importar sacrifício ao direito-fim, que é o objetivo último da ação afirmativa de cariz eleitoral.

Naturalmente o que se busca não são meras candidaturas (direito-meio), mas o atingimento do direito-fim, ou seja, a ocupação, por mulheres, de cadeiras nos Legislativos das diversas esferas federativas.

Portanto, a cassação de mulheres, sobretudo quando representem, entre os eleitos pela agremiação, mais de 30% das cadeiras obtidas a partir do quociente partidário, revela indevido sacrifício do direito-fim a pretexto de salvaguardar o direito-meio, o que constitui profundo contrassenso, conforme se expõe a seguir.

Não se cuida de não proteger os direitos das mulheres. Ao contrário. Proteger o direito-meio, a ponto de invalidar DRAP (Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários) e frustrar eleições em que o direito-fim tenha se realizado é que representa atuar na contramão do comando normativo e da inclusão feminina nos espaços de poder.

A matéria exige reflexão ampla.

1. Descumprimento da cota de gênero: distinção entre sanções e efeitos

De saída, é preciso enfatizar a diferença entre o que constitui sanção, ante o envolvimento comprovado na formalização de candidaturas fraudulentas, e o que representa efeito do reconhecimento da fraude, capaz, em tese, de atingir inclusive candidatos – eleitos ou não – sem qualquer participação no ardil concernente às candidaturas fictícias e, quase sempre, sem nem mesmo terem ciência de tal prática.

O ponto de partida é o artigo 22, inciso XIV, da LC n. 64/1990:

Art. 22.
[...]
XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;

Da leitura do dispositivo extrai-se que todos os envolvidos no e os beneficiados pelo lançamento de candidaturas fictícias terão seus registros e diplomas cassados.

Então, além das próprias candidatas fictícias, outros candidatos que tenham contribuído para a formalização das candidaturas apenas para que seja, artificialmente, observado o percentual mínimo de candidatas mulheres, terão seus registros, diplomas e, claro, eventuais mandatos cassados.

Essa é a principal sanção expressamente prevista no preceito legal.

Para além disso, também é imposta inelegibilidade a todos os envolvidos no lançamento das candidaturas fictícias.

Nesse caso, dirigentes partidários e outros indivíduos, mesmo não sendo candidatos, se tornam inelegíveis por terem participado do conluio fraudulento.

Em qualquer caso, embora fosse desnecessário ressaltar, é preciso que, para que sofram tais sanções, os envolvidos componham o polo passivo da demanda, em relação a qual o Tribunal Superior Eleitoral já anotou inexistir litisconsórcio passivo necessário[3].

Além das sanções que recaem sobre as candidatas fraudulentas e sobre os que concorreram para a formalização de tais candidaturas, ou delas se beneficiaram, candidatos eleitos ou não têm sido atingidos pelos pronunciamentos que reconhecem a fraude com vulneração ao patamar mínimo de 30% de candidaturas. Aqui já não se trata de sanção, mas do efeito do reconhecimento da fraude.

Isso porque, não sendo observados os 30%, ou seja, quando o número de candidaturas fictícias acaba revelando que a cota mínima não teria sido atendida caso aquela mulher não tivesse sido registrada, tem-se, com a procedência da AIJE ou da AIME, a invalidação de todo o DRAP, a anulação dos votos dados àquela agremiação, nas eleições proporcionais, e a cassação dos registros e dos mandatos de todos os respectivos candidatos.

A lógica para essas rigorosas consequências é a de que o reconhecimento da fraude à cota de gênero deve atrair o mesmo tratamento que, por ocasião do registro, se daria em caso de indeferimento do DRAP, ante a inobservância da cota mínima de 30% de candidaturas femininas.

Então, todas as candidaturas vinculadas àquele DRAP, de eleitos ou de não eleitos, são atingidas, tal como se os respectivos registros tivessem sido indeferidos.

Mas notem, uma vez mais, que isso não constitui – nem poderia constituir – sanção para os demais candidatos, que, como mencionado, comumente sequer têm ciência de que alguma candidata de sua agremiação era fictícia.

Trata-se, frise-se, de mero efeito ou decorrência do reconhecimento da fraude.

E esse efeito está baseado no fato de que o registro de DRAP com menos candidaturas (não fraudulentas) femininas contribui para obstar a promoção da participação político-eleitoral da mulher, já que a agremiação deixa de lançar uma candidatura viável e competitiva para registrar uma mulher que, em verdade, sequer fará campanha.

Atentem, portanto, a esse fundamento. O DRAP é invalidado ante a ausência de mulheres em número suficiente, uma vez reconhecida a candidatura como fictícia, sempre em quantidade tal que vulnere o patamar mínimo de 30%.

Embora lançadas como candidatas pelos partidos, algumas mulheres, em verdade, não participam, de forma efetiva, do pleito, tampouco têm chances de êxito, o que favorece candidaturas masculinas e contribui para a manutenção do quadro de sub-representação da mulher.

O paradigma a partir do qual se edificou a compreensão do Tribunal foi o REspE n. 193-92/PI, ministro Jorge Mussi, DJe de 4 de outubro de 2019, relativo à Valença do Piauí.

Desde então, o Tribunal da Democracia, a partir de circunstâncias objetivas, notadamente votação zerada ou ínfima, ausência de prova efetiva de atos de campanha e prestações de contas sem dispêndio de recursos ou padronizadas, tem considerado como fictícias diversas candidaturas femininas.

Sobre o tema, o Tribunal Superior Eleitoral editou o verbete n. 73, com o seguinte teor:

A fraude à cota de gênero, consistente no desrespeito ao percentual mínimo de 30% (trinta por cento) de candidaturas femininas, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, configura-se com a presença de um ou alguns dos seguintes elementos, quando os fatos e as circunstâncias do caso concreto assim permitirem concluir: (1) votação zerada ou inexpressiva; (2) prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante; e (3) ausência de atos efetivos de campanhas, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros. O reconhecimento do ilícito acarretará: (a) a cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) da legenda e dos diplomas dos candidatos a ele vinculados, independentemente de prova de participação, ciência ou anuência deles; (b) a inelegibilidade daqueles que praticaram ou anuíram com a conduta, nas hipóteses de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE); (c) a nulidade dos votos obtidos pelo partido, com a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário (art. 222 do Código Eleitoral), inclusive para fins de aplicação do art. 224 do Código Eleitoral.

Portanto, a Corte, em casos assim, impõe a anulação de todo o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) e, consequentemente, de todos os registros de candidaturas vinculados ao respectivo demonstrativo, bem como a anulação de todos os votos recebidos pelos respectivos candidatos, além da cassação dos mandatos outorgados e, se tratando de AIJE, a inelegibilidade de todos os envolvidos na formalização das candidaturas fictícias.

2. Cassação, como efeito da inobservância da cota de gênero, de mulheres democraticamente eleitas em percentual igual ou superior a 30%: entre a salvaguarda do direito-meio e a real efetivação do direito-fim

Questão tormentosa, que ainda merece melhor delineamento, se relaciona à cassação de mandatos de mulheres eleitas, sem qualquer participação na fraude, ao argumento da verificação de candidaturas fictícias, vinculadas ao mesmo DRAP.

Em outros termos, a inobservância da norma de inclusão, estampada no artigo 10, § 3º, da Lei n. 9.503/1997, voltada ao incentivo à participação política das mulheres, pode ensejar a cassação até mesmo de mulheres lícita e democraticamente eleitas? E se houver mulheres eleitas, pela respectiva agremiação, em patamar superior a 30%?

Até aqui, o Tribunal Superior Eleitoral não tem feito distinção entre situações nas quais eleitos apenas candidatos do gênero masculino e casos em que há mulheres eleitas, ainda que representem mais de 30% entre as cadeiras ocupadas pela respectiva agremiação.

O principal argumento, além do combate intransigente à fraude à cota de gênero, é o de que, deixar de impor a invalidação do DRAP e as cassações quando eleita uma mulher, poderia incentivar que agremiações partidárias tenham, na realidade, apenas uma candidatura feminina viável, dentre tantas outras fictícias.

Na óptica do Tribunal, se não houver consequências graves, ainda que haja alguma mulher eleita, permitir-se-á – levando o argumento ao extremo – aos partidos lançarem apenas uma candidata que já ostente destaque político, enquanto todas as demais, necessárias para o atendimento da cota de 30%, figurariam apenas formalmente como candidatas.

Esse cenário de burla sistemática ao comando legal, sem a correta censura judicial, reforçaria também a sub-representação feminina.

Adicionando-se o olhar sobre o percentual de mulheres eleitas, tendo-se em vista a dicotomia entre direito-meio e direito-fim, o quadro merece olhar mais detalhado, para que o Tribunal da Democracia não atue contra o próprio comando normativo de inclusão e acabe, embora com a intenção de salvaguardar a participação feminina, a partir da reserva de candidaturas (direito-meio) promovendo verdadeira exclusão político-eleitoral quando eleitas mais de 30% de mulheres entre as cadeiras obtidas pela grei (direito-fim).

De fato, não se pode, a pretexto de proteger o direito-meio, relacionado à reserva de candidaturas, frutar o próprio direito-fim quando entre os eleitos se tenha mais de 30% de mulheres.

Tem razão a Corte Superior ao dizer que a mera existência de uma mulher entre os eleitos não pode levar a Justiça Eleitoral a placitar a fraude perpetrada no registro das candidaturas.

Por outro lado, não pode o Tribunal da Democracia deixar de analisar, com cautela, o percentual de mulheres entre os eleitos, para decidir pela invalidação ou não de todo o DRAP.

De fato, nas situações em que a proporção de mulheres entre os eleitos supera os 30%, não há razão jurídica para cassação de todo o DRAP, retirando mandatos, inclusive, de mulheres democraticamente eleitas e em percentual superior àquele que a própria lei reservou apenas quanto a candidaturas.

Aqui o direito-fim, que não foi assegurado, em primeiro plano, pela Lei, restou satisfeito pelo eleitorado, que escolheu 30% ou mais de mulheres entre as cadeiras obtidas por determinada agremiação.

Ao argumento de que o partido não observou a cota mínima de 30%, restrita a candidaturas (direito-meio), contraria a proporcionalidade retirar das cadeiras ocupadas, no Parlamento, representação feminina superior a 30%, que é o resultado almejado, em última análise, pelo preceito legal (direito-fim).

Em tais casos, mesmo havendo mulher que não tenha recebido votos, arrecadado recursos ou realizado campanha, não há motivo para que seja invalidado o DRAP e sejam cassados, como efeito do reconhecimento da fraude, os mandatos das eleitas e dos eleitos.

Nessas hipóteses, foi possível alcançar resultado material e concretamente melhor, quanto à inclusão feminina, do que aquele que a própria Lei das Eleições estipulou, pois a representação de mulheres é superior a 30% entre os próprios eleitos.

O direito-fim foi efetivado, embora o direito-meio não tenha sido atendido.

A política afirmativa, ainda que se possa verificar alguma mulher que, de fato, não realizou campanha, embora sua presença fosse essencial para o atingimento dos 30% de candidaturas (direito-meio), obteve resultado efetivamente capaz de contribuir para se suplantar o quadro de sub-representação feminina (direito-fim).

Daí a necessidade urgente de reflexão, olhos postos exatamente no percentual de mulheres entre os eleitos alcançado por cada agremiação em dada localidade.

critério, portanto, para a preservação do DRAP está na proporção estabelecida para o direito-meio, a qual deve ser considerada do ponto de vista do direito-fim.

Em algumas situações, essa lógica foi inobservada e o direito-fim foi sacrificado a pretexto de proteger-se o direito-meio.

No RespE n. 0600459-63.2020.6.25.0028, relator ministro Sérgio Banhos, julgado em 14 de fevereiro de 2023, foram eleitas 2 pessoas pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) no Município de Canindé de São Francisco, sendo 1 mulher e 1 homem[4].

E o Tribunal Superior Eleitoral, em razão da fraude à cota de 30% para candidaturas, invalidou o DRAP e cassou todos os eleitos, mesmo havendo, então 50% de cadeiras ocupadas por mulheres.

Já no RespE n. 0601909-53.2018.6.23.0000, relator ministro Benedito Gonçalves, o Partido Verde (PV) logrou eleger apenas uma pessoa, exatamente 1 mulher[5], para a Assembleia Legislativa de Roraima, e a Corte Superior, ao julgar o caso, em 22 de setembro de 2022, invalidou o DRAP e derrubou a mulher eleita pela agremiação.

A conclusão, com as máximas vênias, revela excessivo formalismo, dedicando atenção apenas para as candidaturas registradas (direito-meio) e olvidando o real objetivo normativo, qual seja, a efetiva concretização da inclusão feminina (direito-fim).

3. Conclusão

O artigo 10, §3°, da Lei das Eleições estabelece limites máximo e mínimo, considerado o gênero, de candidaturas para as eleições proporcionais, a consagrar verdadeiro direito-meio.

Não prevê, conforme anotado, ao contrário do que já se dá em outros espaços de poder, reserva de vagas para mulheres nos Legislativos das diversas esferas federativas. Mas naturalmente a realização do direito-fim é o objetivo da norma.

O direito-meio merece proteção, na exata medida em que se volta a suplantar o quadro de sub-representação feminina no que toca aos cargos eletivos cujo acesso se dá por meio do sistema proporcional.

A questão central das linhas acima traçadas liga-se às situações em que a proteção do direito-meio importa sacrifício ao direito-fim.

Se, mesmo com um DRAP contendo chapa na qual figurava mulher que não fez, no período eleitoral, campanha, tem-se resultado no qual mais de 30% das cadeiras no Parlamento serão ocupadas por mulheres, a finalidade da norma foi cumprida revelando exatamente o atingimento do objetivo maior, com mulheres em percentual igual ou superior a 30% nas cadeiras obtidas pelo respectivo partido (ou federação).

Vale lembrar que, presente a distinção entre sanções e efeitos, sobre os eleitos, nesses casos, não recairá qualquer sanção, ausente comportamento que mereça censura.

E não subsiste razão para a imposição dos drásticos efeitos concernentes à invalidação do DRAP, diante da insubsistência dos próprios fundamentos que a justifiquem.

Como dito, o DRAP é invalidado ante a ausência de número suficiente de mulheres, uma vez reconhecida a candidatura como fictícia, sempre em quantidade tal que vulnere o patamar mínimo de 30%. E essa ausência, em tese, favorece candidaturas masculinas e contribui para a manutenção do quadro de sub-representação da mulher.

Tal circunstância, porém, não se faz presente nas situações em que há mulheres eleitas em patamar igual ou superior a 30% das cadeiras efetivamente conquistadas pela agremiação.

A votação inexistente ou ínfima denota a ausência de benefício para os demais candidatos e candidatas vinculados ao DRAP.

Ao contrário, revela prejuízo à competitividade da legenda, considerada a necessidade de se alcançar o quociente partidário.

Ainda assim, notem, o registro de mulheres apenas para cumprir a cota de gênero e sem que elas, por qualquer motivo, realizassem de fato campanha – frustrando-se então o direito-meio – não foi capaz de impedir que outras mulheres alcançassem representação maior do que 30% nas cadeiras a serem ocupadas (direito-fim).

Em verdade, as mulheres lograram, apesar de todo o quadro de desigualdade política e até mesmo diante de candidatura fraudulenta, ocupar relevante percentual de cadeiras, inclusive em patamar superior ao da cota legal de candidaturas.

Portanto, nulificar todo o DRAP em casos assim representa, em verdade, invalidar situação de maior inclusão, passando-se a ter quadro, com redistribuição das cadeiras, de menor representação feminina. Ou seja, o direito-fim acaba prejudicado pelo direito-meio.

Tratando-se de AIJE, remanesce a possibilidade de se impor a inelegibilidade a todos os comprovadamente envolvidos com o lançamento de candidaturas fictícias.

O Tribunal Superior Eleitoral se reencontrará com a matéria, ante os inúmeros casos que aportam à Corte. Que possa, então, examiná-la, encampando a tese segundo a qual, quando houver, entre os eleitos, 30% ou mais de mulheres (direito-fim), não se pode admitir, como efeito, a invalidação do DRAP, a anulação dos votos e a cassação dos mandatos, a pretexto de proteger o direito-meio, sob pena de se atuar na contramão da política de incentivo à efetiva participação política da mulher.

É preciso, de fato, proteger o direito-meio. A defesa da participação feminina deve ser intransigente. E, por isso mesmo, se houver conflito entre o direito-meio, não realizado, e o direito-fim, efetivamente alcançado no pleito, deve prevalecer o direito-fim.

Queremos no mínimo 30% de candidaturas femininas e buscamos também e principalmente 30% de mulheres entre os eleitos por cada partido ou federação, considerado o número de cadeiras obtidas a partir do quociente partidário.

O objetivo é que o direito-meio se reflita no direito-fim para que tenhamos a ocupação efetiva desse importante espaço de poder representativo pelas mulheres.

Exatamente por isso, nas situações mais sensíveis em que não tenha sido atingido o patamar de 30% de candidaturas (direito-meio não realizado), mas se tenha 30% ou mais de eleitas pela respectiva agremiação (direito-fim alcançado), ficamos com as 30% eleitas, preservando-se o DRAP, os votos e os mandatos.

  1. Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Assessor de Ministro no Supremo Tribunal Federal (STF). Membro da International Association of Constitutional Law (IACL/AIDC). Membro Consultor da Comissão Especial de Integração com os Tribunais Superiores do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Membro do Grupo de Trabalho sobre Reconhecimento de Pessoas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Membro Honorário da Escola Brasileira de Atuação nos Tribunais Superiores e do Instituto dos Advogados Brasileiros. Professor da Escola Superior de Advocacia Nacional (ESA Nacional). Ex-Procurador do Estado do Paraná. Doutorando em Direito - Democracia, buen gobierno y protección multinivel de derechos - pela Universidade de Salamanca. Mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL). Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Organizador e coautor do livro “Pacote Anticrime: análise crítica à luz da Constituição Federal” e coautor das obras “Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal” e da Coleção “80 anos do Código Penal”, volume 1, todas da Editora Revista dos Tribunais. Organizador e coautor dos livros “Manual de Atuação em Matéria Criminal perante o STJ e o STF”, “Democracia, Eleições e Justiça Eleitoral: desafios e perspectivas”, “Reconhecimento de Pessoas: novo regramento sob enfoque constitucional”, “Justiça Penal Negociada”, “Mandado de Segurança e Mandado de Injunção no Supremo Tribunal Federal”, “Controle Concentrado de Constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal”, “Reclamação Constitucional no Supremo Tribunal Federal” e “Novo Perfil de Atuação da Defensoria Pública”, todos da Editora Sobredireito. 

  2. Advogada com atuação nos Tribunais Superiores. Pós-graduada em Atuação no STF e em Direito Público. Autora das obras "Manual de atuação em matéria criminal no STF e no STJ" e "Democracia, Eleições e Justiça Eleitoral - Desafios e Perspectivas". Colaboradora no livro “Controle Concentrado de Constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal”, organizado, entre outros, pelo ministro Dias Toffoli e escrito pelos ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin e Roberto Barroso, juízes auxiliares e assessores do STF. Colaboradora no livro “Reclamação Constitucional no Supremo Tribunal Federal”, também escrito por juízes auxiliares e assessores do STF e prefaciado pelo ministro Ricardo Lewandowski. Ex-Assessora de Gabinete no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), com atuação nos juízos criminal, cível, da dívida ativa, da execução fiscal e do Tribunal do Júri. Ex-Membra da Junta Eleitoral perante o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ). 

  3. RO-El nº 0603040-10/DF, relator ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 1º.7.2021. 

  4. https://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2020/resultado/se/caninde-de-sao-francisco/vereador/ 

  5. https://g1.globo.com/rr/roraima/eleicoes/2018/noticia/2018/10/08/veja-os-deputados-estaduais-eleitos-em-roraima-14-se-reelegeram.ghtml ↑

  6. https://www.jusbrasil.com.br/artigos/cassacao-de-mulheres-eleitas-por-fraude-a-cota-de-genero-em-candidaturas/2917145502


Nota da redação deste Blog - Fraude à Cota de Gênero em Jeremoabo: Um Desafio Jurídico e Político

A situação política em Jeremoabo pode estar prestes a enfrentar uma reviravolta drástica. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) editou recentemente o verbete nº 73, que estabelece critérios rigorosos para identificar e punir fraudes relacionadas à cota de gênero nas eleições. Esse tema, de extrema relevância, pode impactar diretamente o futuro político do município, especialmente no contexto de denúncias envolvendo partidos e candidatos locais.

O que é a fraude à cota de gênero?

De acordo com a legislação eleitoral brasileira, os partidos devem assegurar um mínimo de 30% de candidaturas femininas em suas chapas, conforme o art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97. No entanto, a prática de candidaturas fictícias — mulheres registradas apenas para cumprir a cota, sem participação efetiva no pleito — tem sido alvo de intensa fiscalização. O TSE elenca alguns elementos que configuram essa fraude:

  1. Votação zerada ou inexpressiva de candidatas;
  2. Prestação de contas zerada ou padronizada, sem movimentação financeira significativa;
  3. Ausência de atos de campanha, como materiais de divulgação ou promoção pública.

Essas práticas comprometem a legitimidade do processo eleitoral, prejudicando candidaturas reais e desrespeitando o princípio da igualdade de gênero.

Consequências graves para os envolvidos

A legislação é clara e rigorosa ao tratar da fraude à cota de gênero. O reconhecimento do ilícito acarreta as seguintes penalidades:

  1. Cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP): Todo o partido pode ser penalizado, anulando-se os registros de candidaturas vinculados ao DRAP.
  2. Anulação dos votos: Os votos recebidos pelos candidatos do partido são anulados, com recontagem dos quocientes eleitoral e partidário.
  3. Cassação de mandatos: Todos os eleitos pelo partido podem perder seus mandatos.
  4. Inelegibilidade: Aqueles que participaram ou anuíram à fraude tornam-se inelegíveis, especialmente em casos de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE).

O cenário em Jeremoabo

Em Jeremoabo, as denúncias de fraude à cota de gênero colocam em risco não apenas os vereadores eleitos pelo PP, mas também toda a chapa do partido, incluindo candidatos majoritários. Caso comprovada a irregularidade, o município poderá enfrentar uma reconfiguração política, com novos cálculos de quociente eleitoral e, possivelmente, novas eleições.

Esse cenário ressalta a importância de um processo eleitoral transparente e ético. Para os envolvidos, escapar das penalidades previstas parece ser um verdadeiro desafio, senão um milagre. Com o endurecimento da fiscalização por parte da Justiça Eleitoral, práticas fraudulentas estão cada vez mais suscetíveis à identificação e punição exemplar.

Reflexão final

A cota de gênero é uma conquista democrática que visa promover maior representatividade feminina na política. Fraudar esse mecanismo não apenas viola a lei, mas também perpetua desigualdades históricas. Cabe aos partidos e candidatos respeitarem a legislação e aos eleitores, exigirem transparência e ética de seus representantes. Em Jeremoabo, o futuro político está nas mãos da Justiça, que deverá agir com rigor para garantir que a vontade popular seja respeitada dentro dos limites legais.

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