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segunda-feira, novembro 14, 2022

Pressão política para calar a atriz Cássia Kis lembra os tempos sombrios do macartismo


Cássia Kiss desabafa sobre pandemia: “Luta para estar viva” |  Entretenimento | Rondônia Dinâmica

Cássia Kiss defende suas opiniões e sofre sórdida pressão

Eduardo Affonso
O Globo

Para qualquer pessoa minimamente conectada com o século XXI, é difícil não discordar da Cássia Kis. Onde ela vê um movimento de destruição da família, eu vejo o de construção de novos modelos, mais inclusivos. Quando ela diz que que “homem com homem não dá filho, mulher com mulher também não dá filho”, penso nos casais heterossexuais em que o marido é (como eu) infértil, ou a mulher (como a própria Cássia) já entrou na menopausa.

Casais assim tampouco produzem filhos — e isso não os invalida como células familiares, não os torna afetivamente estéreis.

SOMOS DIFERENTES – Cássia é profundamente católica; eu, visceralmente ateu. Ela fez um aborto quando jovem, hoje é militante pró-vida; eu era contrário ao aborto, me tornei pró-escolha. Havemos de ter outras divergências, porém — e tudo o que vem antes de uma conjunção adversativa passa automaticamente a segundo plano — nada disso me impede de respeitá-la como cidadã e como artista.

Divergir dela e contestar seus argumentos só fortalece a ideia de que o diálogo seja a forma mais eficaz de vencer preconceitos e de conviver com diferenças.

Cássia é uma mulher talentosa, corajosa, que defende com clareza aquilo em que acredita. Muitos, entretanto, têm preferido tentar silenciá-la — invalidando suas crenças, boicotando sua carreira, forçando-a a sair de cena (há pressão para que o personagem que interpreta numa novela seja eliminado da trama, e ela venha a ser demitida).

ARTISTAS OU VILÕES? – Os colegas que compactuam com isso terão apreço à arte, à diversidade, à liberdade de expressão? Será que não percebem quanto se assemelham aos que, de verde e amarelo, clamam pela ditadura do pensamento único?

Houve um tempo em que, para conseguir papéis no cinema, na televisão, era preciso esconder a orientação sexual “desviante”. Terá chegado a hora de ter que disfarçar a opção política? Os testes de elenco exigirão, além de talento e physique du rôle, atestado de antecedentes ideológicos?

Quem pede a cabeça de Cássia Kis se crê virtuoso, defensor de uma causa justa — exatamente como os que, do alto de sua superioridade moral, se dedicaram, século após século, ao sublime ofício da caça às bruxas.

VELHO MACARTISMO – Esses militantes talvez não se deem conta de estar reeditando as práticas de discriminação do nazifascismo, dos expurgos comunistas, das patrulhas ideológicas dos anos 70, do macartismo. Este último tentou destruir a carreira de uma infinidade de artistas e intelectuais. Gente como Dashiell Hammett, Richard Attenborough, Luis Buñuel, Charlie Chaplin, Leonard Bernstein, Dalton Trumbo, Lillian Hellman, Dorothy Parker, Orson Welles — e até Lucille Ball.

Hora de lembrar Caetano: Eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem / Apenas sei de diversas harmonias bonitas possíveis sem juízo final.

Para quem quer que tenha ouvido falar das atrocidades do século XX e dos males que a intolerância nos causou, dói aceitar que ainda se cogite colar estrelas (agora, vermelhas) na porta de estabelecimentos para indicar o inimigo — ou apagar um personagem para calar a voz de uma atriz.

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