Manifestante pede "1964 de novo" (referência ao ano do golpe militar no Brasil), no ato realizado no QG do Exército nesta quarta-feira (2), dia de Finados — Foto: Gabriela Oliva/O Tempo
Manifestantes fazem discursos e exibem faixas pedindo fechamento do STF e intervenção militar. Eles fecharam parte da principal avenida com caminhões
Por Gabriela Oliva e Renato Alves
Militares do Exército circulam em meio a manifestantes que pedem intervenção das Forças Armadas, no QG do Exército
Militares não estão agindo para impedir o cerco ao Quartel General (QG) do Exército, em Brasília. Os manifestantes começaram a chegar ao Setor Militar Urbano (SMU), bairro do Plano Piloto onde ficam as principais instalações da corporação na capital federal, ainda na noite de terça-feira (1º), para participar de ato que pede intervenção federal, por meio das Forças Armadas, marcado para começar às 9h desta quarta-feira (2). Ao longo da manhã, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) têm ocupado os gramados, as calçadas e a via principal, em frente aos prédios onde ficam os órgãos administrativos e operacionais da instituição.
Apesar do movimento ilegal, militares uniformizados, a maioria da Polícia do Exército, estão transitando normalmente no ato e não reagindo aos discursos contra o Poder Judiciário, em especial a Justiça eleitoral. Muitas faixas pedem intervenção de militares, saída e até prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (TSE) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Algumas são exibidas em carretas e caminhonetes, paradas irregularmente ao longo da Avenida do Exército.
Há inclusive um caminhão de som. Em determinado momento, o locutor anunciou que o general Augusto Heleno, que é general da reserva do Exército e ministro-chefe de Segurança Institucional do governo Bolsonaro, havia mandado mensagem de apoio aos manifestantes. Com camisetas nas cores verde e amarela, em sua maioria, eles também questionam o resultado das urnas, que ratificou Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como o presidente eleito no segundo turno das eleições, no domingo (30).
Como apurou a reportagem de O TEMPO, por meio de acesso às redes bolsonaristas no Telegram e no Instagram, essa manifestação é uma “última cartada” dos eleitores de Bolsonaro, que acreditam em um apoio das Forças Armadas para anular as eleições presidenciais e manter o atual chefe do Executivo no Palácio do Planalto. Caso não surta o efeito esperado, os bloqueios nas estradas, que começaram na noite de domingo, logo após o TSE confirmar a vitória de Lula, devem ser intensificados.
Bolsonaristas viram pronunciamento de Bolsonaro como incentivo
Bolsonaro falou sobre o resultado das eleições pela primeira vez apenas no fim da tarde de terça, quase 40 horas após a consagração de Lula pelas urnas. Bolsonaro agradeceu os mais de 58 milhões de votos que recebeu, mas não parabenizou o adversário. Também não pediu explicitamente a desmobilização de bloqueios de rodovias. Ao contrário. Disse que as manifestações são “pacíficas”.
O chefe do Planalto justificou que o movimento ao afirmar que é “fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”, respaldando o movimento. Em seguida, disse, porém, que os métodos de seus apoiadores “não podem ser os da esquerda” e nem incluir o cerceamento do direito de ir e vir. Nos grupos bolsonaristas nas redes sociais, o discurso soou como aval para uma resistência.
No caso dos apoiadores do chefe do Executivo que moram no Distrito Federal, eles sentiram-se insuflados e divulgaram um ato na Praça dos Cristais, localizada em frente ao QG do Exército. No Telegram, os bolsonaristas elogiaram o tom da fala do chefe do Executivo e convidaram os membros do canal para o ato, deixando claro que vão pedir intervenção das Forças Armadas.
“Amanhã (quarta) só temos até meio dia para pedir intervenção federal. Partiu QG de Brasília”, disse um apoiador. Outro publicou: “Nosso presidente é top. Não reconheceu as eleições. Vamos liberar as rodovias e nos concentrar nos unir nos quartéis generais para pedir a intervenção federal”.
Desde então, bolsonaristas de todo o país têm convocado militantes para atos em frente a quartéis do Exército com o mesmo intuito, enquanto continuam os bloqueios em rodovias, mesmo após o STF mandar as polícias militares agirem, diante da inércia da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que tem o diretor sob suspeita de conivência com o movimento.
Pedido de intervenção é ilegal e pode render processo criminal
A declaração de manifestantes que fecham rodovias pelo país sobre a existência de uma fraude nas eleições deste ano não encontra amparo legal. A Justiça Eleitoral, além de entidades nacionais e internacionais que participaram da fiscalização do pleito, confirmaram a lisura do processo.
Da mesma forma, a possibilidade de uma “intervenção militar” com base no artigo 142 da Constituição, pedida por grupos de manifestantes, não tem respaldo na lei brasileira e pode resultar em processo judicial para quem fizer esse pedido.
O que é e como funciona o Setor Militar Urbano
O SMU abriga a maior parte dos quartéis do Exército Brasileiro em Brasília. Em destaque, os edifícios-sede do Quartel General, do Comando Militar do Planalto (CMP), da 11° Região Militar, da Organizações Militares Operacionais e da Prefeitura Militar de Brasília (PMB).
Também há 685 casas, onde moram militares e familiares – cerca de 2,5 mil pessoas. Entre as moradias e os quartéis há praças com nomes de personalidades nacionais, como Tom Jobim, Cora Coralina e Ayrton Senna, além de fontes, parques infantis e clubes esportivos.
Ainda há o Hospital Militar de Área de Brasília (HMAB), que atende os militares e seus dependentes que residem no Distrito Federal, duas escolas, uma creche e dois hotéis de trânsito.
O Tempo