Investimento social é importante, mas é preciso equilíbrio fiscal
Por Merval Pereira (foto)
Mesmo que Bolsonaro tivesse vencido a eleição, seria inevitável essa negociação com o Congresso para a PEC que permite extrapolar o teto de gastos, porque as promessas dos dois candidatos tinham pesos semelhantes.
Aumento real do salário mínimo; manutenção em caráter permanente do auxílio emergencial de R$ 600, seja no Auxílio Brasil de Bolsonaro, seja no Bolsa Família de Lula, vitorioso.
Não há dúvida de que o país vive uma crise social intensa, e nem mesmo a boa notícia de que houve em 2020 a maior queda da pobreza dos últimos tempos serve de consolo, pois os dados da PNAD contínua já mostram o retorno do índice a níveis extremamente baixos apenas porque o governo Bolsonaro suspendeu o auxílio emergencial por um período alegando o fim da pandemia.
O investimento social é fundamental, o presidente eleito tem razão em prioriza-lo, mas erra ao contrapo-lo ao equilíbrio fiscal. Investimentos para obras públicas, que Lula pretende realizar imediatamente, uma espécie de New Deal tupiniquim, dentro das possibilidades reduzidas que temos, trazem empregos e sustentação aos mais necessitados.
É natural, mas tem que haver alguma sinalização de como irão controlar esses gastos públicos no futuro. Há uma tendência muito forte na nova equipe econômica – que tem o respaldo de André Lara Rezende e de vários assessores de Lula - no sentido de que o investimento precisa ser feito, não necessariamente trará inflação e descontrole. Que o investimento bem alocado, feito em setores fundamentais na economia, trará resultados a longo prazo.
Lula dá como exemplo seus governos para dizer que sempre prezou o equilíbrio fiscal. Esquece-se de dizer que a partir da gestão de Guido Mantega no final do seu segundo mandato e durante o governo Dilma, a " nova matriz econômica" levou o país à breca. Qual Lula assumirá?
É preciso saber quem será o futuro ministro da Fazenda, e qual será a ideia para equilibrar as contas públicas a médio prazo. O exemplo dos EUA é um ponto a estudar. Em conversa com o economista Luiz Beluzzo na Globonews, lembrei da inflação nunca vista lá, em decorrência dos gastos necessários na pandemia, e com a guerra na Ucrânia, e ele rebateu dizendo que a inflação alta não é necessariamente decorrente do aumento de gastos, e sim da crise internacional, e que será superada.
É verdade que a previsão é de queda da inflação a médio prazo. Hoje está caindo de 8% para próximo uma previsão de 4% em 2023, voltando à média histórica de 2,5% em 2024. Isso porque os juros tiveram aumento forte, e mesmo assim a demanda vem se mantendo.
Como faremos aqui no Brasil? A proposta de permitir que nos próximos 4 anos as despesas com o Bolsa Família fiquem fora do teto de gastos tem o risco de não exigir do governo medidas fortes para voltar ao normal no médio prazo.
Temos que esperar para ver, porque a situação social brasileira é desesperadora. A desigualdade entre as diversas camadas da população é uma aberração. E nunca vamos ter um país minimamente organizado se continuarmos com essa desigualdade que nunca foi superada estruturalmente, independente da tendência ideológica do governo.
O Globo