Posted on by Tribuna da Internet
Arthur CagliariFolha
Em um cenário de fim da guerra comercial entre China e Estados Unidos, num primeiro momento as exportações brasileiras para o país asiático podem recuar US$ 10 bilhões, segundo projeção feitas pelo Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa). O montante equivale a 28% das vendas do agronegócio brasileiro para os chineses.
O impacto é calculado a partir do que os produtos agrícolas do Brasil perderiam se a China viesse a cumprir as medidas que foram anunciadas pelo governo americano na semana passada. Uma delas estabelece que os chineses devem elevar a importação do agronegócio americano.
R$ 32 BILHÕES – Segundo o representante comercial dos EUA, Robert Lighthizer, os chineses se comprometeram a incrementar o volume de importação em produtos agrícolas dos americanos em US$ 32 bilhões nos próximos dois anos.
Esse acréscimo ocorreria sobre uma base de US$ 24 bilhões –que equivale ao total de produtos agrícolas exportado pelos americanos em 2017, antes de guerra comercial.
Para cumprir essa parte do acordo, os chineses teriam que comprar entre US$ 50 bilhões e US$ 60 bilhões do agronegócio dos EUA em dois anos –valores que, mesmo se analisados anualmente, estão muito distantes dos US$ 13,2 bilhões exportados em 2018 pelos americanos aos asiáticos.
TERIA DE OPTAR – O problema, segundo análise feita pelo Insper, é que, para recuperar os US$ 24 bilhões anteriores à guerra comercial e ainda acrescentar mais US$ 32 bilhões, em apenas dois anos, a China teria de deixar de comprar de outros fornecedores, como o Brasil.
“Em um cenário otimista para os americanos, em que eles consigam exportar US$ 30 bilhões para os chineses, como ocorreu em no seu maior pico, a China ainda teria que encontrar um caminho para os outros US$ 25 bilhões”, disse Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global.
“Parte disso vai vir do que nós exportamos hoje. Então é possível que voltemos ao patamar anterior a guerra comercial, perdendo cerca de US$ 10 bilhões em exportações de produtos agrícolas”, assinala.
CRESCIMENTO – As vendas do agronegócio brasileiro para os chineses tiveram um crescimento acentuado em 2018, enquanto as dos americanos despencaram. As exportações de produtos agrícolas do Brasil passaram de US$ 26,6 bilhões em 2017 para US$ 35,4 bilhões no ano passado. Enquanto isso, no mesmo período, os produtos americanos recuaram de US$ 24 bilhões para US$ 13,2 bilhões.
“Se a China suspender a taxação sobre os produtos americanos, a primeira coisa que vai ocorrer é o reequilíbrio nas vendas de soja [dos EUA aos chineses]. A soja devolve para os americanos entre US$ 11 bilhões e US$ 12 bilhões. Agora de onde virá todo o resto que o acordo prevê?”, afirmou Jank.
Os valores restantes podem vir de outros produtos da pauta agrícola dominada pelo Brasil, e que têm os EUA como grande concorrente. Carne de frango e o algodão são os exemplos destacados pelo Insper.
FRANGO E ALGODÃO – No caso da carne de frango, o produto brasileiro domina o mercado chinês há quase uma década, sendo que no ano passado os produtores brasileiros exportaram mais de US$ 1,1 bilhão em frango, enquanto os americanos não chegaram em US$ 100 milhões.
Já na situação do algodão, os Estados Unidos dominaram por muito tempo o mercado do gigante asiático, mas neste ano o Brasil deve bater seu recorde e encostar nos americanos. A projeção é que a exportação brasileira fique em US$ 711 milhões em 2019, ante os US$ 714 milhões dos americanos.
Além desses mercados, os chineses podem rever as compras de carne bovina de fornecedores americanos, cuja participação é inexpressiva, enquanto a do Brasil é predominante (vide a atual alta do preço do produto no mercado brasileiro com a forte demanda dos chineses).
OUTROS PRODUTOS – Já no que tange à carne suína, embora os EUA superem o Brasil, as exportações brasileiras têm apresentado um crescimento expressivo, com menos de US$ 14 milhões em 2010 para algo em torno de US$ 570 milhões neste ano.
Jank disse ainda que houve uma quebra de safra nos EUA, o que vai dificultar a reposição rápida do volume das exportações ao anterior ao da disputa. “Isso demoraria mais do que dois anos. Então mais uma vez, chegar em US$ 55 bilhões nesse período parece inexequível”, disse.
Assim, para conseguir responder a demanda prevista num eventual acordo pleno com o governo Trump, os chineses teriam que fazer concessões para novos produtos, o que também pode impactar o Brasil. “Os chineses podem criar um sistema preferencial para os Estados Unidos, como o de milho, arroz e etanol”, segundo o coordenador do Insper.
SISTEMA PREFERENCIAL – Embora aberturas preferenciais, como a desenhada acima, possam ser questionadas na OMC (Organização Mundial do Comércio), Jank lembra que há meios para os chineses contornarem a situação e também há a questão do desmonte da entidade, com o enfraquecimento do Órgão de Apelação. “Os chineses não podem conceder a outro país da OMC um tratamento privilegiado sem fazer a mesma concessão aos outros países- membros. A única maneira para fazer isso é utilizando suas empresas estatais para fazer as compras”, disse.
“E nós vamos reclamar para quem? A não nomeação dos juízes da OMC é exatamente o mundo em que a gente vai viver agora, de toma lá da cá. É complicado o mundo em que estamos vivendo”, conclui Jank.