Rubens ValenteFolha
A investigação da Polícia Federal sobre o grupo liderado por Walter Delgatti Neto, 30 anos, hacker que reconheceu ter copiado conversas de procuradores da Lava Jato, deu origem a uma disputa jurídica que deverá se estender nos tribunais: qual o destino a ser dado às mensagens e quem poderá ter acesso a elas?
As conversas, copiadas por Delgatti de contas dos procuradores no aplicativo de mensagens Telegram, foram apreendidas pela PF na Operação Spoofing, deflagrada na última terça-feira (23).
IMPRESTÁVEIS – Moro antecipou que pretende destruir as conversas, sob o argumento de que são imprestáveis, como disse na quinta (25) ao presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), João Otávio de Noronha.
Embora não caiba a Moro essa decisão, e sim ao juiz Vallisney, a pretensão já foi atacada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que peticionou na sexta-feira para que o juiz se abstenha de destruir as provas. A entidade ponderou que a sugestão de Moro “atenta contra a competência” do Supremo, que poderá “ser chamado a apreciar os fatos”.
No mesmo dia, PT e PDT foram ao STF pedir a preservação do material. O PDT argumenta que “a destruição das provas colhidas na investigação é irreversível, no que não poderão mais ser repetidas, causando embaraço às investigações, à defesa dos investigados e à busca pela verdade real no processo penal que será instaurado após a conclusão do inquérito”.
RECURSOS – Com a anexação ao inquérito da PF, advogados de réus da Lava Jato tendem a recorrer à Justiça Federal de Brasília em busca de evidências.
“Isso vai dar muita discussão judicial em vários processos. Cada réu e seus advogados que se julgarem atingidos têm a possibilidade de pleitear perícia”, disse o advogado José Eduardo Cardozo, que foi ministro da Justiça de 2011 a 2016, na gestão Dilma (PT).
“Tudo indica que as mensagens são verdadeiras e mostram situações delicadíssimas do ponto de vista processual. Que podem ser arguidas em vários processos como ensejadoras de nulidade. O princípio da imparcialidade é fundamental no julgamento”, afirmou Cardozo.
OUTRAS DÚVIDAS – Na hipótese de o juiz federal Vallisney manter a integridade das provas, surgiriam outras dúvidas práticas. Por exemplo, se os advogados terão direito a cópias integrais ou apenas parciais, que digam respeito apenas aos seus clientes. Para isso, seria necessário saber o que as conversas contêm e separá-las caso a caso.
A resposta demanda uma perícia criminal, a partir da qual também seria possível saber se as conversas são as mesmas obtidas pelo site The Intercept Brasil.
“Como regra geral, o perito precisa ser provocado. Quem provoca deve dizer o que pretende fazer. Se houver um comando judicial para que a perícia avalie o conteúdo das mensagens, isso será feito”, disse o presidente da APCF (Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais), Marcos Camargo.
SIGILO TOTAL – Para Edvandir Paiva, presidente da ADPF (Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal), uma das providências mais sérias no caso é impedir que as conversas apreendidas circulem fora do processo. “Elas têm que ser mantidas em absoluto sigilo. Não faz sentido você fazer uma operação contra invasão de privacidade e depois dar acesso às mensagens.”
Ao mesmo tempo, segundo Paiva, não cabe discutir nesse momento destruição de provas, pois é esperado que antes ocorra uma ampla discussão jurídica sobre a conveniência do uso do material.
“Pode até se pensar em descarte das mensagens, mas isso só lá na frente, depois de todo o processamento da causa”, disse Paiva.
ACESSO DE MORO – Além do destino das provas, outro tema que gira em torno de Moro é o acesso privilegiado que ele teve a dados da investigação.
Ao longo da semana, ele telefonou a diversas autoridades para dizer que elas haviam sido alvo dos hacker, o que poderia caracterizar violação de sigilo por parte de Moro. O gesto pegou mal dentro da Polícia Federal.
“Não conseguimos ver a necessidade de um ministro da Justiça conhecer detalhes de uma investigação. Moro é alvo do grupo, então ele devia se manter afastado”, disse Paiva, o presidente da associação de delegados da PF. “Se ele [Moro] entendia que as autoridades deveriam ser alertadas sobre o hacker, o caminho mais correto teria sido pedir ao juiz compartilhamento das informações, talvez até pela Advocacia-Geral da União. Tudo passando pelo juiz federal Vallisney.”
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Moro não quebrou nenhum sigilo, apenas foi informado de que havia outros celulares acessados e avisou às pessoas. O sigilo se refere ao conteúdo das mensagens, por óbvio. (C.N.)
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Moro não quebrou nenhum sigilo, apenas foi informado de que havia outros celulares acessados e avisou às pessoas. O sigilo se refere ao conteúdo das mensagens, por óbvio. (C.N.)