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quarta-feira, agosto 18, 2010

Dos marmiteiros aos paus-de-arara

Carlos Chagas

Para Marx e Lênin, a História só se repetia como farsa. Muita gente discorda. Às vezes as coisas se passam iguaizinhas, mesmo separadas por décadas, séculos e até milênios.

Em 1945 disputaram a presidência da República o brigadeiro Eduardo Gomes e o marechal Eurico Dutra. O aviador era o preferido das elites e da classe média, campeão de comícios nas grandes cidades. O soldado, além de feio, falava mal e carecia de apoio urbano, ainda que 80% da população morasse no interior. Diversos fatores deram a vitória a Dutra, mas um deles serviu como golpe de graça na eleição: num de seus discursos, o brigadeiro bateu firme nos órfãos da ditadura de Getúlio Vargas, afirmando rejeitar o voto dos “marmiteiros”. Referia-se a quantos haviam crescido politicamente e até enriquecido durante o Estado Novo. Só que um hábil getulista, Hugo Borghi, aproveitou-se daquela frase para espalhar pelo país inteiro que Eduardo Gomes repudiava o apoio de quantos trabalhadores comiam de marmita, saindo de casa cedo e levando o almoço para a fábrica ou para o campo.

Pois é. Dilma Rousseff, ao abordar seu passado de guerrilheira urbana, adepta da luta armada contra a ditadura militar, saiu-se com afirmação capaz de prestar-se a igual confusão. Disse não ser possível “dialogar com o pau-de-arara”. Deixou clara a impossibilidade de entendimento entre torturadores e torturados. Quando jovem, ela também sofreu os horrores dessa hedionda forma de obtenção de confissões.

O problema é se alguém do lado de José Serra distorcer o raciocínio e sair por aí alardeando que a adversária não quer conversa com os “paus-de-arara”, nordestinos durante muitas décadas viajando para o Sul na carroceria de caminhões, amontoados como gado. Até o presidente Lula, então um menino, chegou assim a São Paulo, com a mãe e os irmãos.

Hoje, dificilmente a distorção pegaria, tendo os meios de comunicação e de transporte evoluído de tal forma que a mentira seria desmascarada em questão de minutos, pela televisão, além de os nordestinos que demandam o sul-maravilha utilizarem ônibus e não mais caminhões. Mesmo assim, seria bom a candidata não dar bandeira e lembrar-se de que a História, como farsa, pode repetir-se. Os paus-de-arara, tanto quanto os marmiteiros, agradecem.

Alguém anda exagerando

De um lado, a imensa popularidade do presidente Lula, beirando os 80% da opinião nacional que julga o governo bom e ótimo, material para intensa propaganda sobre ser o Brasil a terra da promissão.

De outro, porém, a manchete do “Globo” de ontem, denunciando que 37 milhões de brasileiros dormem na rua, próximos do local de trabalho, por falta de dinheiro para pagar a passagem de ônibus e voltar todos os dias para casa.

Num país de 37 milhões de abandonados jamais 80% apoiariam com tanto entusiasmo o seu governo. Logo, um dos números está errado. Ou ambos.

O calor da disputa eleitoral costuma levar a exageros. Os índices de popularidade do presidente impulsionam a candidatura de Dilma Rousseff, enquanto a resistência a ela multiplica a legião de moradores de rua.

A incógnita do voto militar

Passou a época de especular a respeito dos militares. Como pensam, o que sentem, quais suas preferências, para onde se inclinam e como votarão? Durante 21 anos era essa uma das maiores preocupações nacionais, tanto dos que apoiavam o regime quanto de seus opositores. O país respirava conforme as reações do chamado “sistema”, temerosos uns, confiantes outros.

Felizmente, os militares saíram do palco. Justiça se faça, até colaborando para que o passado fosse esquecido. Também, os generais de hoje eram os aspirantes e jovens tenentes de ontem. Nada tiveram a ver com os desmandos de seus chefes. Mas houve tempo em que doutos sociólogos e agudos intelectuais passavam o tempo perscrutando a mente dos militares para saber o que aconteceria no dia seguinte.

Apenas por diletantismo, vale indagar como os militares observam e participam do processo sucessório. Isso, se admitirmos o estamento castrense como um bloco monolítico, o que não é.

A oficialidade da Marinha, Exército e Aeronáutica está, por lei, obrigada a votar. Mesmo desvinculada do passado, optará pela candidatura de Dilma Rousseff, guerrilheira, processada, punida e torturada por seus antecessores, acusada de pegar em armas contra o regime? Ou irá preferir José Serra, um dos oradores do célebre comício do dia 13 de março de 1964, então presidente da União Nacional dos Estudantes, obrigado a exilar-se no Chile para evitar que acontecesse com ele o que aconteceu com a adversária de hoje?

Existirão opções? Aos militares será dado votar na candidata que pretende manter a Amazônia como um imenso jardim botânico? Afinal, sustentam opinião oposta à de Marina Silva, defendem o desenvolvimento industrial da região e a preservação de nossa soberania diante das tentativas de internacionalização e transformação de tribos em nações indígenas independentes.

Sobra Plínio de Arruda Sampaio, mas como optarão por outro foragido da “gloriosa”, comunista declarado, ainda mais católico apostólico romano praticante, duas características que faziam ferver o sangue de muitos generais, há quarenta anos?

Inexistem máquinas de votar exclusivas para militares, mas, se elas funcionassem, seria no mínimo curioso saber os resultados.

Deu sono

Deu sono a inauguração, ontem, do período de propaganda eleitoral obrigatória pelo rádio e a televisão. Tanto no primeiro período, iniciado às 13 horas, quanto no segundo, às 20.30 horas, muita gente fechou os olhos e tentou aproveitar o tempo recompondo forças. Não se cometerá a injustiça de concluir que os candidatos deixaram de se esforçar. Pelo contrário, deram tudo de si. Sorriram, prometeram e criticaram. O diabo é acreditar neles. Vai ser assim até 30 de setembro, tempo que a imaginação poderia aproveitar de formas variadas. Que tal ler “Os Sertões” em pílulas, algumas páginas duas vezes por dia? Ou aprender chinês? Por que não decifrar as intrincadas regras do baseball ou do futebol americano? Quem sabe meditar sobre as promessas do presidente Barack Obama de retirar as tropas do Afeganistão? Coisas a ocupar o tempo sempre haverá…

Fonte: Tribuna da Imprensa

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