Carlos Chagas
O presidente Lula pode até ter cumprido compromisso dito obrigatório com as Nações Unidas, de aceitar sem discutir as decisões do Conselho de Segurança e apoiar sanções econômicas ao Irã. Mas deixou frustrados quantos acreditaram nos seus esforços para levar a paz ao Oriente Médio. Afinal, se o voto do Brasil foi contrário àquelas sanções, mesmo oposto à maioria dos integrantes do Conselho de Segurança, por que esse sinal de fraqueza na hora da decisão final?
Estariam em jogo outros interesses, junto à comunidade internacional? Sofremos pressões dos países ricos? Ameaças de retaliação? O Itamaraty que explique, mas fica meio ridículo ouvir do chanceler que o Lula “assinou contrariado” o respaldo às sanções econômicas. Se estava contrariado não deveria ter assinado. Não seria a primeira vez que um governo iria bater de frente com a opinião dos poderosos. Ainda mais porque as sanções atingirão de forma direta o povo iraniano, cerceando importações e exportações e prejudicando economicamente aquele país.
Faltou coragem depois de seguidas demonstrações de estarmos atrás de um acordo em condições de pacificar região. Ironicamente poderíamos ter seguido o exemplo de Israel, que inúmeras vezes dá de ombros e ignora decisões das Nações Unidas.
Seria bom não misturar as coisas. Merece repúdio universal a decisão do governo do Irã de apedrejar até a morte uma mulher acusada de cometer adultério. Mas daí a aceitar sanções econômicas contra o seu povo, a distância é imensa. Mesmo tendo o presidente brasileiro sido chamado de desinformado quando ofereceu asilo à indigitada mulher, em troca da preservação de sua vida.
Me engana que eu gosto
Apesar do reconhecimento de tratar-se de um presidente excepcional, aclamado por 80% da população, de vez em quando o Lula escorrega. Na reunião ministerial de terça-feira, ao exigir o apoio de seus ministros à candidatura Dilma Rousseff, saiu-se com uma afirmação digna do Barão de Munchausen. Como para seduzir a equipe diante da possibilidade de muitos ministros continuarem ministros nos próximos quatro anos, numa virtual vitória de Dilma, falou que apenas ele e o vice José Alencar estariam fora do futuro governo da candidata.
Por quem sois, Excelência? Ficar de fora do governo Dilma equivaleria a exigir de Leonardo da Vinci que jamais olhasse para o quadro da Gioconda, depois de havê-lo pintado. Mesmo não ocupando qualquer cargo na hipotética administração futura, o Lula estará mais por dentro do que a própria presidente.
O Supremo decidirá
Apenas quatro tribunais regionais eleitorais vem entendendo não poder a lei da ficha-limpa ser aplicada nas eleições de outubro. Pela Constituição, mudanças eleitorais devem valer de imediato só se aprovadas até um ano antes dos pleitos e, mais, a lei só retroage para beneficiar, jamais para prejudicar. Pode conter um eufemismo a alegação de a lei ficha-limpa não exprimir uma punição, mas apenas um elenco de condições indispensáveis ao registro de candidaturas.
A maioria dos tribunais regionais eleitorais pensa diferente dos quatro rebeldes e apóia o Tribunal Superior Eleitoral, validando a aplicação imediata da referida lei.
A previsão é de que muitos candidatos impugnados recorrerão ao Supremo Tribunal Federal, última palavra sobre a controvérsia. Ainda que a decisão ultrapasse a data das eleições, servirá para definir o futuro daqueles que tiverem sido eleitos sub-judice, confirmando a voz das urnas ou cassando seus mandatos.
O primeiro embate
Ganhando Dilma ou ganhando Serra, as previsões são de que o PMDB manterá maioria na Câmara e no Senado. Sendo assim, terá direito a indicar os presidentes das duas casas. Na hipótese de vitória da candidata, mesmo não se sabendo se o PT será a segunda ou a terceira bancada na Câmara, os companheiros reivindicarão sua presidência, em nome da aliança capaz de sustentar o governo. Se as urnas favorecem o ex-governador paulista, a situação muda de figura: para credenciar-se a participar da administração tucana, evidência que nem precisa ser demonstrada, os peemedebistas poderão oferecer a presidência da Câmara ao PSDB.
Em qualquer dos dois casos, a sorte estará em mãos do partido outrora responsável pela queda da ditadura. Feliz o dr. Ulysses, que não está mais entre nós…
Fonte: Tribuna da Imprensa