“Embora não seja uma exclusividade do PT (e as diferenças entre José Serra e Aécio Neves no PSDB estão aí para provar isso), há no partido de Lula uma especial inclinação por divisões internas que têm motivação política”
Uma conceituada jornalista de Brasília, com vários anos de atuação em economia e agora trabalhando numa empresa de assessoria, recebeu há algumas semanas um convite para integrar a equipe de imprensa da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff. Amiga do chefe da assessoria, que veio com Dilma da Casa Civil, ela foi se aconselhar com ele antes de resolver se aceitaria o convite (que, como se vê, não foi feito a ela por ele). “Deve haver algum engano aí”, espantou-se o assessor de Dilma. “Eu não estou sabendo de nada sobre isso”. Diante da informação, a jornalista preferiu ficar no emprego em que já estava.
Ficou evidente para essa jornalista que ela integraria uma equipe paralela à equipe oficial. Para fazer o quê ou para responder a quem, ela preferiu nem saber. O sinal que acendeu para ela dizia em grandes e garrafais letras vermelhas: “Isso é rolo na certa”.
A história ilustra o que está por trás da história do tal dossiê que se estaria preparando por alguma parte da equipe de Dilma contra José Serra. As velhas disputas políticas de sempre, as velhas desconfianças das tendências petistas umas contra as outras criaram o ambiente a partir do qual fermentou a tal história. Setores paralelos trabalham sem que um dê satisfação para o outro, desconfianças fazem com que uns vigiem os outros. E alguém tem ideias brilhantes que não comunica aos demais (provavelmente porque tem certeza de que, no fundo, as ideias não são mesmo tão brilhantes assim).
Duas coisas aconteceram no rolo do dossiê. O jornalista Amauri Ribeiro Júnior já fizera, para um livro que vai publicar, uma investigação sobre o processo de privatização no governo Fernando Henrique Cardoso. De fato, há imenso potencial de escândalo ali, desde a história do tal “limite da irresponsabilidade”, dito pelo ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira, no famoso grampo do BNDES. Ele é procurado por Luiz Lanzetta, dono da empresa que o PT contratou para que ela subcontratasse a equipe de assessoria de Dilma. Lanzetta estava interessado nas informações que Amauri coletara, para eventualmente aproveitá-las na campanha. E o convida para um almoço em que também estava o ex-delegado da Polícia Federal Onésimo de Souza e dois “agentes” que trabalhavam com ele. São tipos comuns em Brasília: ex-policiais, ex-agentes de inteligência que trabalham como arapongas a soldo fazendo investigações a quem lhes pagar contra quem os contratantes determinarem. Na linha da desconfiança de todos contra todos, eles deveriam apurar quem eventualmente na campanha de Dilma poderia ter ligações e estar repassando dados confidenciais para Serra.
O primeiro ponto complicado é misturar na mesma mesa um jornalista com esses investigadores. Eles fariam o mesmo tipo de coisa? Amauri é um conceituado repórter investigativo. O interesse de Lanzetta iria além das informações que ele teria sobre as privatizações? Ele participaria de outras investigações? Se não, por que estava ali, naquela mesma mesa com os agentes?
O mais enrolado da história é que, de acordo com todas as versões, Dilma nada sabia sobre a reunião nem sobre que coisas aquele grupo estava destinado a apurar. E, quando soube, mandou parar com tudo. Isso tudo é parte da mesma história contada no primeiro parágrafo, de movimentos paralelos, fora do oficial. Embora não seja uma exclusividade do PT (e as diferenças entre José Serra e Aécio Neves no PSDB estão aí para provar isso), há no partido de Lula uma especial inclinação por divisões internas que têm motivação política. E como levar isso a consequências que, parafraseando Ricardo Sérgio, fogem do “limite da irresponsabilidade”.
A mesma história de desconfiança de que alguém repassava informações do governo para Serra foi levantada por José Dirceu quando ele era ministro da Casa Civil no começo do governo Lula. Dois assessores que já haviam trabalhado com Serra foram, na época, apontados como suspeitos. Nada se provou, tudo pareceu mesmo uma paranóia sem sentido que só serviu para tornar meio irrespirável o ar no quarto andar do Palácio do Planalto, onde ficam a Casa Civil e a Secretaria de Assuntos Institucionais. No fundo, intrigas que alimentavam disputas internas de poder. Como agora. O velho e conhecido “fogo amigo”.
No embalo em que está a campanha de Dilma, é difícil que tal episódio traga maiores prejuízos eleitorais. Mas o “fogo amigo”, quando não acaba por ferir de fato algum aliado gravemente, no mínimo provoca uma imensa e desnecessária perda de energia, que, na verdade, deveria estar sendo usada contra o inimigo.
Fonte: Congressoemfoco