Sobras, antecipações e trocas de créditos entre os gabinetes dos deputados criaram o ambiente para que se produzisse o crime
O mau hábito de trocar créditos aéreos entre os gabinetes criou o ambiente para que florescesse a máfia das passagens |
Eduardo Militão
As apurações do comércio ilegal de passagens ainda não terminaram. Como mostrou o Congresso em Foco, pelo menos seis deputados são investigados pela Corregedoria, um aguarda decisão da Mesa da Câmara e um caso foi arquivado pela Casa. Existem, ainda, 44 servidores respondendo a processo administrativo.
Apesar disso, já é consenso entre parlamentares e policiais que investigam o caso ou estão envolvidos nele que o questionável hábito de antecipar e permutar créditos de bilhetes entre gabinetes e agentes de viagens viabilizou o comércio ilegal de alguns. Deputados que viajam demais trocavam os créditos que sobravam com os deputados que viajam menos. A falta de passagens de alguns deputados somada ao excesso de outros criou o ambiente para a criação desse mercado paralelo das passagens.
Alguns acusados dizem que as regras antigas das cotas não proibiam a permuta e a antecipação do benefício. Mas também não permitiam. É por isso que prevalece entre os investigadores da máfia das passagens a certeza de que os princípios da moralidade administrativa e da impressoalidade, previstos na Constituição, foram quebrados pelo esquema. Ainda assim, depois da descoberta da farra das passagens, a Câmara resolveu tornar a proibição explícita, no Ato da Mesa 43/09:
"Art. 14. A Cota não poderá ser antecipada, transferida de um beneficiário para outro, convertida em pecúnia ou associada, ainda que parcialmente, a outros benefícios, verbas ou Cotas".
Pacientes de hospital
Como alegam alguns servidores e parlamentares, vários deles, de boa fé, precisavam de mais cotas de passagem para o exercício do mandato. Costumavam ficar sem crédito, inclusive, porque cediam bilhetes para terceiros, como pacientes de hospitais. Daí, pediam empréstimo de cota no gabinete vizinho. Como era o pagamento? Com o crédito que chegaria no mês que vem.
O costume se estendeu aos agentes de viagens, vários deles servidores e ex-servidores da Câmara, com trânsito livre pela casa e pelos guichês das companhias áreas. Em vez de solicitar ao gabinete vizinho, o deputado pedia ao operador, que antecipava sua cota. Como era o pagamento? Da mesma forma, com o crédito do mês seguinte.
Havia pagamento de juros pela operação? Os parlamentares e servidores garantem que não. Mas depoimentos dos agentes negam essas assertivas.
O operador Vagdar Fortunato Ferreira confirmou à comissão de sindicância que comprou créditos de alguns parlamentares. Em depoimento, disse que “entendia que o parlamentar tinha liberdade de usar a cota, e que não entendia como crime a sua comercialização”. Afirmou que emitia passagem pela sua empresa para “ganhar a comissão de venda”. O agente disse que antecipava os valores e depois recebia o valor correspondente. “Caso o pagamento demorasse mais de trinta dias, era cobrado um percentual de deságio sobre o valor do crédito”, afirmou Vagdar em seu depoimento.
Descontos
As operações não paravam por aí. Alguns gabinetes, como informou a assessoria de Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) e o deputado Enio Bacci (PDT-RS), repassavam, antecipadamente, seus créditos para agentes de viagem. No caso de Faria de Sá, ele recebia descontos no trecho Brasília-São Paulo. Bacci diz que, eventualmente, adiantava os créditos por pura relação de confiança com o agente de viagens Pedro Damião Rabelo, que, na maioria das vezes, era quem antecipava sua cota de bilhetes já estourada.
Havia algum tipo de deságio ou sobretaxas nessas operações? Os gabinetes garantem que não.
O fato é que tudo isso permitiu que os bilhetes dos deputados fossem parar nas mãos de terceiros. Eles compravam nas agências que tinham “um pé na Câmara” e obtinham descontos diferenciados.
Parte desses descontos era obtida também com a compra direta de crédito dos gabinetes, quando havia um deságio de até 40% do valor das requisições de passagem aérea (RPAs). Os ex-servidores José Cláudio da Silva Antunes e Rosimere Gomes Silva foram um dos poucos que admitiram ter feito a operação. Ambos acabaram demitidos.Fonte: Congressoemfoco