Dora Kramer
Não são poucas nem amenas as críticas que se fazem ao Poder Judiciário quando cassa governantes eleitos em processos comprovadamente viciados pelo abuso do poder econômico ou quando impõe aos parlamentares e respectivos partidos um enquadramento mais rigoroso aos melhores costumes políticos.
O mínimo que se diz é que o Judiciário exorbita de suas funções e, em alguns casos – como o da determinação para que assuma o segundo colocado na eleição do governador ou prefeito cassado –, fala-se até em desrespeito à vontade do eleitor e, portanto, às regras da democracia.
Quanto às transgressões em si, contra as quais se batem cada vez mais os tribunais, comenta-se um pouco a respeito, manifesta-se indignação com a falta de decoro e ausência de senso ético por parte de suas excelências e toca-se a vida de consciência mais ou menos tranquila na base do “assim não é possível”.
Essa é a rotina. Seja nas artimanhas montadas no Congresso Nacional para livrar acusados de acusações, seja nos artifícios espúrios engendrados nos Legislativos locais, cujo exemplo mais recente e eloquente é a operação abafa arquitetada pelo governador José Roberto Arruda e aliados na Câmara Distrital de Brasília.
Pois o juiz – e ultimamente sempre aparece um juiz – Vinicius Santos da Silva, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, numa decisão tão simples que chega a ser óbvia expôs o quanto essas falcatruas cada vez mais habituais nos Legislativos são, elas sim, danosas à democracia, por um fator de desequilíbrio nas atribuições dos Poderes.
Determinou que os oito deputados e dois suplentes envolvidos no escândalo de corrupção do DF sejam afastados das atividades relativas aos pedidos de impeachment do governador Arruda.
Diz o juiz Vinicius Santos Silva em seu despacho: “Em Estado de Direito não é dado a ninguém ser o julgador da própria causa, como se o interesse público do julgamento pudesse sucumbir às naturais tendências de autodefesa. Feriria de morte a legitimidade do julgamento.”
No caso estava mais que ferida na composição das comissões encarregadas do exame dos processos, todas controladas por correligionários de Arruda.
Quando o Legislativo faz o que quer ao arrepio da lei ou quando muda a lei ao arrepio da probidade, ultrapassa as limitações impostas pelo Estado de Direito ao exercício do poder pelos donos de mandatos eletivos.
O Judiciário, neste e em outros casos, não exorbitou. Apenas recuperou o equilíbrio rompido pelo Legislativo, fazendo valer a Constituição.
Sobre isso, o despacho do juiz também é bastante claro: “O afastamento dos envolvidos, ao contrário de ser uma indevida interferência do Poder Judiciário, configura uma afirmação dos princípios mais caros ao Estado Democrático de Direito, a demonstrar que o jogo político tem de estar atento à lisura.”
Nítido, certeiro e exemplar. Oxalá o Ministério Público e o Judiciário tivessem tido a mesma iniciativa em maquinações semelhantes ocorridas no Congresso Nacional, embora sempre seja tempo. No que depender dos Poderes Legislativos em qualquer âmbito, não faltarão novas oportunidades.
Não é garantia da “lisura” aludida pelo juiz. Mas ao menos expõe suas excelências à luz do sol e aos efeitos do sereno.
Aqui mesmo
O PSDB não precisaria ir tão longe, até o Chile, para descobrir que votos não se transferem automaticamente. Bastaria lembrar a eleição municipal de 2008, quando o presidente Lula perdeu as tentativas de eleger Marta Suplicy prefeita de São Paulo e de derrotar Micarla de Souza em Natal, as duas campanhas em que se expôs mais explicitamente.
Com Marta Lula perdeu duas vezes. Logo no primeiro mandato, em 2003, exortou a população de São Paulo a reeleger a então prefeita, derrotada no ano seguinte.
Táticas
O PT tende a recrudescer daqui até março nos ataques aos tucanos em geral e ao governador José Serra, em particular. A ideia é a de que Serra possa pensar em desistir da candidatura presidencial ante a visão da guerra de extermínio.
Já ao PSDB agradou o ataque de Dilma Rousseff acusando a oposição de querer “acabar com o PAC”. Não pelo conteúdo, que deixa os tucanos mal com a população mais pobre.
Gostaram da forma. Com Dilma na ofensiva, PSDB acha que pode estabelecer a polarização que lhe interessa: candidato contra candidato e não presidente (Lula) contra ex-presidente (Fernando Henrique).
Tubo bem
No caos das chuvas de dezembro em São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab saudou o “lado positivo” das enchentes. Ontem, em meio à contabilização dos mortos na enxurrada, assegurou que as ações da prefeitura “estão surtindo efeito”.
Fonte: Gazeta do Povo